Brasília se despede de seu criador em uma de suas obras
O caixão foi recebido com aplausos e subiu pela rampa reservada aos visitantes ilustres, mas que por causa de sua morte foi aberta ao público
O corpo de Oscar Niemeyer foi velado em Brasília, mais famosa de suas criações, onde centenas de pessoas entraram pela primeira vez no palácio presidencial, projetado pelo famoso arquiteto, para aplaudi-lo e se despedir.
"Niemeyer sempre quis que seus monumentos estivessem abertos a todos, mas só agora, com sua morte, eu pude entrar no palácio por esta rampa", disse Virgilio Andrade, um universitário de 32 anos que ficou na fila por duas horas para entrar no Palácio do Planalto.
Procedente de Rio de Janeiro, para onde retornará nesta quinta-feira, o caixão coberto com uma bandeira do Brasil foi transferido em um carro até a sede oficial.
O caixão foi recebido com aplausos e subiu pela rampa reservada aos visitantes ilustres, mas que por causa de sua morte foi habilitada ao público.
Rodeada por uma dezena de ministros e outras autoridades, a presidente Dilma Rousseff acompanhou os restos de Niemeyer por quase meia hora antes de a entrada de centenas de pessoas, que aguardavam do lado de fora, fosse autorizada.
"Sei que Niemeyer foi muito importante para o Brasil. Será a primeira e única vez que o vejo. Eu me sinto muito orgulhosa de estar aqui, subir esta rampa", disse Alexandra Oliveira, uma aposentada de 70 anos.
Antes de receber por algumas horas os restos de Niemeyer, o Palácio do Planalto tinha aberto suas portas a apenas dois velórios: o do ex-presidente Tancredo Neves, em 1985, e o do ex-vice-presidente José Alencar, no ano passado.
Em Brasília, a morte de Niemeyer aos 104 anos, reacendeu entre seus habitantes as lembranças e o orgulho de viver no que popularmente é conhecido como o maior museu a céu aberto do artista.
"Esta era uma das obras mais apreciadas pelo arquiteto", disse Mónica Rebello, dona de uma das lojas que funcionam na planta baixa do Congresso, parada obrigatória de turistas.
O moderno edifício, com suas torres paralelas e as esferas invertidas que se transformaram no cartão postal da cidade, é um dos três que dão nome à praça dos três poderes. Na diagonal está o palácio onde o corpo de Niemeyer foi velado.
"Quando cheguei, há 32 anos, a Brasília fiquei impressionada. Parecia estar em outro lugar. Tinha tanto espaço aberto. Hoje continuo acreditando que Brasília, graças a Niemeyer, é uma das melhores cidades para se viver no Brasil", disse Rebello, uma publicitária de 55 anos.
Em 2009, Niemeyer visitou pela última vez a cidade que construiu junto com o urbanista Lúcio Costa (que morreu em 1998), segundo a Universidade Nacional de Brasília (UNB), onde foi coordenador da Escola de Arquitetura em 1962.
Seu medo de avião o obrigou a fazer uma viagem de dois dias do Rio de Janeiro, similares às que teve que realizar com frequência durante sua estada no que depois seria Brasília, a que se referiu uma vez como "o fim do mundo".
A cidade, que a UNESCO declarou, em 1987, Patrimônio Cultural da Humanidade por seu valor arquitetônico, estético e histórico, se transformou em 1960 na nova capital do Brasil, substituindo o Rio de Janeiro.
Na UNB também ficaram as pegadas de seu gênio. "Todo estudante de arquitetura tinha Niemeyer como inspiração, apesar de ele, paradoxalmente, não ter deixado muitos discípulos", disse José Carlos Coutinho, professor de arquitetura e ex-diretor do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico de Brasília.
"Niemeyer foi um homem que superou os limites da arquitetura. Foi um artista quase renascentista: escrevia, desenhava, esculpia e era um grande polemista", destacou Coutinho, lembrando a faceta política deste comunista convicto.
A marca de Niemeyer se estende pela avenida do poder até a luminosa catedral.
"Alguns turistas estrangeiros chegaram perguntando se o velório seria aqui. Talvez não saibam que Niemeyer era ateu, mas para mim, sobretudo, era um gênio", destacou Ledilma Melho, uma jovem de 19 anos que vende guias turísticos na entrada do templo.
"Niemeyer foi um ateu com inspiração divina", afirmou, orgulhoso, André Carloni, de 45 anos, enquanto aguardava sua vez para ver os restos do arquiteto.
Até o meio dia não estava previsto nenhum ato religioso na catedral pela morte de seu criador.