Após dirigir, mulheres sauditas consertam carros

Embora o governo afirme encorajar as mulheres a trabalhar, a incursão feminina em um setor como o mecânico, dominado por homens na Arábia Saudita e em grande parte do mundo, nem sempre é bem-vinda

sex, 03/06/2022 - 08:41
Fayez Nureldine Mecânica saudita repara automóvil em Jidá, em 26 de maio de 2022 Fayez Nureldine

Há apenas quatro anos, as mulheres sauditas nem podiam dirigir. Agora, um grupo de mulheres vai mais longe e aprende a consertar veículos em uma oficina de Jidá, desafiando os costumes de um reino ainda muito conservador.

Embora o governo afirme encorajar as mulheres a trabalhar, a incursão feminina em um setor como o mecânico, dominado por homens na Arábia Saudita e em grande parte do mundo, nem sempre é bem-vinda.

Ghada Ahmad trabalha na oficina Petromin Express, que tem outras quatro funcionárias. Recentemente, um cliente ordenou que todas as mecânicas saíssem e ficassem longe de seu carro, conta.

"No começo, é normal que não confiem porque sou mulher", diz essa mecânica de trinta e poucos anos, vestida de macacão azul e luvas brancas manchadas de óleo.

"É algo novo para eles. Depois de anos vendo apenas homens", ressalta.

À medida que aprendia o básico, como verificar o nível do óleo ou trocar os pneus, foi assaltada por dúvidas. "Cheguei em casa com as mãos inchadas e chorei dizendo para mim mesma: 'esse trabalho não é para mim, eles estão certos'", explica.

Mas as habilidades adquiridas e os comentários encorajadores de outros clientes fortaleceram sua confiança.

"Um homem me disse: 'Estou muito orgulhoso de você. Você nos honra'", lembra a jovem, que está especialmente feliz com esse trabalho por causa da interação com os clientes.

A Petromin, grande empresa de serviços automotivos que possui a oficina em Jidá, não hesita em promover essa integração.

Seu vice-presidente, Tariq Javed, estima que "esta iniciativa incentivará mais mulheres a ingressar na indústria automotiva em todos os níveis".

- Permissão do marido -

A integração das mulheres na esfera pública faz parte da "Visão 2030", a estratégia do príncipe herdeiro Mohamed bin Salman para restaurar a controversa imagem de seu país e diversificar uma economia extremamente dependente do petróleo.

Em 2018, as mulheres sauditas foram autorizadas a dirigir após uma proibição de décadas.

A concessão desses tipos de direitos, porém, anda de mãos dadas com uma repressão implacável contra as ativistas feministas que os reivindicam.

O país também relaxou as regras de "tutela" que regem a autoridade que os homens exercem sobre as mulheres de sua família.

Todos as mecânicas de Jidá garantem que jamais teriam trabalhado sem o consentimento do marido.

Antes de se candidatar, Ola Flimban, de 44 anos, era dona de casa e pediu a opinião do marido, Rafat, que a ajudou a se preparar para a entrevista e memorizar o nome das peças.

Na oficina, Ola também deve enfrentar os clientes mais céticos. "Eles ficam surpresos com o fato de haver mulheres que trabalham nessa área e nos perguntam como nos apaixonamos pelo trabalho. Essa é a pergunta mais comum", diz.

A feminização da oficina agrada as clientes, que ficam mais relaxadas do que conversando com um homem, diz Angham Jeddawi, funcionária de 30 anos.

Para ela, fazer esse trabalho é realizar o sonho de uma vida, que antes acreditava ser impossível.

"Meu sonho era entrar no setor automotivo, mas para uma mulher saudita isso não era possível. Então, quando surgiu a oportunidade, me candidatei imediatamente", conta.

Essa experiência também a incentivou a dirigir e ela está estudando para obter uma licença. "Agora, se houver algum problema na estrada, saberei como reagir", comenta.

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