Confira entrevista exclusiva com Roberto Dornelas

"Adrianinha teve proposta para receber um salário e meio no Americana e decidiu permanecer no Sport", revelou o treinador do Sport

por Victor Bastos sex, 10/05/2013 - 15:42
Fernando da Hora/LeiaJáImagens "Demos uma aula de competência e organização de trabalho", comentou Dornelas. Fernando da Hora/LeiaJáImagens

Ele queria apenas abrir portas. E segue, até hoje, com esse mesmo pensamento. No vasto vocabulário do comunicativo Roberto Dornelas, as palavras “basquete”, “Nordeste”, “amor”, “Sport” e “conquistas” ganham destaque.  Aos 53 anos – e desses mais de 30 dedicados ao esporte – o comandante do basquete rubro-negro vem construindo uma história ímpar na modalidade.

Após um mês da conquista da Liga de Basquete Feminino, o primeiro na história de uma equipe nordestina, o portal LeiaJá fez uma entrevista exclusiva com Roberto Dornelas. O técnico do Sport falou sobre o reconhecimento, os projetos, torcida, Campeonato Paulista, polêmica premiação da LBF e assim por diante.

Papo extenso, algumas vezes interrompido gentilmente por fãs. “Pode autografar a bola para minha mãe? É um presente que ela queria muito”, pediu um garoto.

As portas estão abertas para o esporte nordestino. Mas, mesmo assim, ele faz questão de ressaltar: “Vamos provar que não foi por acaso”.

RECONHECIMENTO

Tivemos todos possíveis. Isso demonstra que o basquete e essa competição mexeram com o Recife, Pernambuco e o Nordeste. Quem não fica envaidecido tendo o reconhecimento de um trabalho? Deixamos uma lição de organização e competência de trabalho. Mostramos que é possível.

FILOSOFIA DE TRABALHO

O trabalho psicológico foi muito importante. Se você pegar as entrevistas nos jornais e sites, quando elas (jogadoras) chegaram falavam “eu vim para fazer isso e aquilo”. Após o título foi “nós conseguimos isso e aquilo”. Isso foi uma mudança do dia a dia. 

INVESTIMENTO E PROJETO NO MASCULINO

Sempre falei que era mais fácil ganhar um título brasileiro no basquete feminino. No masculino são muitas equipes fortes. O caminho é mais longo. Para você montar uma equipe de alto nível como a nossa teria que ter triplo do valor. Se a gente gasta R$ 1,5 milhão na temporada, no masculino gastaria três ou quatro milhões. Mas é um sonho, sim. Demonstramos que qualquer modalidade, quando organizada e com pessoas competentes que vistam a camisa do projeto, vai dar certo.

RETORNO FINANCEIRO

Todo mundo que investiu teve o retorno rápido e grande. Nossos empresários ainda não acordaram para essa dinâmica do retorno publicitário. Espero que o título também abra essas portas. Infelizmente para manter a equipe temos que sair para buscar patrocinadores que não são da região. O retorno em números é muito alto. Foi negócio de milhões, é só calcular quanto é para comprar (publicidade) em um pedaço de jornal, site, segundos na TV...

MONTAGEM DA EQUIPE

O que mais identificou tudo foi a primeira reunião que a gente fez com toda a comissão técnica. Todo mundo preocupado no início: “Erika, Adrianinha, Palmira e americanas no time, como a gente vai se comportar?” Falei: “Pera aí, vamos ser o que sempre fomos. Esse é o nosso diferencial”. Esse é o segredo. Mas no início das contratações foi complicado. Tem sempre a desconfiança. Algumas já sabiam, ouviam dizer de outros técnicos e pessoas que tinha um treinador que é um cara que trabalha direitinho, não é bobo... Mas sempre tem aquela dúvida. Mas tem aquela coisa de que a primeira imagem é a que fica. Quando chegaram aqui se assustaram com a estrutura que a gente tinha montado. Ficou fácil.

INVESTIMENTO: RENOVAÇÕES E CONTRATAÇÕES

Nenhuma jogadora pediu aumento. E algumas receberam proposta. Adriana, Palmira e Erika, por exemplo, não quiseram ir embora. Americana ofereceu para Adriana, e posso dizer já que sei os valores, o salário e meio que ganha aqui. Ela não quis ir. Agora mesmo foi para o Círculo Militar dar aula para as crianças. Elas vestiram a camisa do projeto. Fecharam todas por mais um ano e trouxemos reforços. As saídas foram repostas. Estamos mais fortes, sem dúvida. 

