'Não lembro' de reunião e 'não pedi empréstimo para o PT'
O valor nunca foi pago formalmente, tendo sido quitado por contrato da Petrobras, sustenta a força-tarefa da Operação Lava Jato
"Não lembro, se eu lembrasse, eu falava para o senhor." O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares negou ao juiz federal Sérgio Moro ter pedido empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões ao Banco Schahin para o PT e disse que não se recorda de reunião, em 2004, com executivos do banco e o pecuarista José Carlos Bumlai - amigo do ex-presidente Lula - para tratar do assunto. O valor nunca foi pago formalmente, tendo sido quitado por contrato da Petrobras, sustenta a força-tarefa da Operação Lava Jato.
"Estão fazendo uma armação, estão aprontado em cima de Delúbio Soares, que era o tesoureiro do PT, porque não é comigo a armação, é contra o PT", disse Delúbio, que foi secretário de Finanças do PT de 1999 a 2005 - até ser pego no mensalão e expulso do partido.
Réu em processo por lavagem de dinheiro, que envolve ainda o publicitário Marcos Valério - ambos condenados no mensalão -, Delúbio atribuiu a dois publicitários da campanha do ex-prefeito de Campinas Hélio de Oliveira Santos, o Dr. Hélio, do PDT, a operação financeira que a força-tarefa afirma ter sido feita pelo PT.
A força-tarefa da Lava Jato afirma que em 2004 o PT conseguiu no banco Schahin, por meio de um empréstimo fraudulento em nome de Bumlai, R$ 12 milhões. Metade teria sido enviada para Ronan Maria Pinto e outra metade para os publicitários Armando Peralta e Giovanni Favieri, responsáveis pela campanha de Dr Hélio, em Campinas, ligados ao ex-governador Zéca do PT - responsável por aproximar Lula e Bumlai.
A dívida nunca foi quitada diretamente, mas sim com um contrato do esquema de cartel e corrupção na Petrobras dirigido para o Grupo Schahin de operação de um navio-sonda, usado para explorar petróleo em alto mar - negócio de US$ 1,6 bilhão, fechado em 2009.
Delúbio e Marcos Valério foram interrogados como réus em processo da Lava Jato, em Curitiba, por crime de lavagem de dinheiro. O processo trata dos R$ 6 milhões - parte dos R$ 12 milhões - repassados para o empresário Ronan Maria Pinto, dono de empresas de ônibus do ABC paulista. O dinheiro serviu para a compra do controle acionário do jornal Diário do Grande ABC e também para aquisição de ônibus para suas empresas de transporte público coletivo.
Delúbio negou que tivesse relação com a operação ilícita de repasse e disse não conhecer Ronan.
Reunião
Um dos donos do Grupo Schahin, Salim Taufic Schahin, e o ex-presidente do Banco Schahin Sandro Tordin confirmaram terem participado de uma reunião com o pecuarista amigo de Lula em que Delúbio teria acertado o empréstimo de R$ 12 milhões para o PT.
"Não tratei desse empréstimo. Nunca tratei da liquidação desse empréstimo, porque não sabia do empréstimo."
Delúbio, que já fez acareação no processo com Bumlai - em que o pecuarista confirmou sua presença no encontro em 2004 para acerto do empréstimo do banco para o PT -, manteve em juízo sua versão de que nunca conversou com Bumlai "sobre empréstimo".
O juiz da Lava Jato quis saber se ele esteve na reunião em que foi tratado do tema. "Bumlai disse que eu estava lá e que precisava do dinheiro. Eu não me lembro disso. Nunca cheguei para o senhor José Carlos Bumlai e disse 'precisamos do dinheiro, você pode pegar esse dinheiro emprestado e fazer esses repasses?'. Nunca fiz isso com ele, nunca conversei esse assunto com ele."
"Se eu estava em uma reunião e eles já tinham conversado, os dois, os três, a direção do banco, o Schahin e o Sandro Nunca pedi empréstimo para a Schahin, nem para o Sandro, nem pedi para o senhor José Carlos Bumlai para pegar o dinheiro."
Moro voltou a perguntar se Delúbio participou da reunião em que os demais envolvidos o citam, em que foi acertado o repasse de R$ 12 milhões ao PT via Bumlai.
"Eu não lembro, não lembro", voltou a dizer. "Eles fizeram o empréstimo e estão encontrando um meio de dizer que foi o PT. Se eu quisesse, eu tinha pedido, assim como eu pedi para o Banco Rural, para o BMG."
"Mas os três falaram que o senhor estava na reunião", insistiu Moro.
"Não lembro de estar e não falei nada disso. Sempre assumi minha responsabilidade. O PT nunca pediu dinheiro para a Schahin, nem para o senhor José Carlos Bumlai pegar um empréstimo e fazer essa triangulação que foi feita."
Mensalão
Pivô do primeiro grande escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, o publicitário Marcos Valério confirmou em depoimento a Moro - antes de Delúbio - que o ex-secretário do PT Sílvio Pereira teria pedido a ele para ajudar no repasse de R$ 6 milhões para o Ronan, que estaria fazendo chantagem. As ameaças seriam feitas contra Lula e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho.
Em depoimento prestado no mensalão, em 2012, Valério declarou saber que Ronan Maria Pinto estaria chantageando a alta cúpula do PT, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, para não associar o grupo ao assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel - morto em 2002.
O caso Celso Daniel é um capítulo emblemático do PT. O então prefeito de Santo André foi sequestrado e assassinado a tiros em uma estrada de terra de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. O Ministério Público Estadual afirma que ele foi vítima de crime político porque tentou interromper o ciclo da corrupção em sua gestão quando descobriu que a propina era destinada ao enriquecimento pessoal dos envolvidos.
Por sua vez, a polícia concluiu que o petista foi morto por criminosos comuns.