Aos 74 anos, Fernando Zacarias se prepara para desfilar mais uma vez ao lado do neto no maior bloco do mundo: o Galo da Madrugada. De um sonho de criança, ele jamais imaginou que um dia chegaria a conquistar o tão esperado posto de porta-estandarte de um bloco carnavalesco. Morador do bairro do Fundão, no Recife, foi na casa de número 91 onde morava, na rua Maria Digna, que aos 9 anos Zacarias fez seu primeiro estandarte, uma espécie de bandeira das agremiações que fica estendida por uma haste e apresenta o desfile. O sonho de criança cresceu e só fez aumentar para que, no ano de 1973, o pequeno folião realizasse o desejo de assumir o posto de porta-estandarte de um bloco. Um ano depois, Zacarias já não era um mero pernambucano, ele se tornava em 1974 o melhor porta-estandarte do Carnaval da primeira competição realizada pela Prefeitura do Recife. Título esse que desceu um degrau no ano posterior, mas depois retornou ao topo do pódio por três anos seguidos. Com tanto talento, não bastou muito tempo para que Enéas Freire, fundador do Galo da Madrugada, bloco esse que surgia no ano de 1978, visse no jovem sonhador um futuro brilhante e concreto. Com muita sincronia, Zacarias já sustenta o posto há 40 anos. Vestido em referência a Luís 15, rei da França no século 18, o seu maior diferencial é o zelo pelo figurino, que tem roupa, sapato, meião, peruca. Quem desenha e faz a fantasia é a sua filha. Todo ano, o conjunto precisa ser igual ao estandarte e diferente. E é na sua casa que ele guarda as lembranças de tantos carnavais. \"Eu faço questão e tenho o maior prazer de todo ano comprar minhas coisinhas e decorar tudo. Eu acho que não só é uma profissão que escolhi, mas sim uma honra. Por isso, preciso vestir a melhor roupa e ficar lá brilhando, sorrindo e chique\", brinca Zacarias. Diferente dos passistas de frevo, para ser porta-estandarte é preciso acompanhar o ritmo da orquestra e fazer alguns movimentos, que não tem nomes, mas são poucos. Além disso, o profissional precisa aguentar as roupas e o peso do estandarte. No desfile do Galo por exemplo, desde 2011, Zacarias precisa conquistar os foliões ao longo dos 6 km do percurso, pelas ruas do Centro do Recife. Para quem viu o Galo surgir e crescer, hoje permanece a missão de representar o bloco e apresenta-lo a milhares de foliões do mundo inteiro. \"É algo grandioso, disso eu posso falar. Não tem explicação. Toda vez que passo nas avenidas, nos locais, eu lembro de todo o nosso esforço e chega choro. A maior emoção para mim é quando soltam os fogos na saída. Aí, o coração não aguenta. É uma emoção muito grande todos os anos. Eu sinto uma alegria tão forte dentro de mim. É um prazer, uma felicidade\", desabafa seu Zacarias. Completando 40 anos dentro da agremiação, o porta-estandarte viveu uma vida dentro do bloco e foi de lá que construiu toda a sua família. \"Eu jamais imaginaria que aquele menino da rua Maria Digna conseguiria chegar até aqui. Graças a seu Neinha, tive a oportunidade e até hoje ainda tenho de continuar levando alegria para as pessoas. O carinho que todo mundo aqui dentro tem por mim, é algo incomparável\", engrandece. Seu Fernando também já ganhou diversos prêmios e exibe com orgulho os troféus acumulados ao longo dos anos. Por já ter vencido tanto, hoje ele não pode mais participar do concurso e agora semeia na vida do neto a herança da família. \"Agora não me deixam mais participar, mas está certo, é preciso dar vez aos outros. Aí, hoje em dia eu faço mais desfiles\", conversa. Próximo a completar 75 anos de idade, o representante do Galo admite que já pensa em passar o posto para Vinícius Artur, que tem 15 anos e acompanha o avô desde os 6. \"Eu vou ter que parar um dia, disso eu já sei. Mas eu já estou ajeitando o Vinícius para ser meu sucessor aqui no Galo. Ele me acompanha desde pequeno e até hoje desfila ao meu lado durante o percurso do bloco\", comenta o porta-estandarte. Vinícius oficialmente já é o porta-estandarte do Pinto da Madrugada, o bloco do Galo direcionado para o público infantil. Para o avô, a participação do neto e o desejo por seguir os passados dele fazem o com que a memória da família fique protegida. \"Olhe, não fui eu que treinei ele não. Ele que quis entrar nisso aqui. Em lembro que quando ele era pequeno, me pediu para fazer uma roupa igual a minha. Até hoje eu a tenho, um pedaço de pano bem pequeno que traz boas lembranças\", brinca. Há 40 anos seu Zacarias repete a tradição e desfila pelo Galo da Madrugada mais uma vez neste sábado (10). \"Eu espero que o Galo evolua sempre como está evoluindo. A gente não pode dizer que o próximo ano vai ser melhor. Porque a cada ano surgem coisas novas, novas atrações, é uma surpresa. Vai crescendo e evoluindo\", acrescenta.