*Com Marina Suassuna e Maira Baracho
Polêmico, pornográfico, genial, inovador, reacionário, divisor de águas. São muitos os adjetivos usados para descrever este artista, capaz de causar reações fortes e emocionadas com suas peças teatrais, que causaram um impacto permanente no teatro e na sociedade brasileira.
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Com perspicácia e talento único para desnudar os aspectos mais proibidos da vida familiar e sexual dos brasileiros, Nelson Rodrigues chocou plateias, lotou teatros, inspirou gerações e inventou o teatro moderno no país. Sua obra inovou não apenas na temática, mas nos recursos cênicos, exigindo sensibilidade e destreza a encenadores, diretores e iluminadores que encenavam suas peças.
“Nelson Rodrigues é, sem exagero, o dramaturgo mais importante do teatro brasileiro", afirma o professor Dr. Luis Reis, da Universidade Federal de Pernambuco, “a obra dele se inscreve já como um clássico”. Peças como Vestido de Noiva (considerada a inventora do teatro moderno brasileiro), O beijo no asfalto, Valsa nº6, Os sete gatinhos, Toda nudez será castigada, Perdoa-me por me traíres e Bonitinha, mas ordinária ainda hoje povoam o imaginário brasileiro com suas traições, incestos e diálogos marcantes.
Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife em 23 de agosto de 1912. Era o quinto filho de Mário Rodrigues e Maria Esther Falcão, que tiveram ao todo quatorze crianças. Com quatro anos de idade, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde morou por toda a vida. Aos treze, começa a trabalhar no jornal A Manhã, mantido pelo seu pai, como repórter policial. Chama atenção a capacidade do garoto de dramatizar as notícias, sinais da genialidade de Nelson com a letras.
Além de peças de teatro, Nelson Rodrigues escreveu romances, como A mulher que amou demais e Asfalto Selvagem (conhecida como Engraçadinha), contos – com destaque para A dama do lotação e os textos da série A vida como ela é... – e crônicas para diferentes jornais brasileiros. “A obra dele perturba, desorienta, inspira, ninguém fica indiferente, e isso é uma marca de um grande criador”, avalia Luis Reis.
Para o ator Giordano Castro, da Cia. Magiluth, que encenou recentemente a peça Viúva, porém Honesta no Rio de Janeiro e no Recife (na abertura do Festival Recifense de Literatura – A Letra e a Voz), a obra do dramaturgo é inconfundível: “Se você pega um texto e lê duas linhas, já olha e diz: isso é de Nelson! As possibilidades da sua obra são inúmeras e devem ser exploradas ao máximo", comenta.
Giordano chama atenção para a sacanagem contida na obra rodrigueana, principal alvo de seus críticos e, provavelmente, principal motivo para as bilheterias expressivas que muitas peças conquistaram. “O próprio Nelson dizia que não escrevia nada de incomum, apenas o que acontece”, conta o ator.
Já o estudioso Luis Reis avalia que o escritor, jornalista e dramaturgo ajudou o brasileiro a entender nossa vida no século 20, mas apesar de escrever usando como cenário e personagens principais a classe média carioca de sua época, criou uma obra universal, que fala de instintos básicos do ser humano – como o desejo – e das convenções sociais, em especial o casamento.
Reis também ressalta uma mudança no comportamento do teatro brasileiro com Nelson Rodrigues: na época, os textos eram escritos especialmente para os grandes atores, que os utilizavam do modo que queriam, mudando diálogos e inserindo improvisos. Rodrigues não permitia que mudassem os diálogos de suas peças, valorizando a figura do dramaturgo. “Nelson Rodrigues era um homem que amava as palavras e escrevia como poucos, ou como todos gostariam de escrever”, resume o professor.
Confira a cronologia da vida e obra de Nelson Rodrigues:
1912 – Nasce no Recife, em 23 de agosto, Nelson Falcão Rodrigues. Quinto filho de Maria Esther Falcão e Mário Rodrigues, que tiveram 14 filhos no total.
1916 – Chega com a família ao Rio de Janeiro, por causa de problemas políticos do pai, jornalista e deputado.
1919 – Começa a estudar e logo aprende a ler, ganhando destaque por isso.
1920 – Ganha um concurso de redação na sala de aula, mas deixa os adultos chocados: a história falava de um adultério e do marido que matava a esposa e depois se desculpava.
1922 – É expulso do colégio por rebeldia.
1925 – (29 de dezembro) Aos 13 anos Nelson Rodrigues dá início a carreira de jornalista como repórter de polícia no jornal A Manhã, de seu pai. Destacou-se pela capacidade de dramatizar pequenas histórias.
-Junto ao seu primo recifense Augusto Rodrigues Filho, cria o tabloide “Alma Infantil”, que dura apenas 5 edições, recheadas de ataques a políticos pernambucanos e cariocas.
1927 – Abandona os estudos, na terceira série do ginásio.
1928 – Em 7 de fevereiro publica seu primeiro artigo na página três do jornal “A Manhã”, sob o título “A tragédia de pedra...” . Em 16 de março publica “O Rato...” em que ele critica Ruy Barbosa. Depois do segundo artigo neste tom, foi rebaixado e perdeu o espaço no jornal, voltando à sessão de polícia.
