MPF alerta para risco de colapso sanitário em Altamira
Ação civil pública do Ministério Público Federal pede a paralisação das obras de Belo Monte, no Pará, até que consórcio construtor cumpra a condicionante de implantação de saneamento básico no município
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública que pede a paralisação emergencial das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Motivo: a construção concorre decisivamente para a poluição, com esgoto doméstico, hospitalar e comercial, do rio Xingu e do lençol freático da cidade de Altamira. Essa é a 25ª ação judicial do MPF apontando irregularidades em Belo Monte.
Segundo o MPF, a implantação de saneamento básico em Altamira, que evitaria esse impacto, até hoje não foi cumprida. Nas licenças ambientais, assim como nas propagandas da Norte Energia S.A e do governo federal, a promessa era de que a cidade teria 100% de saneamento antes de a usina ficar pronta. Até hoje, Altamira continua sem sistemas de esgoto e água potável. O MPF alerta para o risco de um colapso sanitário no município.
O MPF faz 15 pedidos liminares (urgentes) à Justiça. Quer a suspensão da licença de operação e a paralisação imediata do barramento do rio Xingu, além de suspensão dos incentivos e benefícios fiscais da Norte Energia por descumprimento das condicionantes referentes ao saneamento básico até que sejam cumpridas as obrigações de limpar e desativar as fossas rudimentares existentes, limpar e desativar os poços de água, fornecer água potável encanada e fazer funcionar o sistema de esgotamento sanitário em todo o perímetro urbano de Altamira.
O MPF quer também a integral recuperação ambiental do lençol freático, igarapés e rios contaminados por esgoto e completa análise de poços tubulares e cisternas existentes hoje em Altamira, assim como a publicação do plano de saneamento da cidade pela prefeitura.
A ação pede ainda a implementação de Campanha de Educação Ambiental no Município e que a Norte Energia faça um “Pedido Formal de Desculpas” aos cidadãos altamirenses, por todos os transtornos causados pelo não cumprimento, até o momento, da condicionante do saneamento básico. São réus na ação, além do Ibama e da Norte Energia, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), o município de Altamira e a União.
A condicionante do saneamento básico, considerada uma das mais importantes de Belo Monte, estava prevista desde a Licença Prévia do empreendimento, concedida em 2010. Pelos prazos do licenciamento, a usina deveria ter entregado sistemas de fornecimento de água potável e esgotamento sanitário no dia 25 de julho de 2014. Ainda não entregou. Mesmo sabendo disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) liberou a operação da usina e o barramento do rio Xingu no final do ano passado. Na Licença de Operação, emitida em novembro de 2015, o Ibama deu prazo até setembro de 2016 para que o saneamento de Altamira esteja concluído.
Para o MPF, o novo prazo do Ibama é fictício. “Para concluir as obras do saneamento, a Norte Energia deverá implementar o fornecimento de água encanada e rede de esgotamento sanitário em mais de 24.250 domicílios altamirenses, até setembro de 2016, fazendo no curto prazo de 6 meses o que não fez, em 1 domicílio, no prazo de 6 anos”, diz a ação judicial assinada pelo procurador da República Higor Rezende Pessoa.
Segundo o Ministério Público Federal, a recusa da Norte Energia em realizar parte essencial das obras do saneamento básico (ligações dos domicílios aos sistemas de água e esgoto) é ilegal. Para o MPF, a empresa “tem o dever de, segundo o PBA (Plano Básico Ambiental), fornecer água potável com maior garantia de qualidade e quantidade para todos os moradores da sede municipal”, não havendo dúvidas de que “é obrigação do empreendedor eliminar os sistemas atuais de disposição final de esgoto na cidade de Altamira, por intermédio da implantação de rede de esgotamento sanitário e estação de tratamento de esgoto, rede esta que deve ser construída por completo, o que, obviamente, envolve as ligações intradomiciliares”.
A situação em Altamira sem as ligações dos domicílios aos sistemas de água encanada e esgoto é, portanto, a mesma de 104 anos atrás, quando a cidade foi fundada. Esgoto - doméstico, comercial e hospitalar - despejado nas ruas, no solo, no rio Xingu e nos igarapés que cortam a área urbana. Consumo humano de água do lençol freático contaminada pelo esgoto lançado no solo. A ação do MPF mostra que até mesmo em frente ao escritório do Ibama na cidade corre esgoto a céu aberto.
O risco de prosseguir com o barramento do rio Xingu nessas condições é de contaminação das águas subterrâneas pela parte sólida do esgoto acumulado por décadas nas fossas rudimentares, já que o lençol freático vai subir e as fossas serão “afogadas”, causando doenças sérias que podem levar a morte, já que é do lençol freático de Altamira que a maior parte da população retira a provisão de água para consumo.
Durante as investigações sobre a situação do saneamento básico em Altamira, o MPF constatou que a Norte Energia, após construir o reassentamento urbano coletivo Jatobá, lançava esgoto diretamente em um dos igarapés da cidade. O Ibama sabe do problema e multou a empresa em R$ 2,5 milhões por lançar resíduos em desacordo com a legislação ambiental.
O MPF pede na ação que a Justiça não aceite como argumento válido a ameaça de “apagão”, levantada pelo governo federal em todos os processos que tratam das condicionantes de Belo Monte, até porque as linhas de transmissão de Belo Monte apenas estarão concluídas em abril de 2017, conforme detectado pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Segundo o MPF, o uso desse argumento pelo governo, que deveria cobrar o cumprimento das condicionantes por ele mesmo impostas, “faz nascer no empreendedor uma segurança quase inabalável quanto à continuidade da obra, mesmo diante do descumprimento reiterado do PBA [Plano Básico Ambiental] e constatação de irregularidades gravíssimas, que põem em risco a vida e a saúde das pessoas”.
Com informações da Assessoria do MPF.