Podemos estar em uma epidemia de sarna, diz pesquisador

O professor Alfredo Dias, do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF) da UFAL, ainda explica porque os primeiros casos foram registrados no Recife

por Victor Gouveia sex, 26/11/2021 - 15:47
chicgeekuk/Flickr Dermatite, como a sarna, é causada por ácaros chicgeekuk/Flickr

Um dos autores do estudo que apresenta a hipótese do surto de coceira na Região Metropolitana do Recife (RMR) estar associado ao uso indiscriminado de Ivermectina na pandemia, o professor Alfredo Dias, do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), aponta que podemos estar vivendo uma epidemia de sarna.

Casos semelhantes da lesão cutânea foram registrados anteriormente no Litoral de São Paulo e um alerta epidemiológico foi emitido em Belo Horizonte, na última quarta-feira (24), para monitorar a doença de pele misteriosa.

Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, o pesquisador aponta que o surto já era previsto por cientistas, já que o uso excessivo de medicação antimicrobiana, como antibióticos, antifúngicos e antiparasitários, como ocorreu na pandemia, cria microorganismos mais resistentes.

“Os parasitas são tão expostos àquele antimicrobiano, que eles aprendem a sobreviver e a substância acaba perdendo efeito sobre eles”, explicou Alfredo, que defende a Ivermectina como uma medicação segura e eficaz quando ministrada de forma correta. Inclusive, lembra que há 20 anos ela "já era o tratamento para quando a sarna fosse resistente".

O professor anuncia já podemos estar vivendo uma epidemia sem saber.

“É possível sim, podemos. A gente até discutiu no grupo de pesquisa porque nós não queríamos estar certos disso”, lamentou.

Por que primeiro no Recife?

A justificativa da disparada recente de casos no Recife pode estar relacionada à aptidão histórica que a cidade tem para monitorar quadros epidemiológicos e, dessa forma, ampliar a vigilância diante das primeiras notificações.

“Recife tem uma tradição epidemiológica de vigilância, inclusive têm institutos formadores de epidemiologia há décadas. Talvez [o surto] seja pela própria busca ativa e por considerar o problema relevante já de cara”, explica Dias.

Nesse sentido, a teoria de que o surto ocorre apenas na capital e, até o momento, se expandiu por seis cidades vizinhas significaria uma comunicação alinhada entre a rede de saúde e as secretárias, que recebem as informações e já iniciam a investigação dos casos.

Diagnóstico lento

Apesar dessa capacidade, a doença segue como um mistério e não tem prazo para ser esclarecida pelas autoridades sanitárias. O cientista explica que o diagnóstico lento seria uma medida de precaução.

“Existem várias doenças que se assemelham ao que tá aparecendo. Então eles precisam, de fato, fazer biopsia com material de várias pessoas para emitir a certeza sobre a causa do surto”, ensina.

Sintomas associados

Os pacientes relataram as mesmas queixas de manchas na pele, que geralmente se tornam feridas por conta da coceira intensa, características da doença. Contudo, também há relatos de sintomas não reconhecidos no quadro da escabiose como febre, inflamação na garganta e diarreia.  

Mas isso não descarta ainda a tese de ser mesmo um surto de sarna, já que os outros sintomas podem ser resultado de doenças adquiridas devido às fissuras abertas na pele. "Podem servir de ponto de entrada para infecções oportunistas", complementa o pesquisador.

Pesquisa

O principal fator que pode explicar o surto de lesões cutâneas na pele, caso confirmada a relação com o parasita Sarcoptes scabiei, causador da sarna, foi a disparada do consumo do remédio em doses elevadas e a repetição do uso em um curto intervalo por pacientes que se automedicavam ou foram mal orientados por médicos, como publicado em agosto.

Alfredo Dias e os demais pesquisadores analisaram mais de 50 estudos sobre resistência à medicação e aumento da incidência de sarna em todo o mundo.

“(Para se criar a resistência) precisava haver consumo alto de Ivermectina e quando foi registrado, havia se consumido o dobro. A gente teve 10 vezes mais uso na medicação (no Brasil”, revela.

A disseminação também já era prevista por pesquisadores do grupo composto pela também professora do ICF, Sabrina Neves, e pelos alunos Lucas Bezerra e Natalia Alves. Na visão destes, o surto poderia ser provocado pelo confinamento e questões socioeconômicas como a pobreza e a baixa escolaridade, que garantiriam uma "tempestade perfeita" para o ácaro.

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