As projeções do segmento farmacêutico
Especialistas e empresários revelam suas opiniões sobre os fatores que devem influenciar a atuação das grandes redes no futuro
Em um mercado desafiador, em que o cliente preza por atendimento de qualidade e diversificação de produtos, o segmento farmacêutico segue sua trajetória, até em então, com projeções positivas. Com previsões para o setor, especialistas e empresários revelam suas opiniões acerca dos fatores que devem influenciar a atuação das grandes redes no futuro, além de mudanças que podem mudar a relação das grandes marcas com os clientes.
De acordo com Cassyano Correr, coordenador do Programa de Assistência Farmacêutica da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), a quarta e nova onda da expansão das grandes redes de farmácias deverá englobar o que ele chama de transformação digital. Para Correr, as empresas passarão a digitalizar toda a experiência do cliente, uma vez que o consumidor deverá conversar e acessar a farmácia pelo celular ou computador.
Cassyano Correr, coordenador do Programa de Assistência Farmacêutica da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias. (Foto: LeiaJáImagens).
Na prática, no processo de vendas dos produtos farmacêuticos, a prioridade é que tudo seja feito pela internet. “O que vai levar o cliente para o ponto físico é a experiência”, diz o coordenador do Programa de Assistência Farmacêutica da Abrafarma. Nesta onda, os clientes poderão solicitar os produtos de maneira virtual e receber suas aquisições sem precisar sair de casa. “A quarta onda tem uma característica exponencial: quando começa a acontecer, ela é muito rápida. De cinco a dez anos deveremos ter um impacto muito grande de transformação digital em todas as esferas do setor farmacêutico”, acrescenta Correr.
Professor e pesquisador de serviços farmacêuticos pela Universidade de Brasília (UnB), Rafael Santana, em sua análise sobre o futuro do segmento , aposta na intensificação dos serviços de saúde oferecidos nas farmácias. “É uma tendência, não só no Brasil. Além de uma estratégia de diferenciação em um setor cada vez mais competitivo, trata-se de uma reorganização do setor para atender a uma demanda de resolução de pequenos problemas de saúde pouco valorizado tanto pelo serviço público quando pelos planos de saúde. Acho difícil a curto e médio prazo os médicos assumirem esse papel nas farmácias brasileiras, pela já disponibilidade de farmacêuticos que podem assumir a resolução de pequenos problemas”, diz o docente.
No aspecto econômico, o professor prevê a junção de companhias e o fortalecimento das grandes redes. “O que prevemos é a fusão de empresas e predomínio cada vez maior de grandes redes. Em um futuro próximo de oligopólios de empresas, o preço não será mais um diferencial competitivo e o investimento em serviços clínicos e outras atividades que agreguem valor ao setor será cada vez mais necessário”, projeta.
A tecnologia, segundo o professor da UnB, deverá influenciar o segmento farmacêutico. ”Esse é um setor que pode ser bem impactado pelo avanço tecnológico. A venda de medicamentos on-line, por exemplo, já é uma realidade, porém, deve estar sempre mais restrito a uma parcela de usuários de doenças crônicas com medicamentos de uso contínuo. Nas farmácias existe uma tendência de novos softwares para apoiar os serviços clínicos farmacêuticos, equipamentos para rastreamento de doenças e pequenos exames clínicos ou mesmo aplicativos e ferramentas para apoiar os pacientes no autocuidado”, explica o docente.
Para o Marcelo Rosa, conselheiro do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e coordenador da Comissão de Farmácia Comunitária, os serviços dos consultórios farmacêuticos instalados nas próprias lojas, além de já serem uma realidade, deverão ser intensificados nos próximos anos. “É um caminho sem volta e a tendência é de crescimento, com uma participação cada vez mais efetiva, com o incentivo do Conselho Federal de Farmácia, que tem buscado todos os meios junto aos órgãos governamentais e à sociedade para que isso ocorra. Com o advento da Lei 13.021/14, o conceito de farmácia no país mudou radicalmente. As farmácias deixaram de ser classificadas como simples comércio, passando a ser reconhecidas, de fato e de direito, como estabelecimentos de saúde. Elas também puderam passar a dispor de vacinas para o atendimento direto à população. Isso representou um marco para o cuidado a saúde da população”, crava o conselheiro.
No quesito tecnologia, Rosa enxerga diversos caminhos para a atuação das grandes redes de farmácias. “Todos os caminhos devem ter como foco o cuidado ao paciente. A tecnologia é um instrumento para que os serviços e produtos possam ser disponibilizados à população com qualidade e segurança. Eu reforço: a tecnologia deve ser um instrumento e não deve substituir os profissionais. O cuidado ao paciente requer habilidades, experiência e conhecimento. O farmacêutico é o único profissional que tem formação e habilitação para a prática do cuidado ao paciente na farmácia”, acrescenta o representante do CFF.
