Tia Má: ícone da luta e empoderamento negro na internet

Jornalista virou referência ao tratar de assuntos envolvendo a mulher negra no Brasil. Em visita ao Recife, ela concedeu entrevista ao LeiaJá

por Juan Gouveia ter, 24/07/2018 - 19:27
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Tia Má veio ao Recife para participar de evento Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

“Mulher preta, jornalista, nordestina, gorda, mãe solo. Alguém que aprendeu sobreviver diante das diversas perversidades e decidiu não se furtar diante da luta. Alguém que percebeu que é importante se posicionar, porque quando você faz isso é uma forma de resistência. E se você resiste, você continua resistindo”, é assim que Maíra Azevedo, mais conhecida como Tia Má, se define.

Um sucesso nas redes sociais, a jornalista soma mais de 200 mil fãs na internet. Seus vídeos rendem vários compartilhamentos e muita repercussão. Com seu jeito simpático e irreverente de falar sobre assuntos cotidianos, a youtuber já totaliza milhões de visualizações. Levantando a discussão sobre empoderamento negro, feminismo e representatividade da mulher negra, Tia Má foi eleita uma das mulheres negras mais influentes da internet, em 2015.

Com tanta repercussão, hoje ela é colaboradora do programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo, e roda o Brasil com o seu stand-up Tia Má com Língua Solta. Em visita ao Recife para participar de um evento promovido pela Prefeitura do Recife, em comemoração ao Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, Maíra concedeu entrevista ao LeiaJá para compartilhar um pouco sobre sua carreira, visão sobre questões de representatividade no país e empoderamento.

LeiaJá: Você foi a primeira mulher negra a ter um stand-up no país. Como foi a receptividade do “Tia Má com Língua Solta”?

Maíra Azevedo: Para mim, é uma grande surpresa, porque de fato as pessoas queriam isso. Era pedido alguém que falasse por elas. A gente é muito carente ainda no quesito representatividade negra na arte e nos palcos. E quando, de repente, uma mulher fazendo humor, mas de forma que não deprecia, mas, sim, celebrando a diversidade é algo fantástico. Eu já lotei teatros fazendo piadas com a graça das nossas forças, mas não das nossas fraquezas.

LJ: Em seus discursos você já falou que usa o humor como uma ferramenta de reflexão. Para tanto, houve alguma preparação antes do stand-up ir aos palcos? Como foi o processo de montagem?

MA: Não houve esse processo. Eu não me percebi uma pessoa engraçada, mas meus amigos sempre diziam que riam comigo. Eu achava, até então, aquilo muito diferente. Foi quando um grupo de amigos - Lázaro Ramos e Elísio Lopes Júnior - disseram que meu jeito e forma de falar deveria encontrar espaço nos palcos. Na verdade, foi através do chamado deles dois que me fez ter coragem para sair das redações e encarar os palcos.

Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

LJ: Hoje você participa como uma das colaboradoras do programa Encontro com Fátima Bernardes, na Rede Globo. Na sua análise, qual a importância de ter a presença negra em um espaço que é predominado por pessoas brancas? E como você se sente de fazer parte desse espaço?

MA: Eu sempre falo que quando estou ali eu acabo representando até quem não se sente representada por mim. É um lugar de honra, privilégio, mas, também, de muita responsabilidade. O racismo faz com que a todo momento eu esteja sendo testada. Tenho a certeza que existem pessoas que esperam um erro ou equívoco meu no ar.

É isso, quando uma pessoa preta erra ela entra no limbo. A branquitude racista detesta que eu esteja ali, justamente por causa do meu discurso de empoderamento e que sai do óbvio. Sendo esse, que se propõe a fortalecer essas pessoas que são historicamente oprimidas. Para essas pessoas com esse pensamento, é muito ruim ter a minha presença naquele lugar, ocupando aqueles espaços. Mas, eu sempre digo que estar ali não é só uma vitória minha, é uma conquista coletiva de pessoas que vieram antes de mim.

LJ: Nos últimos anos, a presença de personalidades negras no cinema e TV tem sido discutida. Há uma falta de representatividade em funções importantes nesses espaços. O que realmente falta para modificar esse cenário?

