PE: enfermeiros com Covid-19 não são afastados do trabalho

Profissionais de linha de frente dizem que demora para conseguir testagem no estado permite que eles passem dias contaminando outras pessoas antes de irem para isolamento

por Marília Parente sex, 30/10/2020 - 15:53
Andréa Rêgo Barros/PCR Trabalhadores da saúde pública precisam pagar testes em unidades privadas Andréa Rêgo Barros/PCR

Internada em UTI particular lutando para vencer a forma grave da Covid-19 há quase duas semanas, a técnica de enfermagem concursada pelo estado de Pernambuco Francisca Nascimento* informou seus superiores sobre os primeiros sintomas da doença ainda no começo de outubro. Ouviu que não teria o direito de realizar o teste para constatar a contaminação. “Naquele momento, minha mãe só apresentava os sintomas leves e o estado só testa as pessoas quando elas estão debilitadas. Diante da negativa, ela bateu o pé e disse que não iria trabalhar nessa situação”, lembra Henrique Nascimento*, filho da trabalhadora. Moroso para conceder os testes e liberar os trabalhadores, o estado de Pernambuco vem permitindo que profissionais de saúde permaneçam em seus postos de trabalho acometidos pela covid-19.

“Só conseguimos o teste de minha mãe para Covid-19 quando fomos para um hospital particular, o que é impossível para muitos técnicos de enfermagem, que ganham entre R$ 600 e R$ 1,2 mil reais. Imagina pagar um plano de saúde de R$ 300? É um percentual muito grande do ganha pão dessas pessoas”, lembra Henrique. Segundo o filho da auxiliar, toda a renda familiar foi comprometida para enquadrar sua mãe em um plano privado. “O tempo de espera para internação é muito alto na rede pública, você só vai se precisa de intubação, então sabíamos que a situação poderia piorar”, frisa.

Henrique teme que a mãe, que agora respira com a ajuda de aparelhos, sofra algum tipo de retaliação por ter deixado de ir ao trabalho diante da suspeita de infecção. “Todo dia ela relatava que colegas próximas estavam trabalhando infectadas. Ela tem 52 anos, predisposição para diabetes e sofre de pressão alta, mas sentia orgulho de seu trabalho. O sentimento que fica é de descaso e medo, de perder minha mãe”, lamenta.

“Contaminei família e colegas de trabalho”

Foi durante o expediente na UTI de um hospital na Região Metropolitana do Recife (RMR) que o auxiliar de enfermagem João Souza* apresentou os primeiros sintomas de Covid-19. “Não consegui o teste de maneira alguma na rede pública, mas 27 dias depois dos primeiros indícios de que estava doente, em uma unidade privada. Passei 28 dias com covid-19”, lamenta. É também à sua iniciativa de procurar um hospital privado que se deve o curto afastamento que conseguiu do trabalho. "Lá, recebi um atestado de sete dias, que não foi aceito por minha unidade de trabalho, pois exigiram que eu fosse atendido lá. Reduziram meu afastamento para cinco dias, sem notificar a covid-19, mas tratando meu caso como uma amigdalite. Voltei a trabalhar doente”, lembra.

Assim, por cerca de 23 dias, o auxiliar acredita ter contaminado uma série de colegas de trabalho. “Também passei o vírus para minha esposa, meu filho e minha sobrinha, que confirmaram o quadro com exames na rede particular. Durante esse período, sofri com diarreia, febre, falta de paladar e infecção ocular. Acredito que a subnotificação dos profissionais de saúde é grande”, acrescenta.

Procurado pelo LeiaJá, o Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Pernambuco (Satenpe) confirma a existência de diversas denúncias a respeito de profissionais na linha de frente da Covid-19 trabalhando infectados pela doença. “Nós já acionamos a Justiça solicitando que, a cada 15 dias, a Prefeitura do Recife e o Estado de Pernambuco sejam obrigados a testar todos os profissionais de saúde na linha de frente da Covid-19. O risco de contaminação é grande, pois o técnico pode estar sendo um vetor de transmissão do novo coronavírus”, frisa Gilberto Flávio Melo, presidente do Satenpe.

Gilberto também acredita que os profissionais de saúde tenham se tornado vetores do novo coronavírus. “Os exames só são realizados em trabalhadores que apresentam sintomas clássicos da Covid-19, como dores no corpo, perda do olfato e paladar. Os demais não conseguem”, coloca.

Governo defende protocolo estabelecido

Questionada pela reportagem do LeiaJá, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) se manifestou por meio de nota, alegando que orienta os profissionais a, “qualquer sinal de sintomas gripais, a se resguardar mantendo o isolamento social e dos familiares, assim como realizar a comunicação a sua chefia imediata para ser iniciado o período de afastamento”. Segundo o governo do Estado, os profissionais já aguardam o resultado do teste para detecção da covid-19 em situação de isolamento social. Leia a nota na íntegra:

“A Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) informa que desde o início da pandemia do novo coronavírus orientou todas as unidades da rede estadual sobre o protocolo de prevenção e tratamento da doença. Tal protocolo foi discutido e repassado para os profissionais das unidades de saúde, principalmente para aqueles que vieram a atuar na linha de frente dos atendimentos. Os profissionais são orientados, a qualquer sinal de sintomas gripais, a se resguardar mantendo o isolamento social e dos familiares, assim como realizar a comunicação a sua chefia imediata para ser iniciado o período de afastamento.

É importante salientar que esses profissionais devem buscar a realização da testagem para detecção da Covid -19, e enquanto aguardam o seu resultado, devem ficar isolados. Se o profissional estiver no serviço de saúde quando do início dos sintomas, deve procurar fazer a testagem no local. Caso esteja em casa, a orientação é procurar os serviços para realização do exame.

Para realização desses exames, os profissionais podem buscar os centros de testagens localizados no o Centro de Formação dos Servidores e Empregados Públicos do Estado de Pernambuco (Cefospe), com agendamento pelo aplicativo Atende em Casa. Com atendimento por demanda espontânea, e também gerido pelo Estado, há o Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa), funcionamento de segunda a sexta, das 7h às 15h, e o Centro de Convenções de Pernambuco (Cecon-PE), em Olinda, com atendimentos também aos fins de semana, a partir das 8h.

A SES destaca também, que há outros serviços de testagem que podem ser acessados por esses profissionais. Por meio do Atende em Casa (aplicativo para smartphone com sistema android ou acesso pelo www.atendeemcasa.pe.gov.br), é possível agendar para local, data e horário já especificados. Ao todo, 146 municípios aderiram a esse tipo de marcação.

A SES-PE frisa que os exames para detecção da doença devem atender alguns critérios para maior efetividade do resultado. O do tipo RT-PCR é indicado para quem está com sintomas gripais até o sétimo dia do início do quadro, podendo, porém, ser estendido até o décimo dia, caso persistam os sintomas; e o teste rápido, para os casos em que o paciente esteja há mais de sete dias do início dos sintomas e também com mais de 72h desde o desaparecimento dos sintomas. Esses também são ofertados pelas redes municipais.

Por fim, a SES lembra ainda que para profissionais da educação, e seus contatos no ambiente de trabalho e domiciliar, há centro de testagem na sede da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE), na Avenida Afonso Olindense, 1513, Várzea, no Recife. O centro funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h. O agendamento também é pelo Atende em Casa”.

*Nomes fictícios

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