Movimentos negros se unem em ato nacional antirracista
Ato nacional pede fim da violência policial e se manifesta contra o assassinato de Mãe Bernadete, na Bahia
Manifestações pacíficas, organizadas pela união de movimentos negros, ocupam diversas cidades no Brasil nesta quinta-feira (24). A data foi escolhida por marcar o aniversário de 141 anos da morte de Luiz Gama, primeiro advogado negro do Brasil e Patrono da Abolição da Escravidão no país. Em Pernambuco, o ato foi realizado na praça da UR-11, no bairro do Ibura, na zona Sul do Recife.
A jornada dos movimentos negros contra a violência policial foi pensada como forma de se manifestar contra as chacinas ocorridas nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, em julho e agosto deste ano, que resultaram na morte de 45 pessoas. Os grupos também lembram a morte da Ialorixá Mãe Bernadete, que foi assassinada em sua casa na última quinta-feira (17), na região metropolitana da Bahia, atingida por 14 tiros.
O ato local foi realizado por diversos grupos como a Articulação Negra de Pernambuco, o Centro Comunitário Mário Andrade, Feministas Antirracistas Socialistas, Afoxé Alafin Oyó, Coalizão Negra por Direitos, coletivos sindicais, entre outros.
Um dos participantes ativos é João José da Silva, militante do Coletivo de Entidades Negras e do Movimento de Luta Popular e Comunitária de Pernambuco. Ao LeiaJá, João explicou a razão da escolha do local do ato no estado. "A gente aqui em Pernambuco não fez no centro da cidade porque as violências policiais ocorrem nas periferias, e aí a gente adotou aqui em Pernambuco na periferia, em uma das áreas que tá sendo mais [atingida]", afirmou João.
João José da Silva. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
"A gente preferiu fazer aqui na UR-11 porque também é um ponto que tem sido muito chocante a atividade policial em cima dos nossos jovens negros e negras", continuou.
Presença contra injustiças
O ato contou com a participação de Joelma Andrade, mãe de Mário, adolescente de 14 anos que foi morto por um policial em 2016. “Esse ato representa toda a minha luta. Amanhã faz sete anos e um mês que eu estou sem meu filho através de um policial que exterminou Mário, ele tinha 14 anos. E nesse ato hoje é para mostrar mais uma vez que a gente, o povo preto, tem voz.”
Joelma Andrade. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
Em uma batalha judicial para reivindicar justiça pela vida do seu filho, Joelma é fundadora do Centro Comunitário Mário Andrade,espaço que tem por objetivo promover atividades que possam afastar os jovens periféricos da violência e do crime. “De 2016 para cá que eu venho nessa luta antirracista, antigenocida, que a gente que mora em comunidade sabe o que a gente passa. Infelizmente, com essa polícia que entra na comunidade para matar. A PM, ‘Preparada pra Matar’, o nome ‘PM’ para mim já diz tudo. E participar desse ato hoje é mais do que importante. Mostrar que são sete anos de luta, mas sete anos que eu tô de pé. Não desistir, não vou desistir nunca de lutar. Existem vários outros Maridos, várias outras Joelmas mas que eu luto pra que permaneça a vida”, declarou.
A realidade que se repete na história
A violência policial em favelas no Brasil é um fenômeno que reflete o despreparo do Estado para lidar com o cumprimento da lei e com a segurança pública. A lembrança de Luiz Gama serve para marcar também as ações de repressão policiais, que datam desde sua criação, como explica Yasmim Alves, militante dos grupos Feministas Antirracistas Socialistas e Afoxé Aladin Oyó.
Yasmim Alves. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
“A origem da polícia militar vem com a vinda da [Família Real ao Brasil, no século XIX], então a Polícia Militar, originalmente chamada Guarda Militar, era voltada para proteger a nobreza, e isso no período colonial. Hoje no período da República, a Polícia Militar ainda serve aos interesses da burguesia branca, para controlar, assassinar e exterminar determinada parte da sociedade, que é preta, trabalhadora. Até leis antigas, como a lei que criminalizava a capoeira, lei que criminalizava o maracatu, hoje em dia, por exemplo, a lei de drogas não é para a gente enfrentar a questão do tráfico, é para prender e encarcerar pessoas negras porque quando você vai olhar quem está encarcerado não é quem realmente é responsável pela questão do tráfico”, explanou Alves.
Reivindicações coletivas
Durante o ato foi distribuído um manifesto que reúne demandas que podem garantir mais segurança para a parcela da população que é frequentemente vítima de ações truculentas das forças armadas. Yasmim listou algumas delas:
“A desmilitarização da Polícia Militar. Isso significa tirar o vínculo da Polícia Militar do Exército. Desvincular e tirar esse caráter da Polícia [de ser associada ao] confronto. E isso traz também, por exemplo, a possibilidade de sindicalização dos próprios policiais, direito a greve (...)”, explicou.
“A criação de conselhos populares, com poderes reais para definir as prioridades orçamentárias e de uso das forças de segurança. A gente não debate orçamento para cultura? A gente não debate orçamento para educação? Por que a gente não debate orçamento para as forças de segurança?”, questionou.
“Proibir o uso policial de gás lacrimogênio, balas de borracha, estrangulamentos e equipamento militar, desarmar policiais em patrulha. Para que aquelas armas de patrulha?”
“O reconhecimento dos terreiros, espaços do sagrado e pela titulação dos territórios quilombolas no Brasil, para que eles tenham proteção e para que a gente não tenha mais Ias como aconteceu com Mãe Bernadete e com várias outras pessoas”, complementou Alves.
Primeiro dia de uma longa Jornada
Segundo Ademir Damião, militante da Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), os grupos têm uma agenda que deverá ser cumprida nos próximos meses, sendo este o primeiro dia da jornada. “A ideia da gente é em setembro e outubro realizar mais dois atos. Em setembro será em Jaboatão [dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife], e em outubro possivelmente no Cabo [de Santo Agostinho], que são municípios que têm [um alto nível de mortalidade] de gente negra, de várias formas. E em novembro, no dia 20, que é dia de Zumbi e de Dandara, a gente vai realizar um grande ato no centro da cidade e entregando à governadora [Raquel Lyra], exigindo dela, a nível de Estado, questões concretas que acabe com essa matança do povo negro”, explicou Damião.