Gomes de Mattos desdenha divulgação de áudios da ditadura
O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Luís Carlos Gomes de Mattos, disse que a divulgação é "notícia tendenciosa"
O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Luís Carlos Gomes de Mattos, desdenhou da divulgação dos áudios dos anos 1970 de integrantes do próprio tribunal que comprovam a prática de tortura durante a ditadura militar. Na sessão do tribunal desta terça-feira (19), ele afirmou que a divulgação dos áudios é "notícia tendenciosa" para "atingir as Forças Armadas".
Os áudios foram divulgados no último domingo (17), na coluna da jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo. Eles foram resgatados pelo historiador Carlos Fico, titular de história do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O STM passou a gravar as sessões a partir de 1975, às secretas. São 10 mil horas de material até 1985. Com a autorização da Justiça, o historiador conseguiu copiar todas as sessões das gravações, que estão sendo transcritas.
"Tivemos aí alguns comentários contra o nosso tribunal ou contra a Justiça Militar de maneira geral", declarou nesta terça-feira o presidente do STM, para quem a intenção da divulgação é "atingir Forças Armadas, Exército, Marinha, Aeronáutica", afirmou o presidente do STM.
De acordo com ele, os ministros são "absolutamente transparentes" nos julgamentos. "Não tenho resposta nenhuma para dar. Simplesmente, ignoramos uma notícia tendenciosa daquela que nós sabemos o motivo. Aconteceu durante a Páscoa. Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém — porque a minha não estragou. Garanto que não estragou a Páscoa de nenhum de nós", afirmou.
Ele disse estar incomodado porque "só varrem um lado, não varrem o ouro". "Apenas a gente fica incomodado que vira e mexe vem porque não tem nada para buscar. Hoje, vão rebuscar o passado. Agora, só varrem um lado, não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso. Deixa para lá", declarou.
Para Gomes de Mattos, as informações reveladas nos áudios são "besteiras" e "idiotices", que não devem ser dadas respostas. "Nós temos a credibilidade do nosso povo e isso aí é o mais importante. Às vezes dói, viu? Às vezes, dá vontade de você responder, sacudir, mostrar. Não adianta. Você vai sacudir, não vai adiantar nada, porque não muda. Passam-se os anos e a pessoa diz a mesma coisa, as mesmas besteiras, as mesmas idiotices. E nós vamos ficar respondendo? Não, na minha opinião".
Conteúdo dos áudios
Nos áudios, um general defende a apuração do caso de uma grávida de três meses que abortou depois de receber choques elétricos na genitália, que ocorreu no dia 8 de abril de 1974, como diz no conteúdo.
Em julgamento no dia 13 de outubro de 1976, o ministro togado Waldemar Torres da Costa afirma que, às vezes, não dá para provar as torturas. "Começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que são realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e às vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente".
O historiador Carlos Fico explicou ao O Globo que, em 2006, o advogado Fernando Fernandes pediu ao STM acesso às gravações, mas não conseguiu e acionou o STF, que determinou a liberação. No entanto, o STM não obedeceu a ordem e, em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso restrito aos autos, decisão que foi posteriormente referendada pelo plenário.
Ao g1, o professor relatou que por mais que as pessoas tentem negar a tortura da ditadura, cabe aos historiadores mostrar a história como é. "Quando a gente vive tempos traumáticos, algumas pessoas tendem a criar memórias que as apaziguem com o passado. Outra coisa é a história. Não há dúvida que houve tortura, isso é óbvio. É até um pouco reiterativo, repetitivo dizer que houve tortura. Houve. Ponto final. Claro que houve. Outra coisa é a memória que algumas pessoas constroem, de negação da tortura".
A Comissão Nacional da Verdade divulgou, em 2014, um relatório que responsabilizou 377 pessoas por crimes cometidos durante a ditadura, dentre eles, tortura e assassinato. O documento também apontou 434 mortos e desaparecidos na época, além de 230 locais de violações de direitos humanos. O Clube Militar chamou o relatório de "coleção de calúnias" e de "absurdo".