Poeta canta quatro séculos de chuva nos quintais de Belém

Ronaldo Franco fala do livro que escreveu para homenagear a capital paraense e viaja no universo de um poema que chove

sex, 05/05/2017 - 16:43

Ronaldo Sérgio Batista Franco nasceu em Belém. Jornalista por excelência, é considerado um artesão das palavras que realiza um trabalho literário com suor, com inspiração, aspiração e transpiração. Um trabalhador sem relógios. Ronaldo Franco considera-se um eterno aprendiz.

Autor de um livro que homenageia os 400 anos de Belém, "4 Séculos de Chuvas", o "poetinha" paraense, como é chamado, cita Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade para falar da sua escrita. "Drummond dizia que o poeta tem, eternamente, uma luta com as palavras. Não é tão fácil. Gramaticalmente, eu sou terrivelmente péssimo. Dizia Mário de Andrade que, quando ele errava, não fazia a pontuação certa das vírgulas, ele dizia que ele escrevia 'Mário de Andrade', ele não escrevia português. Eu estou, mais ou menos por aí, às vezes eu escrevo mais 'Ronaldo' do que o português."

Para Ronaldo, a poesia é um vício. "Tudo no cérebro ou é uma palavra ou é uma imagem. No momento em que estou te olhando, estou gravando uma imagem para mim para o resto da vida. E a palavra associa-se a isso. Minha ligação com a poesia inicou quando eu era muito jovem e vaidoso, talvez eu até a utilizasse para cantar as meninas. Hoje, não, eu levo a sério, já um trabalho literário, com suor, com inspiração, aspiração e transpiração. A palavra é que me traduz para as pessoas. Se não fosse a poesia, eu nunca escreveria sobre Belém. Eu jamais faria uma prosa para Belém. Belém não é prosa, é eternamente poesia."

Leia, abaixo, a entrevista do poeta para Carol Boralli.

Quem é Ronaldo Franco?

Um cidadão brasileiro com todas as esperanças somadas em versos e na realidade, às vezes, sem rima. Muitas vezes sem rima.... Um poeta sempre aprendiz...

Como surgiu a alcunha “poetinha”?

Interessante que se usa muito “poetinha” diminuindo a capacidade do poeta, mas, pelo contrário, foi de um amigo, um colega de rua, já falecido, que, carinhosamente, começou a me chamar de “Poetinha”, lembrando o “Poetinha” Vinicius de Moraes, de onde eu estou muito distante. Esse, sim, era o grande “Poetinha”... Foi uma brincadeira que “pegou”, e já assumi, e, às vezes, até me considero também “Poetinha” de verdade, pois a poesia é um aprendizado constante. Ninguém é um poeta completo. E eu também não sou uma conclusão.

Considerando o Dia Mundial da Poesia, esse dia em que vários poetas do mundo inteiro se manifestam, fala um pouco da sua relação com a poesia ao longo de sua jornada como escritor e poeta.

Até 2015, o Dia Nacional da Poesia era em 14 de março, no aniversário de Castro Alves, e eu fui premiado, na vida, com com o meu filho, que é meu grande poema, nascido dia 14 de março, que é o ator Raul Franco. Dizia um grande escritor: “A grande poesia mundial é aquela que fala do nosso quintal...”. O regional é o universal. Por exemplo, o poeta russo Vladimir Maiakovski, que fazia do seu território revolucionário o seu quintal e se tornou universal. E o Dia Mundial da Poesia é isso: essa grande homenagem aos poetas que atravessaram os tempos, atravessaram fronteiras. A poesia não tem fronteiras; por isso, mais universal ela é. Talvez, a gente nem saiba, o leitor é mais poeta do que o próprio poeta.

Como surgiu a inspiração para o título "4 Séculos de Chuvas"? Houve um momento especial? Alguma situação específica?

No Vietnã, há uma chuva constante, mas não é tão poética como a nossa, porque ela é tão pontual, que já teve uma época que ela chovia duas e meia da tarde. Hoje, a pontualidade dela é de acordo com o temperamento dela: “Ah, vou chover.” E chove! E chove exatamente no momento que a gente precisa pensar. Você vai ler no poema que eu digo: “Quando a chuva cessa, a gente continua ainda dentro dela...”. É uma espécie de prisão romântica. A maioria dos poetas de Belém do Pará vive sob a chuva. Se não tiver chuva em Belém, não é Belém. Eu escrevi um poema anterior chamado "Cidade Velha", fundamental para a criação do poema "4 Séculos de Chuvas". Inclusive, está gramaticalmente errado, deveria ser 4 Séculos de Chuva, mas como a chuva é minha eu resolvi pluralizar, as chuvas são minhas (risos). Chuvas de arrependimentos, chuvas de pensamentos. São vários tipos de chuvas.