1929 – Em 26 de dezembro, aos 17 anos, Nelson presencia a morte do irmão, assassinado por Sylvia (o jornal tinha dado a notícia do seu desquite). 67 dias depois (já em 1930) morre o pai do autor, deixando a família arrasada.
1932 – Teve sua carteira assinada no jornal O Globo, de Roberto Marinho.
1934 – Diagnosticado com tuberculose, aos 21 anos, já não tinha nenhum dente na boca e usava dentaduras.
1940 – Em 29 de abril casa-se com Elza Bretanha, às escondidas. Seis meses depois descobre que perdeu 30% da visão para sempre, por causa da tuberculose.
1941 – Escreveu sua primeira peça “A mulher sem pecado”, mas não consegue que ela entre em cartaz. Todos recusavam.
1942 – Em 9 de dezembro “A mulher sem pecado” finalmente entra em cartaz e fica por duas semana no Teatro Carlos Gomes, dirigida por Rodolfo Mayer. A obra não teve grande repercussão com o público.
1943 – Escreve sua segunda peça “Vestido de noiva”. Entra no grupo “O Comediante” e em 28 de dezembro, 2205 pessoas vêem a peça, que foi intensamente aplaudida.
1944 – Escreve seu primeiro romance “Meu destino é pecar”.
1948 – Estréia da peça “Anjo Negro”.
1949 – Estréia da peça “Senhora dos Afogados”, que assim como “A mulher sem pecado” e “Vestido de Noiva” é censurada. Por causa da censura, ele escreve “Dorotéia”, eleita por muitos como melhor obra do autor.
1950 – Estréiam “Dorotéia” e “Valsa n° 6”. Começa a escrever uma coluna no jornal Última Hora, chamada “A vida como ela é”, grande sucesso na época (falava sobre fatos reais do cotidiano).
1953 – Estréia “A Falecida”
1954 – Estréia “Senhora dos Afogados”
1957 – “Perdoa-me por me traíres” sofre cortes pela censura, mas estréia e com uma surpresa: Nelson interpretava o personagem Raul. Na primeira sessão, confusão e tiro. A peça foi proibida.
-Em13 de setembro “Viúva, porem honesta” estréia. Ainda em 57, Dercy Gonçalves
-Estreia “Dorotéia” em São Paulo, onde a peça ficou um mês em cartaz.
1958 – Estréia “Os sete Gatinhos”, que falava mal do presidente da República, Juscelino Kubitschek.
1959 – O público acompanha a história de Engraçadinha. Dois livros foram publicados: “Engraçadinha – Seus amores e seus pecados dos doze aos dezoito” e “Engraçadinha – depois dos trinta”.
1960 – Lança “Boca de Ouro”, que também teve problemas com a censura. Estréia em São Paulo, um fracasso. Em 1961 foi apresentada no Rio de Janeiro com muito sucesso.
-Entregou aos atores Fernanda Montenegro e Fernando Torres a peça “Beijo no Asfalto”, que ficou sete meses em cartaz no país. Começa a participar do programa esportivo “Grande resenha Facit”, na TV Rio.
1963 – Separa-se de Elza e começa a namorar com Lúcia Cruz, que logo engravida.
-Estreia no Rio de Janeiro “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária”, que
ficou cinco meses em cartaz.
-"Boca de Ouro” vira filme e Nelson ganha sua primeira obra no cinema.
-Nelson escreveu a primeira novela brasileira “A morta sem espelho”, que logo acabou pelas limitações de horário.
1964 – Estréia a novela “Sonho de Amor”, anunciada como uma adaptação de “O Tronco do Ipê”, de José de Alencar, para evitar o nome do autor. A última novela escrita por Nelson foi “O Desconhecido”.
1965 – Estréia, em 21 de junho, “Toda nudez será castigada” e fica em cartaz por seis meses no Teatro Serrador.
-“A Falecida” ganha releitura e chega às telas do cinema.
1970 – Nelson se separa de Lúcia e vai morar com Helena Maria, 35 anos mais jovem que ele. A ditadura militar no Brasil vivia seus momentos mais duros e o filho do autor, Nelsinho era um dos grandes procurados pelas forças armadas.
-Até o ano de 1973 o autor participa diretamente da localização e libertação de muitos suspeitos de crimes políticos.
1973 – “Toda nudez será castigada” chega aos cinemas.
1974 – A peça “Anti-Nelson Rodrigues” faz sucesso no Teatro do Servi Nacional.
-Nelson volta a viver com Elza, sua primeira esposa.
1975 – “O Casamento” ganha versão no cinema.
1979 – Nelson escreve sua última peça “A Serpente”.
1980 – Em 21 de dezembro Nelson Rodrigues morreu.
1981 – “Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Resende” chega aos cinemas.
1995 – A Rede Globo começa a exibir “Engraçadinha: Seus amores e Seus Pecados”, dirigida por Denise Saraceni.
1996 – A Rede Globo exibe “A vida como ela é...” dividia em contos.
1998 – “Traição” ganha versão no cinema.