Aos 20 anos, Roni Peterson perdeu seu primeiro emprego de montador na fábrica da General Motors de São José dos Campos (SP), conquistado um ano e meio antes. Era 1998, ano da crise asiática, que teve impacto nas economias mundiais. A produção da indústria automobilística, que em 1997 tinha sido a maior da história, despencou 23%.
Após dois anos desempregado, Peterson recuperou a vaga na montadora, onde está até hoje, aos 38 anos. Casado, pai de duas meninas de dez e três anos, ele teme enfrentar a mesma decepção da juventude. A GM vai deixar de produzir automóveis no complexo oficialmente inaugurado em 1959 pelo então presidente Juscelino Kubitschek e pode demitir 1,5 mil trabalhadores.
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Peterson não trabalha no setor ameaçado. É funcionário da linha de montagem da picape S10, única a operar em três turnos no complexo. "Se tiver demissão, não significa que vai atingir só o pessoal do setor, mas todo mundo corre risco", diz. "Nos últimos dias está um clima angustiante na fábrica. Ninguém conversa, ninguém brinca".
O complexo emprega 7,2 mil funcionários em oito fábricas. A que está ameaçada é a MVA, que até o mês passado produzia os modelos Corsa, Classic, Meriva e Zafira. Hoje, só resta o sedã Classic, que também é feito nas fábricas de São Caetano do Sul (SP) e da Argentina, e só fica atrás do Celta em vendas.
São José é responsável por 25% da produção do Classic e, segundo a GM, o modelo foi levado para lá para reforçar a linha dos outros três carros que já vinham perdendo vendas por serem antigos. A Meriva e a Zafira foram substituídas pelo Spin, feito em São Caetano. O Corsa saiu de linha para dar lugar à família Ônix, que será feita em Gravataí (RS) no início de 2013.
As outras unidades do complexo produzem a S10 - e, até o fim do ano, a nova Blazer -, motores, cabeçotes, transmissões, estamparia, peças plásticas e kits para exportação (CKDs).
Os próprios funcionários avaliam que só o Classic não será suficiente para sustentar uma linha e se preparam para ver o fim da produção de automóveis na fábrica que produziu o Chevette - que vendeu 1,6 milhão de unidades - e o Kadett. No auge da produção, em 1997, a fábrica chegou a ter 11 mil funcionários.
"Dos 18 anos que estou na fábrica, essa é a pior fase que enfrento", afirma José Monteiro Silva, de 47 anos. Tapeceiro na MVA, ele é da Cipa e, portanto, tem estabilidade no emprego, mas diz que sofre ao ver companheiros contarem que não conseguem mais dormir. "Vi um colega chorando de desespero." Na saída do primeiro turno na quinta-feira, às 15h, muitos trabalhadores cruzavam os portões cabisbaixos. Poucos aceitaram dar entrevistas e a maioria pediu para não ter os nomes citados.
Um deles, de 47 anos, está na GM há 27. Foi contratado no ano em que a empresa enfrentou uma das mais polêmicas greves, que resultou na ocupação da fábrica por grevistas que fizeram 370 funcionários reféns por 36 horas. "Hoje a situação é ainda pior. Se fecharem a MVA, vai ter mais de 1,5 mil demissões".
Explicações. A direção da GM foi convocada pelo Ministério da Fazenda para dar explicações na terça-feira sobre a ameaça de cortes. Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff cobrou a manutenção de empregos dos setores que foram beneficiados pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A GM já abriu um programa de demissão voluntária que teve a adesão de 356 trabalhadores. Alguns alegam terem sido "forçados" a aderir.
O diretor de relações institucionais da GM, Luiz Moan, tem dito que a empresa cumpre o acordo de manutenção de vagas, pois está contratando em outras unidades. Neste mês, abriu 250 vagas em Gravataí e 300 na fábrica de motores que vai inaugurar em Joinville (SC).
No dia 4, a GM, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, a prefeitura e o Ministério do Trabalho voltam a se reunir para analisar propostas que possam evitar as demissões ou, ao menos, adotar um processo menos traumático. "Eu consegui esse emprego há apenas um ano, tenho muitas dívidas e, se perdê-lo, ser muito complicado", afirma Rodrigo Alves, funcionário da MVA.
Sem acordo. A GM não alega problemas de mercado para fechar a fábrica de carros, mas de falta de flexibilidade por parte da direção do Sindicato dos Metalúrgicos, com quem tem dificuldades de fechar acordos há vários anos. "A fábrica de São José é a única que não tem banco de horas", exemplifica Moan.
Segundo ele, em razão dessas dificuldades, projetos novos foram para outras fábricas. Com o fim da linha dos modelos mais antigos, não há produtos para substituí-los. "O último acordo que fizemos foi em 2008, para a produção da nova S10". Segundo a GM, o acordo previa redução dos salários para novas contratações e trabalho extra quando necessário, mas não foi renovado pelo sindicato em 2010.
O presidente do sindicato, Antonio Ferreira de Barros, afirma que há cinco meses busca novas propostas da GM, mas nada foi apresentado. "O sindicato é apontado como a parte radical, o intransigente nas negociações, mas o que falta é justamente uma proposta da GM. Queremos acreditar que dia 4 ocorra um avanço por parte da empresa pois, do ponto de vista econômico, não há razão para demitir."
No meio automobilístico, contudo, há quem acredite que, no longo prazo, a GM poderá fechar todo o complexo.
As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.