O conselheiro também analisa como será o consumidor do futuro. “Podemos dizer que o consumidor é cada vez mais consciente e crítico. A disputa por preços baixos já não é o ponto mais importante para a conquista e fidelização do consumidor. Estruturas confortáveis, profissionais preparados para cuidar do paciente e a oferta de serviços são fatores indispensáveis para que o estabelecimento farmacêutico prospere, seja uma rede ou uma farmácia de menor porte”, aponta.
No que diz respeito à indústria farmacêutica, representantes do setor também traçam planos para o processo de fabricação, distribuição e comercialização de produtos farmacêuticos. Segundo o vice-presidente institucional da EMS, uma das principais empresas da área, Marcus Sanches, o futuro exige que continuem as apostas na criação de soluções que sejam capazes de auxiliar e atender "as necessidades da classe médica e dos pacientes". "Hoje, o processo de desenvolvimento de medicamentos inovadores na EMS ocorre por meio, principalmente, do Centro de Pesquisa & Desenvolvimento da EMS no Brasil, que recebe 6% do faturamento anual do laboratório em investimentos e possui mais de 400 pesquisadores. No seu P&D, a companhia trabalha em diferentes frentes de inovação, como a inovação incremental e a inovação com genéricos de alta complexidade. Nos Estados Unidos, a EMS trabalha com uma frente de inovação radical (disruptiva), por meio da Brace Pharma, empresa da EMS fundada em 2013, com foco em trazer terapias inovadoras aos pacientes. Hoje, a Brace possui 13 parcerias vigentes em áreas como oncologia, cardiologia e sistema respiratório e doenças neurodegenerativas, metabólicas e autoimunes", detalha Sanches.
A "Indústria.4.0", de acordo com o representante da EMS, é o que molda, atualmente, o futuro do setor, além de ser uma iniciativa importante para o futuro das companhias. "A modernização das unidades fabris também faz parte dos investimentos em inovação da EMS. A empresa já deu início à adoção da Indústria 4.0 em seu processo de produção, tendo sido a primeira do setor farmacêutico na América Latina a adotar soluções neste modelo. A implementação tem ocorrido, inicialmente, por meio de um projeto-piloto em uma linha de embalagem de medicamentos sólidos e no processo de Gerenciamento da Manutenção, na planta de Hortolândia da EMS. As máquinas conectadas devem tornar a produção do laboratório ainda mais inteligente e eficiente, trazendo um crescimento significativo na capacidade produtiva da empresa nos próximos 3 a 5 anos. A utilização da inteligência artificial na indústria tem uma série de pontos positivos, como ganho de eficiência, elevação da produtividade, economia e otimização dos recursos, entre outros.
Em entrevista ao LeiaJá, o CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto, também revelou suas projeções para o setor. Segundo Barreto, as grandes redes deverão continuar apresentando números considerados positivos e prezando por melhorias em prol da relação com os clientes. Confira:
LeiaJá: Hoje o setor farmacêutico tenta se fortalecer como um espaço de saúde por meio dos espaços de saúde instalados nas próprias lojas. Pensando no futuro, o senhor acredita que essa estratégia será consolidada e ampliada, por exemplo com a participação de médicos nas farmácias? O que o senhor prevê para a relação farmácia e saúde?
CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto: Isso já é uma realidade. As farmácias estão se tornando a porta de entrada do sistema de saúde para a população brasileira, atuando no incentivo à adesão ao tratamento, na identificação de risco e na prevenção de doenças por meio da aplicação de vacinas.
Desde o lançamento do programa de Assistência Farmacêutica Avançada pela Abrafarma, em 2014, as salas clínicas vêm registrando um crescimento exponencial. Só no primeiro semestre deste ano, o número de consultas para serviços farmacêuticos aumentou 62% em relação ao mesmo período de 2018. Foram realizados 862.623 atendimentos. As grandes redes que integram o projeto já contabilizam 2.964 espaços do gênero, um incremento de 9,4%. Somente no ano passado foram realizados mais de 2,4 milhões de serviços especializados nesses novos espaços. Entre os serviços mais demandados, destaque para os testes de colesterol e de perfil lipídico, que são realizados por mais de 300 farmácias em todo o Brasil.
Trata-se de um recurso que facilita a interação dos profissionais de saúde com os pacientes e desafoga o sistema público. É super prático para quem precisa resolver problemas simples, mas não tem tempo de ir a um hospital. Além disso, o atendimento profissional pode estimular o paciente a exercitar o autocuidado.
