Obras de Luiz Gonzaga ganham releituras em Caruaru

"Baixio dos Doidos" une fotografia, intervenções cenográficas e intercâmbio de linguagens em homenagem ousada ao Rei do Baião

por Maira Baracho sex, 15/06/2012 - 17:39

Quem visitar Caruaru neste São João tem parada obrigatória na Vila do Forró, no Polo da Estação. Em meio a tantas atividades tradicionais, a exposição Baixio dos Doidos presta uma homenagem original a Luiz Gonzaga – no ano que marca o centenário de seu nascimento. No projeto, canções emblemáticas do Rei do Baião ganham nova roupagem, em interpretação contemporânea e ousada.

Arnaldo Antunes, Otto, Jorge du Peixe, Naná Vasconcelos e Dominguinhos são alguns dos nomes que participam deste projeto. Com curadoria de Lina Rosa, Baixio dos Doidos aborda a universalidade da obra de Gonzagão, buscando novos olhares e perspectivas para oito de suas canções: ABC do Sertão, Respeita Januário, Siri Jogando Bola, Xote das Meninas, Paraíba, Samarica Parteira, Asa Branca e A Morte do Vaqueiro. A mostra é provocativa desde o nome – que faz referência à localidade da parte baixa de Exu, e nela, Luiz Gonzaga nasce outra vez.

A montagem traz fotografias, intervenções cenográficas e intercâmbio de linguagens, tudo inspirado nas letras e ritmos do Rei do Baião. O projeto agrega ainda o espaço Psiu – referência à canção Sabiá. Nele, os visitantes podem usar computadores para dar suas impressões imediatas da exposição e compartilhá-las nas redes sociais. O projeto tem direção musical de Carlinhos Borges. Helder Ferrer assina a fotografia e Gracinha Melo a direção de produção.

 



Músicas

ABC do Sertão



Nesta cápsula musical, com a participação de Arnaldo Antunes, a exposição homenageia a bem apropriada utilização do vocabulário do nordestino de Luiz Gonzaga e seus parceiros como Humberto Teixeira, Zé Dantas e Onildo Almeida. Embalado pela A, E, I, O, U, Ipislone, as expressões características e suas traduções aparecem escritas nas paredes de barro e no chão de cimento pisado. Do teto, gambiarras de lâmpadas penduradas em alturas diferentes iluminam as palavras na sala em que serão distribuídos cordéis com o “dicionário” nordestinês. Um cordel tradicional, com forte sotaque pop.

Respeita Januário



Pela importância da sanfona para o baião e para o seu rei, essa instalação contará com dois ambientes. O primeiro apresentará as variações do instrumento e suas curiosidades, como a primeira sanfona que Luiz Gonzaga tocou na vida: o fole de oito baixos. O fato é que, do tango dos pampas ao baião de Luiz Gonzaga, do country americano à balada mexicana, a sanfona dedilhou o mundo. A ambientação apresenta as diversas variações do instrumento no Brasil e no mundo. Assim, um ensaio fotográfico das variações do instrumento com destaque especial para a sanfona branca de 120 de Luiz Gonzaga. No ambiente revestido por sanfonas, o famoso forró Respeita Januário em gravação exclusiva com seis sanfoneiros de diversas origens vão interpretar está composição numa homenagem à sanfona e ao sanfoneiro: Dominguinhos, Renato Borghetti, Regis Gizavo (Madagascar), Ricardo Loudou (Argentina).

Siri Jogando Bola



Aproveitando o atual momento pré-Copa do Mundo, a canção de Luiz Gonzaga e Zé Dantas de 1956 é o pano de fundo para o ensaio fotográfico de meninos pernambucanos jogando futebol em áreas de manguezais e de maré. A trilha sonora é a própria música com interferências do  Mangue Beat.  A metáfora do siri jogando bola vê-se enriquecida pelo som que desenhou a nova geração de meninos-caranguejos. No texto-crônica, os siris de Gonzaga dialogam com os caranguejos de Chico Science. O ensaio é projetado em alta definição em telas de led, que serão emolduradas por antigas TVs telefunken, de diversos tamanhos, que na época em que a música foi composta eram o estado da arte no quesito tecnologia.

