Produção do açaí contribui para a evasão escolar no Pará
Juíza do Trabalho coordena roda de conversa em projeto social e alerta que extração e venda do alimento mais popular no Estado encobre o trabalho infantil
Uma roda de conversa sobre conscientização do trabalho infantil, coordenada pela juíza do Trabalho Vanilza Malcher, reuniu moradores do bairro de Fátima, em Belém, na quarta-feira (14). O tema foi a cadeia produtiva do açaí como um dos fatores da evasão escolar de crianças e adolescentes.
Gestoras do projeto social Ninho da Coruja – Sem Trabalho Infantil, a juíza Vanilza Malcher e a desembargadora federal do Trabalho Maria Zuíla Dutra, do TRT8 (Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região), discutem temas de conscientização contra o trabalho infantil na região, em parceria com a Escola de Samba da Matinha. “Hoje tivemos uma roda de conversa. O tema foi a cadeia produtiva do açaí e de que forma isso contribui para a evasão escolar. Nós dizemos que a evasão escolar também está na peconha”, disse a juíza Vanilza Malcher.
Vanilza explicou que a evasão escolar das crianças e adolescentes também se dá pelo trabalho na extração e venda do açaí. “Nós discutimos esse tema na comunidade, porque a escola de Samba da Matinha, no carnaval de 2019, vai discutir na avenida o tema do trabalho infantil. Uma ala vai retratar o trabalho infantil na cadeia produtiva do açaí”, afirmou.
Para a juíza, é importante levar essas informações para a comunidade, para que todos tenham consciência do que eles vão levar para a avenida e para a sociedade, no carnaval 2019. “Nós estamos contribuindo com a Escola de Samba da Matinha, enquanto Comissão de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça de Trabalho, para que ela construa um carnaval consciente”, explicou.
Na roda de conversa foi apresentada uma das fantasias que vão entrar na avenida. É a que representa a cadeia produtiva do açaí. “Nós trazemos os elementos que compõem esse tema. Temos a palmeira, representada pelas penas verdes; o paneiro, que vai representar o trabalho que estamos acostumados a ver no Ver-o-Peso; o açaí. Temos a cuia, já com o açaí em suco, e temos a representação do Marajó, onde ocorre a maior produção de açaí, na região Amazônica”, disse Vanilza.
Para a juíza, o sucesso do projeto se dá porque é desenvolvido de corpo e alma. “Realmente estamos 100% no projeto Ninho da Coruja, mais particularmente eu, por ser filha do bairro de Fátima. Tenho uma questão afetiva com o bairro e está sendo muito prazeroso”, afirmou.
Segundo a Juíza, ainda não há um levantamento da quantidade de crianças que saíram do trabalho infantil após o início do projeto, mas a conscientização está forte na comunidade. “Os resultados serão sentidos pela comunidade em si. A gente espera que eles tragam esse retorno para nós. Eu ouvi de uma dona de salão de beleza do bairro de Fátima que, a partir do momento que nós começamos a desenvolver o projeto, aqui no bairro, ela percebeu que houve uma diminuição na criminalidade dentro do bairro. Porque em frente ao salão dela, estava havendo muitos assaltos, hoje ela não vê mais e atribuiu isso ao movimento, ao trabalho que estamos desenvolvendo”, disse Vanilza.
Esse retorno, afirmou a juíza, é positivo. Segundo ela, é grande a alegria em saber que o projeto está contribuindo para a evolução pessoal das crianças e adolescentes do bairro pelo samba enredo. “Uma evolução de felicidade, de alegria, de não trabalho infantil, não pobreza, de contribuição para a que uma nova realidade, em que a história dos navios negreiros, que trouxeram os escravos para o nosso país, trazendo com eles a violência, a exploração infantil, a tristeza, fique apenas nos livros. Que nós tenhamos apenas a história da educação; que o choro não seja da criança, seja apenas da cuíca da nossa bateria”, disse.
Deise Mácola, auditora fiscal do Ministério do Trabalho, achou o bate-papo importante para a comunidade ter conhecimento sobre o assunto e abraçar a causa. “Se a comunidade abraçar a causa, a coisa acontece. O TRT está de parabéns. Assim a gente consegue erradicar o trabalho infantil”, afirmou.
Para os moradores do bairro, a comunidade é carente, precisa de incentivo e o projeto veio para somar. “As crianças não tinham projeto no bairro. Participavam de alguns projetos na comunidade, mas não tinham palestras e incentivos e hoje em dia eles têm tudo isso, o apoio que não tinham. Tanto que nós vimos o aumento da procura dos adolescentes e das crianças. Todos agora vêm e querem participar e isso é muito bom para a comunidade”, disse Renilde Cruz, funcionária pública.
Ângela Jorge, assistente social da SEJUDH (Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos), ficou encantada com o movimento que está acontecendo no Ninho da Coruja. “Ver uma juíza envolvida com a comunidade, do jeito que ela está envolvida, é muito gratificante. Ela não traz só projetos, ela traz esperanças para essa comunidade. E quando a gente vê uma sessão lotada com essa, com crianças, jovens, adolescentes, idosos, todos participando em prol da melhoria da comunidade e da sociedade em geral, é fantástico. Estou encantada com esse projeto. Espero ser convidada outras vezes e com certeza, nós, da SEJUDH, vamos continuar participando e sendo parceiros com ela”, afirmou a assistente social.
Rosimery Castro, diretora da escola estadual Waldemar Ribeiro, que fica no Umarizal, disse que o bate-papo foi mais um evento interessante desenvolvido pelo projeto, na escola de samba da Matinha. “Principalmente porque deixa de ser apenas um espaço de ensaio para ser um espaço de cidadania onde se discutem temas importantes e relevantes para a comunidade, que é a luta contra o trabalho infantil”, concluiu a diretora.