MA: Realmente, é uma questão que está inteiramente ligada ao racismo. A gente precisa tratar dessas questões. A mulher negra é a base da pirâmide social. Então, quando eu digo que participar de programas de TV é uma questão de representar até quem não se identifica é porque a mulher negra vai ter que lutar contra o machismo e, também, contra o racismo. Há essas duas problemáticas.

E para muitas pessoas, ocupar esses espaços ainda é algo imaginável. Ainda é essa mesma parcela da população, que acredita que o lugar da mulher negra é na cozinha e no bastidor. Devendo assumir uma figura animalesca e de fetiche. Estar na TV é um lugar de poder e estou lá ocupando esses espaços com muita luta e dedicação.

O livro 'Sejamos Todos Feministas', da escritora negra Chimamanda Ngozi Adichie, propõe, entre outras discussões, o exercício da empatia nas relações sociais. Na sua visão, qual seria o processo para a construção de uma sociedade em que a mulher alcance a igualdade de gênero?

MA: Hoje tudo perpassa pela educação. Muita gente ainda insiste em dizer que tudo é ‘mimimi’, que estamos falando muito sobre o assunto. Mas devemos continuar falando justamente porque é como se fosse aplicar o processo da psicologia chamado de Behaviorismo - que discute que quando mais se fala, mais se absorve. Atribuido ao processo ligado ao estímulo a resposta.

Então, quando você tem que bater sempre na tecla para que as pessoas exercitem a eliminação desses comentários e ações arcaicas e reacionários. Avançamos muitos, mas temos ciência que há muita coisa a ser feita e superada. Vamos continuar falando sim, para que possamos chegar em um mundo em que minimamente seja mais igualitário e possível.

Questionada sobre os desafios de ser mulher e negra no Brasil, Maíra Azevedo conta em vídeo a sensção e desejos de mudança para a realidade atual; confira:

LJ: Neste ano, na sua palestra realizada no TEDx você falou sobre o processo de silenciamento atribuído historicamente às mulheres negras. A discussão dessa problemática é antiga. Por que ainda continuamos? Quais são os caminhos para modificá-la?

MA: Exercer o processo de escuta. Quando uma mulher negra estiver falando da sua vivência, da sua história é necessário ouvir. Quando a gente separa e trata das especificidades a gente não está dividindo, a gente está multiplicando a luta. Tem experiência minha como mulher negra que mulher branca não vai entender. Ela não vai entender o que é ser ridicularizada pelo seu cabelo. Historicamente quem foi ridicularizada por ser negra do cabelo cabelo duro, que tem cabelo de 'bombril'.

Então, a gente precisa exercer a escuta, ouvir e respeitar a fala da outra. Precisamos colocar a empatia em prática. Entender que a fala de uma mulher é de algo real, é algo que não vivencio, mas é verdadeiro e merece ser combatido. Acho que a partir desse momento que esse silenciamento vai ser quebrado, com a capacidade de você escutar a voz da outra.

LJ: Em 2015, você foi eleita uma das 25 mulheres negras mais influentes da internet. Hoje, você mantém canal no youtube e é presença ativa nas redes sociais, compartilhando conteúdos de forma espontânea e sobre assuntos do dia a dia. Como você pensou em começar a compartilhar esse tipo de conteúdo na rede?

MA: Comecei através do Facebook, mas isso já mudou. Tenho contas no Instagram e Youtube. Essa ideia surgiu justamente por ser uma repórter de redação e, nesses espaços, você vai ser pautado a escrever sobre coisas que eventualmente não gosta e não quer. Muitos desses assuntos é algo que não faz parte da sua realidade. Então, eu quis fazer meus vídeos para compartilhar coisas que eram de meu interesse e conversar sobre assuntos do meu cotidiano e de mulheres que, assim como eu, vivem narrativas interessantes.

Futuro - Como tanta história para contar, Tia Má planeja lançar em breve um livro, compartilhando as vivências de sua carreira como jornalista e influenciadora digital. A youtuber também conta que está na preparação de projetos ainda “secretos”. Mas, quando questionada sobre o desejo de ter um programa solo na TV disse que “seria um prazer”.

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