Tópicos | crianças abandonadas

Diariamente o Conselho Tutelar recebe denúncias sobre maus tratos a crianças e adolescentes. Ao ser acionado, o órgão vai até o local e, caso seja comprovado que os direitos da criança estão sendo violados, a mesma é retirada do local e levada a um abrigo até que tudo seja solucionado.

As denúncias mais frequentes são por negligência (76,35%), violência psicológica (47,76%), violência física (42,66%) e violência sexual (21,90%). As principais vítimas são meninas de oito a 11 anos.

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Fernanda (nome fictício), que hoje tem 20 anos, passou a infância e a adolescência em abrigos infantis. Entre fugas e tristeza, ela buscava preencher o que lhe foi tirado tão cedo.

 

“Tinha dias que eu queria sair correndo, pedir mais uma vez a atenção do meu pai e quem sabe ele me deixava ficar...”

 

A mãe de Fernanda era alcoólatra e, assim que o vício da esposa saiu do controle, o pai de Fernanda foi embora. Quando a mãe morreu de cirrose, em decorrência do alcoolismo, a menina ficou morando com a avó materna. Em junho de 2007, ela foi à escola como sempre fazia, um dia comum na vida de uma criança. Durante a aula de Ciências Sociais, a diretora da escola entrou na sala de aula e pediu a Fernanda que a acompanhasse.  A avó havia falecido.

 

“Lembro como se fosse hoje. Ela me chamou, eu peguei minhas coisas e ela disse que meu tio estava vindo me buscar. Eu não entendi nada, meu tio nunca visitava a gente, nem ligava pra saber como a vovó estava, porque ele queria me buscar na escola?”

 

A garota perdia a única pessoa que zelava por ela. Depois de uns dias, o tio colocou a casa para alugar, doou as roupas da mãe de Fernanda e explicou que, a partir daquele dia, era iria morar com o pai. Fernanda arrumou suas coisas e entrou no carro. Pela janela, ela via toda a sua história ficando para trás. Ao chegar à casa do pai, de longe a menina já podia ver que sua madrasta gesticulava compulsivamente, discutindo com o marido.


 

“Eu não fazia ideia do que eu teria que enfrentar. Entrei naquela casa e já fui colocada de canto pelo meu pai e pela esposa dele. O quartinho no fundo do quintal era meu quarto. Não podia sair pra nada, mas eu amava meu pai. Eu parei de ir pra escola e comecei a ficar na rua a maior parte do dia, e depois da noite também. Sabe qual é a verdade? Ninguém se importou.”

 

Fernanda parou de estudar e passou a frequentar diariamente as ruas no entorno da casa. Dias e noites eram uma coisa só. Comer, tomar banho e dormir ela quase não fazia mais.

Até que alguém denunciou a situação ao Conselho Tutelar.

Sem alimentação, cuidados higiênicos e sem frequentar a escola, Fernanda foi levada pelo Conselho Tutelar e encaminhada a um abrigo. Depois de ser apresentada ao local, ela jantou, tomou um banho e foi para o quarto, onde havia mais dez meninas.

Era o primeiro dia de oito longos anos que estavam por vir.

 

“Eu saí de casa com as minhas coisas na mochila, meu pai não questionou o Conselho Tutelar. Cheguei lá no abrigo e fui bem recebida, dividia quarto com mais dez meninas. Era um lugar legal, as ‘tias’ que cuidavam da gente eram carinhosas e por muitas vezes nos escutavam e davam conselhos. O único problema é que eu não queria ficar ali.”

 

Fernanda fugiu inúmeras vezes. Driblar os funcionários do abrigo e pular o muro era uma rotina. Saía pelas ruas e sempre voltava a bater no portão da casa do pai, que ou não atendia ou ignorava o pedido da filha de voltar a morar com ele.

Àquela altura, Fernanda já não era mais a mesma criança. O brilho no olhar não existia mais. A rotina era constante: faltar à aula, ficar na rua, ir pro abrigo comer, fugir na madrugada e voltar só pela manhã. Passou a ser conhecida no bairro, no Conselho Tutelar e até mesmo no Departamento de Polícia mais próximo.

Fernanda foi diagnosticada com esquizofrenia. Por nunca estar no abrigo, os medicamentos não eram tomados no horário certo. Ela passou a acreditar que estava sendo perseguida e ameaçava quem queria ajudar.