O farmacêutico e o médico atuarão de forma colaborativa. Mas é bom ressaltar que o serviço de assistência farmacêutica não substitui o médico, mas funciona e seguirá atuando como um elemento complementar para orientar e garantir maior adesão ao tratamento.
LeiaJá: E em relação à tecnologia? Quais são os rumos das grandes redes de farmácia nesse sentido, tanto no processo de comercialização dos produtos, como também na relação com seus funcionários, principalmente os farmacêuticos?
CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto: O momento atual do grande varejo é de investir em transformação digital, melhorar a jornada do paciente e os serviços clínicos nas lojas. O atendimento mudará bastante nos próximos anos, caminhando para um modelo mais proativo na oferta de soluções digitais, com um sistema integrado de informações, que estará acessível aos pacientes: haverá cada vez mais ofertas personalizadas, curadoria de doenças e ofertas de serviços de prevenção. E tudo isso na palma da mão do consumidor, com base em sua jornada individual de compra.
Os serviços clínicos oferecidos nas farmácias também serão influenciados. Muito em breve será possivel realizar pequenos check-ups e testes laboratoriais para o acompanhamento de doenças. É de se esperar também que os aplicativos e sistemas de atendimento das redes se integrem ao prontuário dos pacientes, aprimorando a interação medicamentosa.
A área de e-commerce também tem sido alvo de investimento constante de nossos associados. Entendemos que o consumidor é cada vez mais omnichannel, que busca experiências sem fricção, e quer maior comodidade. Então, todos os processos estão sendo revistos para integrar o negócio de tijolos ao digital. Daqui a alguns anos também poderemos falar em telemedicina, que teria o papel fundamental de desafogar nosso sistema de saúde, evitando consultas e exames desnecessários.
LeiaJá: Os não medicamentos continuam sendo muito vendidos nas grandes redes. Isso deve continuar ou novos produtos serão acrescentados às prateleiras?
CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto: A categoria continua expressiva, representando em torno de 33% do faturamento total das 25 redes, sobretudo agora, quando está em curso uma retomada de consumo dos não medicamentos (itens de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos), que estava estagnado nos últimos anos por causa do cenário de recessão.
Porém, atualmente, os medicamentos isentos de prescrição (MIPs) são o segmento de maior influência. O faturamento com a venda desses produtos aumentou quase 20% nas grandes redes. Como podemos observar na tabela abaixo, entre janeiro e agosto deste ano, as redes afiliadas à Abrafarma registraram um faturamento de R$ 34,69 bilhões, índice 10,22% maior que o do oito primeiros meses do ano passado. O percentual supera o crescimento de 7,86% obtido entre janeiro e agosto de 2018, estimulado principalmente pela venda dos MIPs e dos não medicamentos.
Também vale destacar outras duas categorias. O cuidado ao paciente (PAC) e os Nutricionais (NTR). No período de julho/2018 a julho/2019, o faturamento dessas categorias registrar aumento de 17,2% e 12,4%, atingindo R$ 4 bilhões e R$ 6,9 bilhões, respectivamente.
LeiaJá: Apesar da crise, as grandes redes continuaram aumentando o número de lojas e faturamento. Em termos econômicos, quais são as suas previsões para o setor?
CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto: As redes associadas encerrarão o ano com um desempenho positivo. O faturamento ultrapassará R$ 50 bilhões, com crescimento acima de 10%. Ao fim de 2019, o segmento chegará a um market share total de 44%, mesmo com menos de 8 mil lojas de um total de 78 mil farmácias existentes no país. Para 2020, projetamos um faturamento próximo dos R$ 55 bilhões, se mantido o ritmo de crescimento.
Grandes redes de farmácias devem melhorar faturamento em 2019 na comparação com o ano anterior. (Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens).
LeiaJá: Por fim, como o senhor prevê o consumidor de produtos farmacêuticos? Qual será o perfil e suas necessidades? O que o segmento precisa mudar para continuar forte na economia brasileira?
CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto: Um consumidor cada vez mais omnichannel, empoderado e mais exigente. Ele é o centro das decisões e estratégias de negócios das redes. Mas o segmento varejista deve continuar perseguindo melhorias no nível de serviço, com oferta de produtos correta. Também têm de apostar na customização de ofertas para um perfil específico, tendo por objetivo aumentar o volume da cesta de compra, ampliando o tíquete médio geral da loja.
Matéria integra a série do LeiaJá ‘Expansão farmacêutica: dos primórdios ao futuro’. Trabalho explica como as grandes redes de farmácias expandem seus negócios no Brasil e registram faturamentos que contrariam a crise econômica. Leia, a seguir, as demais reportagens:
Expansão farmacêutica: dos primórdios ao futuro
Após boticas, ondas farmacêuticas formam expansão do setor