Podemos perceber um contexto histórico, ao longo das páginas, e riqueza de detalhes. Como foi feita essa pesquisa?

Recentemente, eu adoeci seriamente, estou com 26 kg a menos, e isso me conduziu a tirar da gaveta vários poemas sobre Belém. Você pode ver que o poema "4 Séculos de Chuvas" é um poema de longo curso, exatamente porque eu puxei tudo o que eu já tinha escrito e misturei. Ele não tem um roteiro de datas. Eu estou aqui com você, mas eu falo do meu passado. Assim como na poesia, eu dizia Belém no presente e no passado.

Quanto tempo levou para concluir o poema?

Aproximadamente quatro anos.

Houve inspiração em outros poetas?

Eu me inspirei em livros de História, como a Cabanagem, mas quando eu escrevi, eu não fui mais buscar os livros, era o que me sussurrava de tudo o que eu já tinha lido. Eu não queria misturar a historicidade com o poema.

Em alguns trechos, como em “enfiaram caravelas, esconderam gonorreias”, percebemos uma linguagem metafórica. Fala um pouco sobre isso.

É uma espécie de véu em cima do sexo. Isso foi para mostrar que o assédio é tão histórico quanto a fundação de uma cidade. Os portugueses assediaram as nossas índias e as dondocas portuguesas assediaram os nossos índios. “Enfiaram caravelas” é uma metáfora, pois eles enfiaram “caravelas” nas nossas mulheres, eu susbstituí o pênis por caravelas (risos). Em compensação, as mulheres portuguesas também levaram “flechadas” dos nossos índios (mais risos).

Na página 23, no trecho “A pressa subtraída/nos sapatos de água/Visíveis/as corcundas/dos séculos/por debaixo/de capas/Olhares/se conjugam/nos pingos/Numa invenção/da humanidade/molhada/Como são risíveis/as possibilidades/das sombrinhas/e dos guarda-chuvas/sob os barcos de nuvens”, o contexto está inserido no tema central. Foi intencional?

O livro inteiro é uma grande intenção. Eu gosto de ler uma frase que trabalhei pra chegar até ela. “A pressa subtraída nos sapatos de água” poderia ser qualquer coisa que freasse o andar, mas a água quando enche o seu sapato, ele pesa. Mas, não é pelo peso da água dentro do sapato, é porque as valas das nossas vidas, as inundações, subtraem muitas vidas, em esperanças, em saúde. Debaixo dessa chuva você vê também o aspecto social, político, a falta de urbanismo em uma cidade.

Qual a sua relação com o outro autor, José Maria de Vilar Ferreira?

José Maria de Vilar Ferreira, Ruy Barata e Max Martins são os três maiores poetas do Pará. José Maria também é compositor de muitas músicas que a Fafá de Belém gravou. Hoje, ele está muito doente. Foi uma homenagem para ele. Foi a minha primeira homenagem a um ser humano, mais do que poeta, um homem muito sensível, que sabe ser amigo. Hoje em dia é muito difícil ter amigos. Os amigos que a gente tem são temporais. Já tínhamos uma relação de amizade de anos e anos, de festivais, de saraus...

Como você se sentiu ao me dar essa entrevista?

(Suspiro). É surpreendente que, depois de um tempo, muita gente está me procurando para me entrevistar. É engraçado. Eu nunca imaginava isso. Para os outros eu acho normal, afinal, lançei um livro. Mas com você foi diferente. Eu me recordo de nossa amizade iniciada na SECOM (a Secretária de Comunicação do governo do Pará), no antigo prédio da Casa Civil. Você tinha uma atenção especial comigo, você me dava carona, conversávamos do açaí do seu pai, da sua família. Eu achava fantástico uma pessoa de fora conseguir fazer do açaí coisa que muitas pessoas daqui nunca fez. Achei superinteressante a confiança que você teve em mim. Quero que continue a nossa amizade.

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