Xote das Meninas



A instalação é composta por uma sala de promessas típica do interior nordestino dos anos 1950 e 1960. Nas paredes, ex-votos, fotografias, objetos retrôs, velas, orações e agradecimentos inteiramente dedicados aos assuntos do coração das mocinhas. Tudo inspirado nos verdadeiros costumes da época. O xote antigo será mixado com vozes da cantora Rahissa Bittar, que,  além de pop, ratifica a feminilidade do tema.

Paraíba



Como forma de provocação e inclusão, o ensaio fotográfico mais arrojado do projeto propõe como personagens travestis. O cenário é uma barbearia tradicional do interior nordestino, com seus móveis rústicos, pesados, antigos, fazendo contraponto à natureza pop das drags queens. Simultaneamente, a música Paraíba é executada numa versão remixada pelo cantor Otto, intercalada por depoimentos dos travestis sobre o seu apreço às músicas de Luiz Gonzaga.

Samarica Parteira



Uma das particularidades da interpretação de Luiz Gonzaga era o uso recorrente de onomatopeias. Desde os “hum, hum, hum”, de O Cheiro da Carolina, aos “tum, tum, tum”, de Olha a Pisada. Mas foi talvez em Samarica Parteira que o recurso onomatopeico tenha sido mais explorado. Piriri, piriri, piriri . Patatac, patatac, patatac. Tchi, tchi, tchi. Nheeiim... Para ressaltar o valor percussivo das expressões,  surge uma nova versão da música, com interferência de Naná Vasconcelos que utiliza sua voz em coro repetido para recitar as onomatopeias de Samarica Parteira, intercaladas por trechinhos de outras músicas de Gonzaga. Esteticamente, a instalação traz uma câmera semiescura, com projeções, no chão, nas paredes e no teto, das onomatopeias escritas intercaladas por estrelas iguais às do chapéu de couro de Gonzaga.

Asa Branca



O maior clássico do repertório gonzaguiano foi inspirada numa música do cancioneiro popular. Ganhou força com a melodia estilizada de Luiz Gonzaga e a letra forte do cearense Humberto Teixeira. Em 1947, a música foi gravada nos estúdios da RCA e  Asa Branca se tornou uma das músicas mais importantes da história da MPB.  Na exposição, ela é interpretada por oito contrabaixistas de formação erudita, que darão o tom clássico desta composição que é considerada um hino sertanejo. No estande, fotografias de sertanejos e sertanejas de olhos verdes em meio a situações da seca do sertão pernambucano ou na forma de portraits. O ensaio em preto e branco sugere a sutil presença do verde real dos olhos dos personagens. No piso, uma reprodução da terra rachada, coberta por folhas secas.



A Morte do Vaqueiro



Numa alusão à própria saudade Luiz Gonzaga nos deixou, a instalação é a última da exposição. A Morte do Vaqueiro foi composta por Luiz Gonzaga para a Missa do Vaqueiro, celebração que lembra uma outra grande saudade: a do primo dele, o Vaqueiro Raimundo Jacó, assassinado. Nela, em andamento lento, ouvimos uma voz à capela de Dominguinhos, seguindo o estilo do aboio sertanejo. A instalação será composta por diversos chocalhos de gado, presos a fios de couro trançados, de tamanhos diferentes, dispostos como cortinas. Uma derradeira homenagem do Baixio dos Doidos ao homem que faria 100 anos, mas preferiu fazer história.

Serviço

Exposição Baixio dos Doidos

Sexta-feira (15 de junho) à Domingo (15 de julho)

Vila do Forró, Caruaru - 16h às 22h

Gratuito

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