Especulação imobiliária apaga parte da memória de Paulista

Terreno que abrigou a fábrica Aurora atualmente acomoda um megaempreendimento imobiliário que vai receber 3 mil unidades habitacionais

por Lorena Andrade qua, 23/05/2018 - 19:04
Prefeitura de Paulista Tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a chaminé com estilo neoclássico-gótico que pertencia à fábrica foi mantida e em nada combina com a estrutura moderna do centro de compras Prefeitura de Paulista

Gentifricação é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local. É quando, por exemplo, novos pontos comerciais são instalados ou novos edifícios construídos, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. O termo vem apoiado na ideia de que as obras beneficiarão a todos, mas não é isso que acontece na prática. O motivo das construções é claramente de interesse privado e está diretamente ligado à especulação imobiliária. 

“A cidade tem propensão a ser planejada de acordo com a vontade do interesse privado, que não necessariamente é a mesma vontade da população, e nem sempre vai ao encontro das demandas defendidas por especialistas em planejamento urbano”, explica o mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, Emannuel Costa, no artigo “O que é gentrificação e porque você deveria se preocupar com isso”.

 Por conta disso, esse processo acontece, especialmente, em bairros centrais, históricos ou com grande potencial turístico. É o caso do centro de Paulista, na Região Metropolitana do Recife. Distante 17 quilômetros da capital pernambucana, a área central do município vem, há alguns anos, enfrentando essa mudança. 

O espaço onde durante anos funcionou a fábrica de tecidos Arthur, que fazia parte da Companhia de Tecidos Paulista, da família Lundgren, e era referência da indústria têxtil no início do século 20, se transformou em um enorme e pomposo shopping center. Tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a chaminé com estilo neoclássico-gótico que pertencia à fábrica foi mantida e em nada combina com a estrutura moderna do centro de compras. 

O terreno que abrigou a fábrica Aurora, que também fazia parte da companhia, atualmente acomoda um megaempreendimento imobiliário que vai receber 3 mil unidades habitacionais, além de salas comerciais e um centro de compras. Na época do anúncio da construção, muitos moradores da região foram contra e tentaram resistir, mas a Prefeitura de Paulista autorizou a obra e boa parte da edificação já está praticamente pronta.

Vivendo em Paulista desde criança, a aposentada Luiza Cabral, 80 anos, resolveu se mudar do município após virar uma ‘moradora solitária’ na rua em que morava, a Siqueira Campos, uma das principais vias da área central da cidade. “As casas da minha rua se transformaram todas em comércio, e eu fiquei aqui sozinha, sem vizinhos. Me sentia só no meio dessas lojas. Resolvi ir embora”, detalha Luiza, que há três meses mora na cidade vizinha, Olinda.  

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Já dona Maria Augusta Arruda, 81 anos, resolveu resistir. Moradora da rua Presidente Vargas, ela não apenas é vizinha do, quase na sua totalidade, comércio, como também divide o espaço em que mora com um dos estabelecimentos - a casa em que mora fica em cima de uma loja de roupas. Apesar da resistência, ela sente saudades da época onde a cidade era tomada por praças, parques e zoológico. “Agora, aqui vira um deserto quando escurece, porque depois que as lojas fecham não tem quase ninguém andando na rua. Quando a gente sai e chega mais tarde, entramos rápido em casa, porque é perigoso”, revela a aposentada, que mora há 40 anos na mesma casa. 

Para o arquiteto e urbanista Pedro Correia, a especulação imobiliária precisa ser controlada. "Se construir prédios enormes desenfreadamente, você vai superlotar a cidade e isso vai refletir em diversos aspectos do dia a dia na cidade, como o saneamento básico, por exemplo", afirma. 

Segundo o pesquisador Emannuel Costa, a gentrificação só será positiva quando beneficiar todas as camadas da população. “A gentrificação apenas será bacana e descolada de verdade quando todos os bairros puderem ver a renda de seus imóveis sendo elevadas, propiciando uma vida cultural, rica, vibrante, que respeite as tradições de cada lugar. Se não for por inteiro, então não vale”, conclui.

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