Pequenos 'grandes' estudantes e o ensino remoto

Com o sonho de ser bailarina e veterinária, Júlia Sales, aos 4 anos de idade, realiza as atividades remotas com a ajuda de sua mãe, que precisa concluir os serviços de casa e cuidar do seu pai que está enfermo

por Aurilene Cândida ter, 11/08/2020 - 11:00

Mesmo com as dificuldades do ensino remoto, a pequena Júlia mostra que aprende rápido e executa com maestria as tarefas. Fotos: Aurilene Cândida/LeiaJáImagens

Um dos momentos mais importantes dos estudos são os primeiros anos escolares. Neles, as crianças pequenas aprendem habilidade que são básicas e fundamentais para desenvolver capacidades de pensamento crítico, coordenação motora e raciocínio lógico. Dentro dessa perspectiva, a pandemia do novo coronavírus mudou as formas de aprendizagem e o ensino infantil tem sido um dos mais afetados por ela. O especial "Estudante, você também é herói", do LeiaJá, traz, agora, a rotina de uma pequena estudante que precisa lidar com o ensino remoto no maternal.

Mesmo com as aulas sendo realizadas remotamente, Júlia Sales Dias, de 4 anos, estudante maternal da Escola João Hilário tem se mostrado uma criança com bastante interesse em aprender. Quando o relógio aponta 8h, o celular da sua mãe, Claudivania Araújo, já conta com exercícios que a menina precisa fazer até o final do dia. Precisando gravar o momento em que a atividade está sendo feita, a mãe, algumas vezes exausta dos serviços de casa, tenta de todas as formas contribuir com a educação escolar da sua filha. 

Morando em uma casa situada no distrito de Macujê, na cidade de Aliança, Zona da Mata Norte, em Pernambuco, sem precisar acender a lâmpada a criança se senta em uma cadeira da mesa de jantar com a sua mãe após o almoço para fazer os exercícios diário. Com o cômodo arejado e com a luz do sol iluminando o local pela janela, Júlia Sales inicia a aula cobrindo letras do alfabeto e repetindo palavras já escritas para que assim pratique sua caligrafia. Enquanto isso, sua mãe lhe ensina e grava o momento pelo dispositivo móvel. Júlia já conhece todas as vogais. Quanto ao alfabeto ela ainda está praticando, mas já consegue reescrever qualquer letra. 

Claudivania afirmou que não está sendo muito difícil ensinar as atividades para a menina, pois, antes das aulas remotas ela já praticava alguns conteúdos em casa. “Ela é bastante atenciosa e isso me ajuda muito, recentemente ela fez um exercício que o foco era a letra ‘D’, quando mostrei a letra, ela já respondeu qual era. Também teve uns desenhos para ela decifrar, como por exemplo, dente, dama, dado e o número dois”, comenta. 

Em um dos momentos durante a realização das tarefas, a menina chegou a pedir para a mãe ter paciência, pois já iria conseguir fazer as atividades e lembrou que ainda está aprendendo. Claudivania, conta, automaticamente ficou bem surpresa com o que a menina falou, compreendeu a situação e compartilhou o ocorrido com familiares e amigos, em tom de brincadeira.

Com o sonho de ser bailarina e veterinária a criança confirmou que gosta de ter aulas em casa por ficar mais tempo perto da sua mãe, mas também concordou que sente falta dos colegas e da sua professora, a qual não lembrou mais o nome no momento da entrevista. 

Priscila Silva, psicóloga clínica e com especialidade em andamento em Terapia Cognitiva-Comportamental explicou que esse esquecimento momentâneo ocorre porque a criança tem passado um bom tempo sem socializar com pessoas que antes era mais próxima. “A criança desenvolve aprendizado, memória, atenção e percepção melhor na escola e com o passar do tempo ela vai entendendo quem são as pessoas. O aprendizado escolar e as habilidades sociais são desenvolvidas no ambiente acadêmico por estarem em contato com outras crianças  e com os educadores. Nesta situação de Júlia de ter esquecido o nome da sua professora, ocorreu pelo fato dela ter parado de frequentar o ambiente e começou a estudar em casa apenas com a mãe, isso pode até ter desencadeado um desvio de atenção”, disse a profissional. 

Priscila acrescentou que o ambiente escolar é um local em que todos estão reunidos por um só propósito e a partir do momento que é iniciada uma rotina de estudos em casa, a criança enfrenta outros obstáculos, como por exemplo, um imprevisto que pode ocasionar na pausa das atividades. Ela indicou para a mãe de Júlia, sempre que possível, mostrar fotos de colegas e educadores e comentar sobre eles, para que assim seja estimulado na memória da menina os momentos da escola. Ligações por vídeo-chamada com outros colegas também foram indicadas pela psicóloga. 

