Notas XVII: Bachelard, as palavras que sonham, e a beleza dos gêneros

Cristiano Ramos, | qua, 08/02/2012 - 15:58
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A coluna Redor da Prosa também oferece algo bem mais valioso do que meus escritos: textos literários ou teóricos – vozes tiradas dessas estantes que, assim como seu dono, quase não dormem. Hoje, Bachelard e a Poética do Devaneio – com as palavras que sonham e a beleza dos substantivos de gêneros definidos (contrária aos que preferem as palavras neutras, “sem sexo”):

“As palavras, em nossas culturas eruditas, foram tão amiúde definidas e redefinidas, ordenadas com tamanha precisão em nossos dicionários, que acabaram se tornando verdadeiros instrumentos do pensamento. Perderam o seu poder de onirismo interno. Para voltar a esse onirismo implícito nas palavras, seria mister empreender uma pesquisa sobre os nomes que ainda sonham, os nomes que são ‘filhos da noite’.

“Para começar, aqui está um modelo de união entre o masculino e o feminino. Porque é poeta, o bom cura Jean Perrin sonha

Casar a aurora com o luar.

Eis um desejo quejamais virá aos lábios de um pastor anglicano, condenado a sonhar numa língua desprovida de gêneros. Para esse casamento das palavras celebrado pelo poeta, quer pendam sobre a sebe, quer sobre o silvado, todos os sinos das campânulas, na paróquia de Faremoutiers, dobram em uníssono.

“A psicologia do distante não deve sobrecarregar a psicologia do ser presente, do ser presente na sua linguagem, vivo na sua linguagem. Os devaneios poéticos nascem também, seja qual for o lar distante, das forças vivas da linguagem. A expressão reage fortemente sobre os sentimentos expressos. Ao contentar-se com responder, pela simples menção da ‘volta à mãe’, a enigmas que se multiplicam ao se exprimirem, o psicanalista não nos ajuda a viver a vida da linguagem, vida falada que vive na nuança e pela nuança. É preciso sonhar mais, sonhar na própria vida da linguagem, para sentir como, na expressão de Proudhon, o homem pôde ‘dar sexo às suas palavras’”.

Do livro Poética do Devaneio (Martins Fontes, 1988), páginas 33 e 38 e 44, respectivamente.

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