 

“Odiava ficar ali, era cheio de crianças chatas, que ficavam sempre falando que logo estariam com seus pais. E eu pensava: será que eles não perceberam que ninguém se importa com eles? Aquela rotina me irritava, eu queria ficar na rua, sem ninguém mandando em mim. Aí me falaram que eu tinha uma doença e que devia me tratar. Já não tinha mais esperança, há cinco anos naquele lugar, ouvindo meu pai falar que não me queria. Isso me fez não querer mais ele e não querer mais nada, a não ser ‘causar’.”

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece um prazo de dois dias úteis para que os responsáveis pelos abrigos entrem em contato com a Justiça, comunicando o acolhimento da criança. O órgão responsável por determinar as medidas de proteção é o Judiciário, porém muitas vezes a Justiça não é informada que uma determinada criança foi encaminhada a um abrigo. Quando isso acontece, é como se ela deixasse de existir, pois ela não é encaminhada para adoção e, em muitos casos, também não volta para sua família de origem.

Fernanda era um desses casos. Ela já tinha 15 anos e sua situação não estava resolvida. Não voltava para o pai e nem era levada para a adoção. As fugas frequentes e o comportamento rebelde prejudicavam ainda mais o relacionamento dela com as assistentes sociais.

Após cinco anos, a vida dentro do abrigo estava ficando cada vez mais difícil.  As crianças chegavam, mas nunca saíam.

 

“Era criança pra c... O quarto estava lotado, a gente não tinha mais uma roupa nossa, era tudo de todo mundo. Estava insuportável viver ali. Passei uma semana andando pelas ruas, dormindo embaixo de pontos de ônibus. Não tomava banho por vários e vários dias, peguei infecção, meu cabelo era um pesadelo. Me mandaram para outros abrigos, achando que o problema era lá, mas na real o problema era eu.”

 

Sem opções, Fernanda seguia sua rotina de fugas e arrependimentos. O tratamento da esquizofrenia foi deixado de lado e os remédios pararam de ser entregues. Arranjou um namorado bem mais velho e foi morar com ele. Alguns dias depois, por conta das agressões, resolveu voltar para a rua.

O que Fernanda não imaginava é que, após rejeitar o abrigo, seria enfim rejeitada por ele.  Ao completar 18 anos, foi avisada de que deveria sair do abrigo. Foi então que ela parou e pensou no que seria da vida dela.

 

“Eu completei 18 anos em julho. Eles me chamaram e falaram desse jeito: ‘Fernanda, você agora é de maior, não pode mais ficar com a gente. Você precisa pegar suas coisas’. Eu só conseguia pensar no que eu ia fazer. Enfim livre daquele lugar, daquela gente. Mas em nenhum momento passou pela minha cabeça que eu não tinha pra onde ir. Eu não voltei para o meu pai e também não fui adotada.”


Quando o adolescente está chegando à maioridade e não teve sua situação regularizada, a instituição que o abriga deve fortalecer os vínculos comunitários, ajudar na qualificação profissional e, principalmente, ajudar o jovem a construir um projeto de vida. O poder público deve oferecer o acolhimento em repúblicas, criando uma transição entre o serviço oferecido na infância e a aquisição da autonomia. Mas Fernanda não teve nada disso. Sem perspectiva de futuro e sem autoestima, ela estava completamente perdida.

 

“Sai de lá feliz, porque agora eram as minhas regras, sem ninguém encher meu saco. As primeiras noites passei na rua mesmo, almoçava na casa de uns amigos da igreja. Mas na hora de dormir, sem chance, eu ia pra rua.”

 

Um dia, uma chance apareceu e a vida de Fernanda mudou.

 

“Um dia a pastora da igreja me chamou pra morar com ela e o esposo. Eles não tinham filhos e me chamaram, claro que topei. Mas para eu ficar lá tinha que cumprir algumas exigências: voltar a estudar, fazer algum curso, ajudar em casa e me cuidar. Aí eu fiz, não foi fácil, tive que me adaptar à rotina deles, eu nem me lembrava como era ter uma família.” 

 

Fernanda conseguiu uma família, mas não foi através do abrigo nem do sistema Judiciário. Uma família que conheceu uma garota perdida, sem sonhos e sem lembrar o que era amor. Ela começou a estudar, se matriculou em cursos profissionalizantes e voltou com o tratamento da esquizofrenia.

