Primeiro caso de coronavírus no Iêmen em guerra
Anúncio provocou temores de repercussões catastróficas
O Iêmen, país atingido por uma grave crise humanitária devido à guerra, anunciou nesta sexta-feira (10) o primeiro caso de coronavírus, provocando temores de repercussões catastróficas.
Um cessar-fogo decretado unilateralmente a partir de quinta-feira pela coalizão militar liderada pela Arábia Saudita, aliada do poder iemenita, não parece estar sendo respeitado. Ataques aéreos contra alvos dos rebeldes huthis foram realizados poucas horas após sua entrada em vigor.
Ao declarar essa trégua unilateral, Riade disse que esperava combater a COVID-19 neste país pobre, já ameaçado pela fome, por epidemias de dengue e cólera e que sofre com um sistema de saúde em frangalhos.
O conflito iniciado em 2014 entre o regime e rebeldes apoiados pelo Irã já matou dezenas de milhares de pessoas, em sua maioria civis, segundo organizações humanitárias, e causou a pior crise humanitária do mundo, com 24 milhões de iemenitas dependentes de ajuda.
"O primeiro caso confirmado de coronavírus foi identificado na província de Hadramout (sul)", disse a comissão do governo sobre a pandemia.
A pessoa contaminada na localidade de Chahr está recebendo atendimento médico e sua condição é estável, disse o comitê, dirigido pelo governo do presidente Abd Rabbo Mansur Hadi, reconhecido pela comunidade internacional.
Nesta sexta-feira, um toque de recolher de 24 horas foi imposto em Chahr e arredores.
"É o momento que todos temíamos, porque o Iêmen está mal equipado diante do vírus, com apenas metade dos estabelecimentos de saúde em operação", reagiu Xavier Joubert, diretor da ONG Save the Children no Iêmen.
- "Prudência" -
Na frente militar, poucas horas após o cessar-fogo entrar em vigor, vários ataques atingiram "veículos pertencentes aos huthis" nas províncias de Jawf (norte) e Hajjah, perto da capital Sanaa, segundo uma fonte militar próxima ao governo.
Também ocorreram confrontos entre os huthis e as forças legalistas nas províncias de Jawf e Marib, acrescentou.
O canal de televisão Al-Massirah, controlado pelos rebeldes, relatou "seis ataques por aviões inimigos (...) nas últimas horas" na província de Hajjah e dois na província de Jawf.
Na quinta-feira, os huthis rejeitaram a trégua, com um de seus líderes encarando-a como uma "manobra política e da mídia" da coalizão militar.
O anúncio do cessar-fogo foi seguido de uma escalada de combates no Iêmen, apesar do pedido da ONU pela cessação imediata para proteger os civis do país mais pobre do mundo árabe da pandemia.
Nesta sexta, 59 ONGs, incluindo Oxfam e Médicos Sem Fronteiras, receberam com "prudência" a trégua. Mas "por si só não pode impedir a propagação da COVID-19 no Iêmen", ressaltaram.
Os vizinhos do Iêmen contabilizam milhares de casos de coronavírus. A Arábia Saudita registrou oficialmente mais de 3.200 casos e 44 mortes.
O país vive quase inteiramente isolado, sob o bloqueio aéreo imposto pela coalizão liderada por Riade, o que enfraquece sua situação alimentar.
Antes do anúncio do primeiro caso de contaminação, a coordenadora humanitária da ONU no Iêmen, Lise Grande, disse que a ajuda mensal fornecida pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA) a mais de 12 milhões de pessoas que vivem em áreas sob o controle huthi, seria entregue com menos regularidade.
Os doadores decidiram suspender as contribuições, dizendo que a ajuda era bloqueada pelos huthis, informou à BBC. Uma decisão que vem "no pior momento, dada a ameaça da COVID-19", lamentou.