UE e Itália têm diálogo de surdos sobre migrantes
A Itália considera que já assumiu uma responsabilidade excessiva na acolhida de migrantes e refugiados que cruzam o Mediterrâneo, mas a Comissão e os Estados-membros pedem a Roma que aceite as regras estabelecidas
A queda de braço entre União Europeia (UE) e Itália sobre a imigração aumenta, e, depois de meses de troca de acusações sobre a falta de solidariedade, Roma subiu sua aposta com a ameaça de não pagar sua contribuição à UE.
"Neste momento, a Itália não está na mesma onda", reconheceu uma fonte europeia, que pediu para não ser identificada, após a reunião urgente da última sexta-feira em Bruxelas para tratar da questão migratória na Europa.
A Itália esperava que essa cúpula servisse para solucionar a situação do "Diciotti", uma embarcação da Guarda Costeira italiana bloqueada no porto de Catânia, na Sicília, com 150 migrantes a bordo.
A Comissão Europeia, que havia "convidado" 12 países-membros para participarem, disse se tratar, porém, de uma reunião informal sobre as "soluções sustentáveis" para enfrentar a acolhida de refugiados e a distribuição das responsabilidades.
"A discussão não foi negativa. Todo mundo está de acordo em que é preciso superar a situação atual, em que se trata cada caso de forma isolada", disse a mesma fonte europeia ouvida pela AFP.
Enquanto o governo italiano pede mais solidariedade à UE, os demais dirigentes responderam que estes últimos têm de aceitar "a lógica da cooperação" e estar "de acordo com os princípios", acrescentou.
A Itália considera que já assumiu uma responsabilidade excessiva na acolhida de migrantes e refugiados que cruzam o Mediterrâneo, mas a Comissão e os Estados-membros pedem a Roma que aceite as regras estabelecidas.
- 'UE, uma comunidade de regras' -
"Ninguém conseguiu, apesar das propostas da Comissão e do Parlamento, estabelecer uma forma de solidariedade obrigatória. É isso que bloqueia", considera a eurodeputada socialista Sylvie Guillaume, que faz parte da comissão de Assuntos Internos do Parlamento Europeu.
Segundo Guillaume, a questão dos portos de desembarque não tem solução, enquanto não se resolver o problema da distribuição.
Diante da ameaça do vice-presidente do Conselho de Ministros italiano, Luigi Di Maio, de que a Itália deixará de pagar suas contribuições ao orçamento da UE, se não for encontrada uma solução para o caso do "Diciotti", a resposta de Bruxelas foi imediata.
"A UE é uma comunidade de regras, e ela age em função de regras, não de ameaças", frisou o porta-voz da Comissão Europeia Alexander Winterstein.
Os dirigentes europeus baseiam sua posição em dois argumentos: o Direito Internacional, que rege os desembarques, e suas próprias decisões políticas.
Os 28 países-membros concordaram em fazer uma distinção clara entre os migrantes "econômicos", que devem ser devolvidos para seus países de origem, e os refugiados políticos.
- A eterna reforma de Dublin -
Depois de sua posse em junho, porém, o governo populista italiano de direita pede uma distribuição dos migrantes antes de desembarcarem na costa europeia.
Segundo a especialista Marie De Somer, do think thank European Policy Center (EPC), é evidente que há uma crise de solidariedade, mas as posições da Itália e da Comissão não são tão distintas.
"A Comissão e o Parlamento Europeu tentam favorecer uma melhor distribuição da solidariedade. Reivindicam a mesma política (que Roma), ou seja, que a Itália não tenha que acolher todos aqueles que chegarem a sua fronteira", explica a analista.
A reforma do regulamento de Dublin, que estabelece que os pedidos de asilo devem ser feitos no primeiro país de entrada de migrantes e refugiados, está há mais de dois anos sobre a mesa sem registrar avanços significativos.
No agitado Conselho Europeu de junho, os dirigentes dos 28 defenderam a criação de "centros controlados" em território europeu e de "plataformas regionais de desembarque" em países do norte da África.