CAMPEONATO PAULISTA

Fomos para a reunião na semana passada e explicamos o nosso projeto. Eles entenderam o porquê de ficarmos aqui. Fui franco com eles. Não preciso deles para ser campeão brasileiro, já provei que posso sem ir para lá. Agora, como qualquer outro esporte olímpico, vivo de patrocínio. E eles têm a mídia. Mas porque não posso ir de vez? Preciso das meninas aqui. Levamos o esporte para o interior do estado, promovemos as categorias de base, incentivamos o patrocínio local e assim por diante. A nível financeiro é mais barato ir para Europa e Estados Unidos do que para São Paulo, por incrível que pareça. E lá vou fazer jogos mais difíceis. Vou pela mídia. Deram razão e a própria federação pediu para segurar e não decidir nada ainda. Na semana seguinte devemos ter alguma definição deles.

SPORT IMBATÍVEL NA LBF

Eu percebi quando fomos para São Paulo jogar os amistosos (27 no total). Antes da competição. Não podia externar isso, pois poderia meter a cara na parede. Então, sabia que era candidato ao título. Era muito difícil bater a gente. Para ganhar teria que jogar muita bola. Vou ser sincero, jogamos mal muitas partidas. Eu acho que das dez fizemos quatro excepcionais. 

TORCIDA

É diferente. Pode perguntar para todos os adversários. Quem eu encontro me pergunta: “Roberto, o que é aquilo? Que torcida é aquela?” Marca, é impressionante. As meninas jogaram na Europa e WNBA (liga dos Estados Unidos), com ginásios grandes, para 15, 20 mil pessoas, mas não tinham uma torcida como essa. A Érika disse que nunca jogou com uma torcida dessa.

UNIÃO DO GRUPO

Outra coisa primordial foi o Caranguejo (bairro do Recife onde mora a jogadora Mô). A equipe ganhou o título e no domingo todas estavam na comunidade. Nada de restaurante chique. Identificaram-se demais. As crianças da comunidade estão fazendo escolinha aqui.

CATEGORIAS DE BASE

No masculino e feminino temos entre 400 e 500 crianças. Não tenho os números exatos, mas todas estão lotadas, não temos como aceitar mais atletas. Estamos levando para o Círculo Militar e o Colégio BJ e abrindo novas turmas lá. Nosso projeto vai começar a surtir efeito daqui a três anos. Hoje temos um buraco muito grande. Pernambuco perdeu o fio da meada. Tudo isso é muito novo e foi depois da LBF.

PREMIAÇÃO DA LBF

A forma que está sendo feita essa escolha é errada. Quem vota são os técnicos, os diretores e as capitãs. A votação é feita uma semana antes do último jogo. São 21 votos, desses, 15 são de São Paulo. Dificilmente eu iria ganhar. É muito relativo. Mas digo que a minha (dos técnicos) não foi injusta, mas a das meninas foi muito injusta. O prêmio teria que ficar entre as atletas do time campeão, já que a gente sobrou no campeonato. Você tirar o campeonato por Clarissa (pivô de Americana) que jogou uma grande partida aqui, mas Adriana e Érika jogaram uma grande competição. Foi a eleição das amigas. Quem é mais simpática? É Clarissa ou Adriana? Clarissa é uma menina, sorri para tudo. Outra coisa. Não entendi, mas quero entender um dia o porquê de terem divulgado Zanon como técnico da Seleção dias antes do jogo da final. Vou votar no técnico que não é da Seleção? É mais uma pressão para as meninas. A escolha foi mais que justa, não estamos discutindo isso. Mas ali não estava sendo votado o melhor técnico do Brasil, sim da competição. Eu acho que ele é o melhor técnico do Brasil feminino, mas a eleição está de forma errada. Deveria mudar para as pessoas que fazem o basquete, como os árbitros, técnicos, comentaristas, jornalistas...

SELEÇÃO BRASILEIRA

Não é que não queira, mas tem que ser naturalmente. Acho muito difícil, pois não estou buscando isso.  Qual o técnico que não quer? Mas não busco isso. Que seja natural, pelos resultados. Os  resultados foram o melhor? Então eu fui. E mesmo assim não fui? O que tenho que fazer? Ganhar de tudo? Então vou ganhar de novo. Será que se ganharmos de novo a mídia do Sul e Sudeste não vão estampar? Esses caras são bons, têm algo diferente. Uma hora vão pensar assim. O meu objetivo é esse. Vamos mostrar que não foi um mero acaso. Quando conseguirmos isso vai abrir uma porta imensa para o desporto do Nordeste. Vamos mostrar que é possível.

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