Elza Soares celebra trajetória: 'Que mulher incrível'
Com tanta disposição para fazer música, sobra pouco tempo para cuidar de mais alguém além de si
O tempo corre num ritmo diferente para Elza Soares. Ao estrear seu show "Deus é Mulher" no teatro Oi Casagrande, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira (28), a cantora garante sentir-se como uma moça de 20 e poucos anos, apesar dos 81 anos atribuídos a ela.
"Deixa eu te falar uma coisa: minha idade não tem nada a ver com a minha disposição", explica a cantora, com seu tom de voz inconfundível, em entrevista à AFP.
Para ela, a apresentação do novo disco - "um trabalho lindo, gostoso, bem arrojado, de mulher com coragem de fazer" - é um dos pontos altos de sua trajetória artística.
"Eu me considero num momento muito bom da minha carreira, extraordinário. Não sei se o melhor. O melhor foi quando eu comecei, pelo susto, né? No começo tudo é maravilhoso. Mas quando a gente pode sustentar, como eu estou sustentando agora, é mais ainda", celebra.
Com tanta disposição para fazer música, sobra pouco tempo para cuidar de mais alguém além de si. Relacionamentos? "Tô namorando a Elza Soares", responde categórica. "Apaixonada por ela, que mulher incrível. Vou pedir ela em casamento".
- 'É um furacão de vida' -
É também com a indignação e os arroubos políticos tão tradicionais da juventude que Elza traz para sua cidade natal o segundo disco de inéditas de sua carreira, novamente produzido por Guilherme Kastrup.
"A gente vive num país preconceituoso, horroroso. É minha pátria, minha terra, eu amo demais. Mas a gente quase não tem direitos. Pobre, negro, mulher vão ter direito onde?", critica.
Nascida pobre, negra e mulher, Elza está em seu "lugar de fala" - termo que ela canta nos primeiros versos de "O Que Se Cala" e consagrado por movimentos sociais no que diz respeito à expressão de vozes minoritárias - quando sugere caminhos para o futuro.
"Como sempre fui muito atrevida, nunca tive medo de nada, vou em frente. Acho que minha vitória é essa. Não dá pra ficar parada, não. Tá ruim agora? Vai em frente, jovem. É o que eu faço sempre", sentencia.
"Deus é Mulher", show que a cantora volta a apresentar sentada, vem na esteira do estrondoso sucesso de "A Mulher do Fim do Mundo", lançado em 2015, premiado com o Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB. Elza volta a cantar temas políticos - principalmente, a força da mulher.
"Vejo as mulheres mais abertas, podendo falar mais, exigir mais, buscar seus direitos. A gente precisa estar lá em cima. A mulher tem que estar no auge. Acabou a escravidão para a mulher. Sem mulher, não existe o mundo", garante. "Por isso que Deus é mulher: Deus é mãe, dá colo".
Kastrup conta que a gravação deste álbum fluiu ainda melhor que a do primeiro e fala em tom hiperbólico quando recorda a experiência de trabalhar com Elza.
"É um aprendizado de vida gigantesco. Além de toda a potência artística que ela tem, é uma pessoa muito doce e muito forte, e isso ensina muita coisa. Musicalmente, está impecável, e tem uma cabeça muito contemporânea. É um furacão de vida", resume o artista. "Imagina a gente, com menos de metade da idade de dela: ninguém tem coragem de reclamar de cansaço, de uma dorzinha", brinca.
- Nos palcos, no livro, no agora -
Além das idades múltiplas e flutuantes, Elza também é muitas. Mais precisamente, sete. Esse é o número de atrizes que sobem ao palco do Teatro Riachuelo para interpretar e contar a história da carioca - da infância na favela em Água Santa ao ativismo na maturidade, passando pelo casamento com Garrincha - no musical "Elza", em cartaz no Rio até o fim de setembro.
A cantora assistiu e aprovou a montagem. "Apresentar pra ela foi desafiador. Senti o peso da responsabilidade de fazer alguma coisa que ela se sentisse representada, contemplada. O mais difícil foi tocar nos assuntos delicados, como a perda de um filho. Mas ao mesmo tempo foi mágico, porque eu me senti muito acolhida, senti que ela estava comigo", lembra Larissa Luz, que dá vida a Elza no musical.
"A responsabilidade se torna ainda maior quando vejo por um ponto de vista social e percebo que a história dela é um retrato da vida de muitas mulheres negras brasileiras", aponta Luz.
Com seu passado em cartaz, o disco lançado e uma biografia em preparação - o livro será assinado pelo apresentador Zeca Camargo e deve ser publicado no ano que vem -, Elza se concentra em viver o presente.
"Deixa eu lhe contar uma coisa: eu não faço planos, não. Se acontecer, é porque aconteceu. Eu digo sempre que 'My name is now', eu sou agora. Ontem passou, amanhã não sei, então meu nome é agora", conclui.