'Cronoterapia': o relógio pode ajudar a curar doenças?

Segundo seus defensores, suas aplicações seriam diversas, da cancerologia à cardiologia, passando pela neurologia

qua, 24/08/2022 - 11:51
JOEL SAGET Há várias décadas, estudos mostraram que nossos órgãos são mais ou menos ativos ao longo de 24 horas JOEL SAGET

Ao longo das 24 horas de um dia, o funcionamento do corpo muda. Esse relógio biológico profundamente inscrito está se tornando mais conhecido, a ponto de alguns médicos quererem usá-lo como instrumento contra várias doenças.

"Existe um conjunto de relógios no corpo que estão lá para otimizar seu funcionamento: isso se chama sistema circadiano", resume Claude Gronfier, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), órgão público francês dedicado à saúde humana.

Sua existência é conhecida há tempo. Estudos mostraram, há várias décadas, que os órgãos são mais ou menos ativos ao longo das 24 horas. O intestino, o fígado e o coração têm tendência a trabalhar mais em determinadas horas, independente do ritmo das refeições ou da atividade física.

Paralelamente, pesquisas feitas com animais e depois com humanos revelaram que este ritmo não era apenas uma resposta ao mundo exterior, como a sucessão do dia e da noite. Está inscrito nas células, começando pelos neurônios do cérebro.

Essas pesquisas já foram notáveis o suficiente para render a três cientistas um Prêmio Nobel de Medicina em 2017. Mas nos últimos anos elas foram ainda mais fundo e mostram até que ponto esse relógio é encontrado em todas as células.

"Há relógios no fígado, no coração, no pulmão, no rim, na retina...", enumera Gronfier.

Compreensão da dor 

E já se sabe que esses relógios têm efeitos muito variados. Um estudo dirigido por Claude Gronfier, publicado este verão na revista Brain, sugere que a percepção da dor varia em intensidade ao longo das 24 horas.

No decorrer desta pesquisa, 12 homens foram isolados de quase qualquer estímulo externo por um dia e meio e expostos a cada duas horas a uma sonda aquecida. Seu limiar de dor variou sistematicamente ao longo do tempo.

Para o pesquisador, esse é um passo crucial para uma melhor compreensão da dor. No futuro, ele diz, poderia ser melhor tratada levando em conta suas oscilações durante um dia.

Alguns médicos e cientistas acreditam que esses ritmos já são bem compreendidos o suficiente para serem usados como instrumento contra várias doenças.

É o que chamam de "cronoterapia" ou "medicina circadiana". Segundo seus defensores, suas aplicações seriam diversas, da cancerologia à cardiologia, passando pela neurologia.

Nas doenças de Alzheimer ou Parkinson, por exemplo, é conhecido o desequilíbrio do relógio biológico. Mas agora se sabe que esse desajuste muitas vezes precede os sintomas e, portanto, pode ser uma causa evitável e não uma consequência.

A hora e a quimioterapia

No entanto, em geral, "ainda temos o desafio de colocar em prática esse conhecimento sobre o papel dos relógios circadianos na realidade médica", alertaram os pesquisadores Ravi Allada e Joseph Bass no ano passado no New England Journal of Medicine.

Há também uma falta de técnicas que permitiriam ao médico diagnosticar facilmente um desequilíbrio do relógio biológico e, portanto, aconselhar o paciente a mudar seu estilo de vida para evitar problemas de saúde.

Outras pistas podem colidir com a realidade, como a ideia certamente defendida com entusiasmo por Claude Gronfier, de levar em conta a hora do dia para administrar a quimioterapia a um paciente com câncer.

"Vamos imaginar que um teste mostre que o tratamento deve ser administrado entre 22h e 8h: isso trará problemas organizacionais", já que a quimioterapia é feita por perfusão no hospital, diz à AFP o cancerologista Pierre Saintigny.

Levando em consideração os problemas enfrentados pelos sistemas de saúde da maioria dos países, seria necessário não só comprovar o efeito positivo dessa cronoterapia, "mas também que tivesse um impacto significativo na resposta ao tratamento e na sobrevivência dos pacientes", conclui Saintigny. No momento, os estudos nesse sentido são insuficientes, acrescenta.

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