STF começa a julgar demarcações das terras indígenas

"Marco temporal" é a tese mais importante da matéria, que prevê garantia de terra apenas àqueles que comprovar que já estavam no território na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988

por Vitória Silva qua, 30/06/2021 - 15:56
Marcelo Camargo/Agência Brasil Líder do povo yanomami. Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta quarta-feira (30) o julgamento que pode decidir o futuro da demarcação de terras indígenas no Brasil e validar a tese da promulgação de 1988. A Corte analisa os efeitos do parecer 001/2017 da Advogacia-Geral da União (AGU) que oficializou a tese do “marco temporal”. A norma vem sendo usada desde o governo de Michel Temer para paralisar e reverter o reconhecimento de terras ocupadas. Por essa interpretação, a posse da terra só é garantida àqueles que puderem comprovar que já estavam no território na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Na Câmara, através da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Projeto de Lei Nº 490/2007 já avança para apreciação do plenário. Depois dessa fase, o texto precisa ser enviado e aprovado pelo Senado, antes de ir à sanção ou veto presidencial.

Na frente da Câmara e em rodovias da capital federal, lideranças indígenas de diversas etnias protestam, há quase três semanas, para a reavaliação da matéria e participação dos líderes em, pelo menos, uma audiência pública que ouça as reivindicações dos povos originários. Na Casa, os indígenas contam com a argumentação da oposição, cuja figura central é a de Joenia Wapichana, primeira e única indígena na casa legislativa.

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O Projeto de Lei 490/2007

O texto busca consolidar em lei um ponto polêmico, que é a tese do marco temporal. A proposta garante como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros apenas aquelas que, na promulgação da Constituição de 1988, eram simultaneamente: por eles habitadas em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas; imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

A comprovação desses requisitos deverá ser devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos. A ausência da comunidade indígena na área pretendida em 5 de outubro de 1988 impede o direito à terra, salvo em caso de conflito possessório, fato que deverá ser devidamente comprovado.

Segundo o texto, a demarcação contará obrigatoriamente com a participação dos estados e municípios em que se localize a área pretendida e de todas as comunidades diretamente interessadas, sendo franqueada a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil, desde o início do processo administrativo demarcatório, a partir da reivindicação das comunidades indígenas.

É assegurado aos entes federados o direito de participação efetiva no processo administrativo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Áreas reservadas

O texto cria as “áreas indígenas reservadas”, destinadas pela União à posse e ocupação por comunidades indígenas, de forma a garantir sua subsistência digna e preservação de sua cultura, que poderão ser formadas por: terras devolutas da União discriminadas para essa finalidade; áreas públicas pertencentes à União; e áreas particulares desapropriadas por interesse social.

As reservas, parques ou colônias agrícolas indígenas constituídas nos moldes do Estatuto do Índio serão consideradas áreas indígenas reservadas.

As áreas indígenas reservadas são de propriedade da União, ficando a sua gestão a cargo da comunidade indígena, sob a supervisão da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Caso, em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo, seja verificado não ser a área indígena reservada essencial à garantia da subsistência digna e preservação da cultura da comunidade, a União poderá retomar a terra, dando outra destinação de interesse público ou social; ou destiná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária.

São áreas indígenas adquiridas as havidas pela comunidade mediante qualquer forma de aquisição permitida pela legislação civil, tais como a compra e venda ou a doação.

Mineração e garimpo

Com relação ao uso e à gestão das terras indígenas, a proposta estabelece que o usufruto da terra pelos povos originários não abrange:

- O aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

- A pesquisa e lavra das riquezas minerais, que também dependerão de autorização do Congresso, assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;

- A garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; e

- As áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União.

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