Sem aula prática, escola diz formar técnicos no Recife
CEDTEC oferece curso na modalidade EAD direcionado para quem já tem experiência no mercado. Porém, escola reconhece que qualquer pessoa, com ou sem experiência, pode se formar tércnico em 120 dias sem aula prática. Por outro lado, Conselho Estadual de Educação diz que encontros presenciais devem ser obrigatórios
A proposta da Escola Técnica CEDTEC é no mínimo curiosa. Como no mercado existem muitos trabalhadores que há bastante tempo atuam em várias funções, mas nunca pisaram em uma sala de aula e consequentemente não receberam certificação técnica, a unidade de ensino, localizada no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife, resolveu criar uma modalidade de curso técnico a distância que busca certificar em um curto período quem já tem experiência de mercado. Na “prática”, ou melhor, em linhas gerais, o aluno faz um curso EAD e em 120 dias pode ser formado como técnico pela escola. Porém, uma questão da formação chama a atenção: os alunos não passam por nenhuma aula prática, mesmo o Conselho Estadual de Educação de Pernambuco (CEE-PE) exigindo um percentual mínimo de 20% de aulas presenciais. Além disso, como se trata de um ensino virtual, até quem não tem experiência de mercado pode se matricular e, ao final do curso, terá diploma de técnico.
A instituição de ensino começou seus trabalhos no Recife em 2013, ofertando cursos de mecânica, eletrotécnica e logística na modalidade presencial. Com 14 anos de atuação em outras cidades brasileiras, a CEDTEC possui autorização do CEP para funcionar em Pernambuco e, segundo o site do Conselho, tem registro entre as escolas autorizadas no Estado. De acordo com a direção da instituição de ensino, em fevereiro de 2014 saiu mais uma autorização para o estabelecimento, que foi a educação a distância. Essa modalidade é aplicada na escola de duas formas: os alunos podem fazer um curso mais tradicional, com duração de 18 meses, incluindo um percentual de aulas práticas ou optam pela capacitação apurada nesta reportagem, que ignora qualquer possibilidade de aula prática.
O diretor técnico da CEDTEC, Marcelo Bravin, é claro ao dizer que o curso totalmente a distância é direcionado para os trabalhadores que já têm experiência de mercado. Segundo ele, esses alunos passam por entrevistas e comprovam através de documentos seus níveis de vivência nas empresas. Entretanto, o diretor técnico também reconhece que qualquer pessoa, com ou sem experiência, pode fazer o curso a distância e ao final se tornará um técnico – pelo menos documentalmente - sem nunca ter tocado em uma ferramenta de trabalho.
“O que nós fazemos hoje, não para facilitar, mas para ter um diferencial no mercado, é oferecer um produto que possibilite a alguns profissionais que não têm formação técnica, mas que precisam dessa formação para dar continuidade a sua carreira, um aproveitamento de estudos e isso a própria legislação dos conselhos estaduais de educação permite normalmente. Esse aproveitamento de estudo vai diminuir o tempo do aluno para uma formação técnica”, explica o diretor. “Mas eu não tenho como negar que pessoas sem experiência façam esse curso. Eu até indico a elas que procurem o EAD mais longo, o presencial ou converse com amigos que têm experiência. Se o aluno sem experiência não fizer isso, ele até vai terminar o curso, receberá o diploma, mas vai passar aperto no mercado. Ele vai passar por todo o processo, vai se matricular no curso técnico, mas não vou poder fazer nada. Não tenho como impedir, mas por ética, faço meu papel de orientar”, revela Bravin.
A capacitação técnica totalmente a distância oferecida pelo CEDTEC transformou disciplinas em cursos de qualificação, justamente para diminuir o tempo de duração. Como exemplo, na área de mecânica industrial o aluno pode fazer 17 qualificações, cada uma ao preço de R$ 149. Em sete dias, o estudante já tem acesso a uma avaliação e consegue finalizar a qualificação. De acordo com Marcelo Bravin, após as 17 qualificações, o aluno só precisa cursar, também a distância, mais duas disciplinas das turmas técnicas tradicionais (com duração de 18 meses) e alcança certificado. Em 120 dias, sem nenhuma aula prática, o formado obtém o mesmo diploma do aluno que cursou 18 meses e fez aulas presenciais. “Na modalidade totalmente EAD não temos em nenhum momento aula prática. Todo o sistema é online. É direcionado para quem está no mercado, mas não tenho como filtrar quem vai cursar. Qualquer pessoa pode fazer”, reafirma o diretor técnico do CEDTEC, em entrevista ao LeiaJá. No vídeo a seguir, Bravin detalha a proposta de curso:
Nossa reportagem tentou conversar com alunos do curso de mecânica industrial do CEDTEC, mas não obtivemos contato. Quem falou com o LeiaJá foi o também aluno da instituição, mas do curso de eletrotécnica, Natanael José dos Santos. Mesmo com experiência na área, ele optou por fazer o curso EAD que possui um percentual presencial. Para o aluno, aulas práticas são essenciais para quem ainda não possui vivência empresarial.
“Eu já tinha experiência na área, mas resolvi fazer o curso porque precisava complementar minha profissão e porque também penso em ingressar na área acadêmica. Como não tinha hora certa para estudar, optei por fazer o curso a distância, mas, em alguns momentos participei de aulas presenciais, aos sábados. Eu acredito que, para quem não possui experiência, é essencial cursar aulas práticas. Quem for para o mercado só com teoria não vai se dar bem. Por isso aconselho que procurem a prática”, orienta o aluno. Segundo a direção do CEDTEC, a instituição de ensino forma, por semestre, cerca de 60 alunos.
A favor da prática
De acordo com a presidente do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco (CEE-PE), Maria Ieda Nogueira, todos os cursos técnicos a distância são obrigados a ter aulas práticas. “O percentual mínimo exigido é de 20%”, explica a presidente. Segundo Maria Ieda, a prática faz parte das grades curriculares dos cursos autorizados e, o Conselho só autoriza o funcionamento de um curso, caso ele respeite essa norma. Ela orienta que quem tiver alguma denúncia de irregularidades sobre qualquer instituição de ensino, deve procurar o Conselho, mesmo depois da escola já ter sido autorizada. Em nota enviada ao LeiaJá, a Secretaria de Educação de Pernambuco, responsável pelo Conselho, esclareceu “que em quaisquer casos de inconformidade, estrutural ou pedagógica, nos cursos técnicos oferecidos no Estado, os mesmos devem ser comunicados formalmente à Secretaria para que seja aberto procedimento de averiguação e, caso o fato seja procedente, que sejam tomadas as medidas cabíveis para a regularização do curso”.
A Assessoria Pedagógica da Educação a Distância do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) – instituição referência em formações técnicas -, Rosa Vasconcelos, também afirma que os cursos técnicos devem ter, obrigatoriamente, momentos práticos entre alunos e professores. “A prática profissional está prevista na grade curricular. No IFPE não trabalhamos sem a prática”, conta a coordenadora.
Outra instituição considerada referência no Brasil quando o assunto é formação técnica, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) também defende a utilização de aulas práticas para que um aluno ingresse no mercado de trabalho. Ao LeiaJá, a diretora técnica do Senai em Pernambuco, Ana Dias, defendeu a prática como essencial para a realização de um bom curso técnico.
“A gente acredita que a prática é um complemento da teoria. A prática proporciona ao técnico a capacidade de diagnosticar várias situações no dia a dia das empresas. Existem coisas que só a vivência possibilita o aprendizado. A junção da teoria e prática consolida a formação”, opina a diretora técnica do Senai.