O desafio das mães por mais espaço no mercado de trabalho

Segundo pesquisa, o número de mães que deixam o mercado de trabalho é quatro vezes maior que o de pais

por Eduarda Esteves dom, 13/05/2018 - 09:17
Pixabay Em entrevistas de emprego, perguntas sobre gravidez geralmente são preconceituosas Pixabay

Profissional, esposa, dona de casa e mãe são alguns dos papéis sociais que a mulher moderna precisa desempenhar em sua rotina. Mas, conciliar o trabalho com a maternidade ainda é um tabu e desafio, visto por muitos como duas tarefas incompatíveis. Preconceito, falta de flexibilidade nos ambientes corporativos e o desrespeito à legislação brasileira são barreiras que cada vez mais afastam as mães do mercado de trabalho.

Segundo levantamento realizado pelo Catho, um dos principais sites de empregos do país, o número de mães que deixam o mercado de trabalho é quatro vezes maior que o de pais. Outra pesquisa do site Trocando Fraldas revelou que três em cada sete mulheres sentem medo de engravidar e serem demitidas.

Equilibrar a vida pessoal com vida profissional é uma tarefa que exige sacrifícios de qualquer um, mas quando se trata de mulheres que se tornaram mães, o esforço é ainda maior. De acordo com a pesquisa feita pela Catho, 30% das mães já abriram mão do emprego após a chegada dos filhos, enquanto entre os pais o número é de apenas 7%. A pesquisa da Catho foi realizada em janeiro de 2018. No total foram 5.120 respondentes de todo o Brasil, sendo 54,6% homens e 45,4% mulheres.

Apesar das mulheres já terem conquistado mais espaço no mercado de trabalho e o debate de gênero ter aumentado em várias esferas sociais, os números negativos ainda são alarmantes. Em muitas ocasiões, colegas de trabalho e até patrões duvidam da capacidade profissional das mulheres a partir do momento em que elas se tornaram mães. Ainda segundo o estudo, apenas 8% das mães entrevistadas conseguiram voltar a trabalhar em menos de seis meses e 31% levaram mais de três anos ou não retornaram.

Os dados mostram que, uma vez que se tornam mães, as dificuldades das mulheres no desenvolvimento de suas carreiras aumentam. "Isso demonstra ainda uma percepção cultural de que as mulheres se envolvem mais na criação dos filhos do que os homens, por isso as limitações para elas seriam maiores. Uma maneira de equilibrar essa balança é que os homens também comecem a dividir de uma maneira mais igualitária as tarefas familiares", diz Simone Damazio, Gerente de Gente e Gestão da Catho.

Leila e seus dois filhos. Foto: Reprodução/Instagram

A administradora Leila Leal, de 24 anos, percebe que a partir da gravidez do primeiro filho, as portas foram fechadas no mercado de trabalho. Graduada em ‘administração de empresas’, Leila engravidou primeiro aos 17 anos e conseguiu concluir a faculdade aos 22, quando o segundo bebê já estava com dois meses. O marido trabalhava e ela se dividia entre o estudo, as crianças e a casa. Atuar como profissional em ambientes corporativos não era um sonho que ela considerava distante, mas ao longo dos anos, tornou-se utópico.

“Lembro que cheguei a pegar oito ônibus por dia para deixar meu filho mais velho no colégio integral depois ir para um estágio, faculdade e voltar para pegar ele, fora toda a responsabilidade dentro de casa. Eu não conseguia ver as aulas de futebol e judô, e isso me deixava triste porque eu queria estar presente e dar o apoio que ele merecia, ele ficava sempre doente, e então percebi que não valia a pena, sem contar o dinheiro, eu recebia 'X e o valor 'X' era exatamente o que eu pagava na escola integral, então praticamente não tinha remuneração, já que era tudo direto para escola. Preferi ficar cuidando dele porque para os empresários é muito difícil incentivar as mães, isso requer tempo e flexibilidade e se torna um problema com o tempo”, contou.

Ela conta que não desistiu fácil e chegou a participar de algumas seleções de emprego, apesar da rotina difícil voltada para as crianças. “Eu fiz algumas entrevistas e pediam para que eu apresentasse um pouco da minha vida pessoal, e logo no começo eu já falava que tinha 17 anos, casada, mãe de um filho, não precisava nem continuar, todas as pessoas olhavam com cara de reprovação”. Para ela, algumas empresas têm muita dificuldade em contratar mulheres que sejam mães porque é uma responsabilidade maior. “Já que na visão deles os filhos podem acabar atrapalhando a vida profissional”, complementou.

Quando somadas, as mulheres que demoraram mais de três anos para se recolocar e as que ainda não conseguiram retornar, o número chega a 31%. Entre os homens o índice é de 19%. As mães também são mais pessimistas quanto ao crescimento na carreira. Quando questionadas, 60% delas avaliam suas perspectivas como ruins ou péssimas, contra 47% dos homens que têm filhos.

De acordo Renata Berenguer, advogada especialista em Direito Trabalhista, as empresas estão pouco preparadas para entender a necessidade e a importância da mulher no mercado de trabalho. “A discriminação contra as grávidas em todos os momentos contratuais é duramente combatida no judiciário trabalhista brasileiro e perguntas do tipo 'se a mulher pretende engravidar', inclusive realizadas no momento da entrevista, soam como discriminatórias no entendimento majoritário dos juristas brasileiros. Questionamentos deste tipo denotam intenção de discriminação, e discriminar é diferenciar sem razoabilidade”, detalhou a advogada.

Na Consolidação das Leis do Trabalho, popularmente chamada de CLT, é vedado qualquer tipo de publicação de anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional.  

Caso a mulher se sinta constrangida na entrevista de emprego por alguma pergunta de cunho preconceituoso e se houver provas, é possível judicialmente entrar com um pedido por dano moral. “Infelizmente ainda é comum se deparar com esse tipo de situação, mas provar esse tipo de ilegalidade não é simples. Todavia, é possível e lícito a empregada que está sendo entrevistada gravar em áudio ou em vídeo, mesmo sem o recrutador saber, uma declaração de que a empresa não aceita grávidas ou mulheres que possam engravidar. Caso isso aconteça, a mulher deve procurar a A Superintendência Regional do Trabalho (SRTE) e um advogado especialista na área para propositura de uma reclamação trabalhista”.

As empresas também podem contribuir para melhorar esse quadro. "Uma estratégia que pode beneficiar as mulheres e os empregadores, por exemplo, é apoiar a paternidade ativa, com ações como licença estendida, abono para participação em reuniões escolares e afins. Permitir que o trabalho possa ser feito de casa, por home office, com horários mais flexíveis, especialmente nos primeiros anos de vida da criança, também ajuda. Com isso as mães conseguirão ser mais eficientes na gestão do seu tempo, além de contribuir para diminuir o número de mulheres que deixam o mercado após o nascimento dos filhos, tendo mais oportunidades em suas carreiras ", finaliza Simone.

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