Além de manter as atividades de sua filha em dia, Claudivania precisa fazer os serviços de casa enquanto seu marido trabalha, e cuidar do seu pai que não anda. Para isso, é necessário ir até a residência de sua família todos os dias durante a tarde, sem contar as vezes que é preciso se deslocar mais de uma vez em apenas um dia. A casa de seus pais não é muito distante, e ela demora cerca de cinco minutos a pé para chegar. Júlia sempre a acompanha e, se for o caso, as atividades são feitas no local.

Claudivania relatou que algumas atividades práticas que não são cumpridas, pois, nem sempre há tempo e nem psicológico estável para ajudar sua filha a fazer. “Recentemente foi passada uma atividade prática para marcar o chão com fita adesiva colorida ou até com fita crepe fazendo traçados. Teria que incentivar ela a andar sobre a fita, pular de um lado para o outro. Também poderia ser usado uma bola para que ela levasse com as mãos contornando até chegar ao final da fita. Infelizmente não pude realizar a atividade. Confesso que por falta de tempo e também a falta de interesse nas atividades práticas”, disse.

Maria Alves, professora da educação infantil dos anos iniciais da Escola João Hilário comentou que as atividades práticas são essenciais, principalmente neste período de isolamento social em decorrência da pandemia do novo coronavírus, em que possivelmente a criança se movimenta um pouco menos. “Atividades com circuitos são estimulantes para as habilidades motoras, desenvolvendo equilíbrio, construindo a maneira correta de movimentar-se, facilitando a maneira de andar, pular e correr. Além de divertida, estimula a criatividade”, disse a docente. “Essas atividades trabalhadas em casa facilitam a confiança sobre a execução, pois com o apoio dos pais a criança se sente bem mais confiável”, finaliza Maria. 

Ao fazer os exercícios, Júlia mostra aprender rápido e finalizar eficientemente as tarefas, o que contribui com o comprimento da rotina de estudos. Quando questionada quais eram suas frutas preferidas, a menina respondeu rapidamente que são maçã, laranja e manga, enquanto já tinha comido duas maçãs no decorrer da entrevista. De acordo com a nutricionista Bruna Ferreira, micronutrientes e vitaminas são responsáveis pela melhora do desempenho escolar. Ajudam na construção de tecidos e órgãos, viabilizando o desenvolvimento físico, socioemocional e cognitivo. “O zinco, lodo, ômega 3 e ferro são essenciais para o desenvolvimento cognitivo e contribuem para um bom rendimento dos estudos. Suas fontes são: leguminosas, leite, ovos, carnes, peixes, frutas, vegetais, grãos integrais, oleaginosas e óleos vegetais”, exemplifica a especialista. 

“Os pais devem prestar uma atenção maior na alimentação, principalmente das crianças. As vitaminas do complexo B também são um ótimo suporte, auxiliam na comunicação entre os neurônios e no desenvolvimento dos mesmos, ajudam a dar energia e facilita o aprendizado e memória”, acrescenta Bruna. “Uma alimentação rica e equilibrada é a chave para  ter sucesso escolar, principalmente neste período de isolamento social”, finaliza.

Sobre o aprendizado da filha, Claudivania confessa que está dentro do esperado, sem quaisquer problemas. Júlia encontra poucas dificuldades durante o aprendizado e na maioria das vezes consegue finalizar as tarefas. Sempre atenciosa e preocupada com a educação de sua filha, a mulher comenta que busca fazer outros exercícios além dos que são passados pela rede de ensino.

No último dia 6 de agosto foi passado uma tarefa para pintar um desenho de um rato menor com a cor vermelha e o maior com a cor amarela. Nesse período Júlia também praticou alfabeto e os números, ambas execuções não foram passadas no dia para a menina, mas, mesmo assim, a mão provou que conteúdo nunca é demais, pegou uma folha de ofício e acrescentou a atividade para reforçar os estudos.

A pedagoga e pós graduanda em psicopedagogia Adriele Odon ressalta que o currículo da educação infantil está pautado em atividades e experiências em que as crianças possam aprender várias habilidades ao mesmo tempo. É através da educação infantil que começam a desenvolver suas capacidades físicas, éticas, cognitivas e afetivas, mediante as relações sociais, e que com o ensino remoto essas habilidades podem ser fragmentadas.

Com as atividades sendo feitas em casa, Júlia passa menos tempo do dia dedicado aos estudos. No ambiente escolar ela chegava às 7h30 e saia às 10h50, passava mais tempo aprendendo e brincando com as outras crianças. Atualmente, a menina passa apenas cerca de 30 minutos se dedicando às atividades. Nos horários livres, a criança aproveita para desenhar pessoas, brincar com seus brinquedos ou assistir desenhos. A nova rotina em casa não atrapalhou o sono da menina, ela continua dormindo por volta das 21h30 e acordando às 7h para acompanhar toda a rotina da mãe que sempre encontra um horário para ajudar sua filha com as atividades da escola.

Confira, abaixo, um pouco da rotina de Júlia:

Confira, abaixo, as demais matérias do especial “Estudante, você também é herói”. Nossos repórteres mostram as rotinas de alunos, da educação infantil à pós-graduação, durante a pandemia do novo coronavírus:

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