Palestinos de Gaza trocam estudos por trabalho em Israel

A Faixa de Gaza, um minúsculo território com mais de 2 milhões de habitantes arrasado por guerras, tem uma taxa de pobreza de cerca de 60% e um desemprego endêmico que oscila em torno de 50%

qua, 23/03/2022 - 12:28
MOHAMMED ABED Palestinos cruzam passagem fronteiriça de Erez no norte da Faixa de Gaza para irem trabalhar em Israel, em 23 de fevereiro de 2022 MOHAMMED ABED

Quando Hussein obteve permissão para ir trabalhar em Israel, esse palestino de Gaza não hesitou nem por um segundo em interromper os custosos estudos que estava prestes a terminar para poder, finalmente, ganhar a vida.

Ter a possibilidade de trabalhar fora deste enclave bloqueado por Israel desde 2007 é como se "os portões do paraíso se abrissem diante de mim", afirmou o jovem mestrando em relações públicas no pobre território palestino.

"Não trabalho há anos e tenho US$ 3.500 de dívidas para pagar meus estudos", acrescenta este pai de três filhos, que prefere omitir seu sobrenome por se sentir, assim como os demais palestinos, envergonhado por ter de aceitar pequenos trabalhos em Israel para ganhar a vida.

Depois de deixar as salas de aula da Universidade da cidade de Gaza há alguns meses, Hussein é entregador em Yafa, um bairro de Tel Aviv. Para ele, esse emprego é uma oportunidade de melhorar a renda de sua família e, posteriormente, de retomar os estudos.

A Faixa de Gaza, um minúsculo território com mais de 2 milhões de habitantes arrasado por guerras, tem uma taxa de pobreza de cerca de 60% e um desemprego endêmico que oscila em torno de 50%.

A renda por habitante se situa em torno de US$ 1.400 por ano, segundo dados oficiais.

- Reabertura -

Mahmud, de 40 anos, foi contratado por um restaurante de Herzliya, uma cidade litorânea ao norte de Tel Aviv, depois de anos trabalhando para organizações internacionais em Gaza. Estas últimas estão entre os empregadores mais desejados por seus salários elevados.

Sua licenciatura em serviço social não lhe serve de nada no estabelecimento onde trabalha agora, mas esta não é a prioridade no momento. Fazendo muitas horas extras, pai de três filhos pode ganhar até 550 shekels (US$ 170) por dia, além de comida e hospedagem, números que estão muito longe dos padrões de Gaza.

Em Israel, a maioria dos trabalhadores de Gaza ganha entre 250 e 700 shekels (US$ 78 e US$ 218) em agricultura e construção, muito mais do que se ganharia em Gaza, embora não disponham de seguridade social.

Desde o bloqueio de Gaza por parte de Israel, decorrente da chegada do movimento islâmico Hamas ao poder na Faixa de Gaza, "não há mais oportunidades de trabalho", lamenta Mahmud.

Antes de 2007 e do bloqueio israelense, cerca de 120.000 habitantes de Gaza trabalhavam em Israel.

Em 2019, Israel voltou a conceder permissões para homens casados com mais de 26 anos que atendam a certos critérios de segurança.

Nos últimos meses, após quase um ano e meio de fechamento da passagem fronteiriça de Erez, no norte de Gaza, devido ao coronavírus, as autoridades israelenses emitiram 12.000 autorizações. A maioria dela tem seis meses de duração, renováveis.

Desde então, o estacionamento do posto de controle de Erez, entre Gaza e Israel, está lotado de táxis e micro-ônibus esperando por eles.

- Sem proteção social -

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Gaza, Sami al-Amsi, diz que Israel pode conceder permissões para mais palestinos deste território em um futuro próximo. Embora veja isso como uma boa notícia, também pede que a proteção social seja garantida nos contratos.

Hoje, os habitantes de Gaza estão cobertos contra acidentes, apenas se seu empregador concordar em pagar pelo seguro, o que raramente acontece, diz a organização israelense Kav LaOved.

Há algumas semanas, um homem de Gaza foi atropelado por um veículo em seu local de trabalho em Israel. Mas "sua família não recebeu nenhuma indenização", lamenta Al Amsi.

Isso não assusta Adham, um homem de 35 anos com três diplomas em saúde pública e ciência da computação.

"Não tenho exigências, poderia trabalhar em um restaurante, supermercado, ou numa fábrica", garante.

Abu Oday, que recentemente solicitou uma permissão de trabalho, também não.

"Trabalho há 15 anos como jornalista freelancer", diz o fotojornalista de 38 anos, que prefere se apresentar sob pseudônimo. "Mas não consigo pagamentos decentes, salvo quando há uma guerra", acrescenta.

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