 

“É incrível chegar em casa depois de estudar e encontrar as pessoas te esperando. Saber que vou ter onde dormir e vou ter o que comer. Não sou a melhor garota do mundo, mas sempre me esforço pra corresponder a eles com o meu melhor. Espero estar conseguindo. Quero ser feliz e esquecer tudo que vivi.”


Essa é a história de Fernanda. Assim como ela, existem muitas outras parecidas acontecendo agora mesmo. O ciclo continua: crianças com seus direitos sendo violados, que são retiradas de suas famílias e encaminhadas a abrigos superlotados, ocasionando fugas. Crianças que não são adotadas nem voltam para suas famílias, e que são jogadas nas ruas ao atingir a maioridade, sem qualquer perspectiva de vida.

 

Por Jade Gimenez

 

 

 

Um levantamento da Coordenadoria Nacional de Justiça (CNJ), mostra que 44 mil crianças estão disponíveis para adoção em todo o território nacional. O perfil das crianças revela que menos de 5% delas têm menos de 3 anos, que é a faixa de idade preferida entre os candidatos a pais adotivos. Esse entrave, causado pela idade elevada da maioria das crianças (77% têm mais de 10 anos), também é responsável pela separação dos irmãos que aguardam adoção. As famílias acabam manifestando interesse nos mais novos e os mais velhos permanecem nos abrigos.

“A criança só deve ser retirada para adoção se os pais biológicos não tiverem condição, se estiverem em extrema pobreza ou não tiverem condições psicológicas. Há vários casos de crianças que são extremamente maltratadas. São essas condições que levam à retirada da família natural. São essas crianças que podem ser dadas à adoção”, explica Janete Aparecida Silva Oliveira, do grupo de apoio à adoção De Volta pra Casa (MG). Com isso, algumas crianças ultrapassam o tempo de permanência nos abrigos que, por lei, é de dois anos.

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Baile de Debutantes

O Instituto Adotar, que auxilia os processos de adoção em Minas Gerais, realiza no mês de novembro um baile de debutantes para garotas que vivem em abrigos do estado. A entidade conta com doações e elaborou uma campanha de arrecadação de dinheiro na internet, também conhecida como “vaquinha”, para conseguir realizar o sonho das meninas que aguardam uma nova família. A campanha é chamada #PagoPraVer15AnosdeSorrisos e recebe qualquer quantia em dinheiro.

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As palavras saem da boca com dificuldade e às vezes até a comunicação gestual é dificultosa. Para alguns, a locomoção não é fácil, além de ser clara a dependência para atividades básicas, como um simples banho. Porém, nenhuma dessas situações impede crianças e adolescentes de demonstrarem o quanto ficam felizes ao desempenharem brincadeiras e atividades pedagógicas. São ações que derrubam o “murro de limitações” que existe entre elas e as pessoas sem deficiência mental. A felicidade é expressa conforme as possibilidades físicas e mentais de cada um, porém, nenhuma deficiência consegue esconder o sorriso no rosto deles.

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Essas cenas são comuns na Comunidade Rodolfo Aureliano, a Craur. Inaugurada em 1994, a instituição é ligada ao Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria da Criança e Juventude. A unidade fica situada na Rua do Bom Pastor, no bairro do Engenho do Meio, Zona Oeste do Recife. Sua missão é acolher crianças e adolescentes abandonadas, portadoras de deficiência metal, bem como aquelas que as famílias não reúnem condições de cuidar.

De acordo com a diretora da unidade, Demelsita Alexandre de Andrade, atualmente a Craur conta com 43 acolhidos, a maioria adolescentes oriundos de cidades da Região Metropolitana do Recife e de municípios do interior do Estado. Desse total, 21 crianças ainda estudam no sistema da educação especial, porque o grau de deficiência de grande parte dos abrigados é considerado grande. “São crianças e jovens abandonados, com sérios graus de deficiência mental. Eles chegam aqui através de ordem judicial ou pelo Conselho Tutelar. Nossa missão é fazer com que eles voltem para suas famílias, porque é importante estimular o vínculo familiar. A grande dificuldade é encontrar os familiares para propiciar o retorno dessas crianças à sociedade”, explica a diretora.

Apesar de ainda estudarem no contexto da educação especial, em que os alunos deficientes não interagem com outros estudantes sem deficiência, os abrigados da Craur passam por atividades pedagógicas dentro das possibilidades de cada um. São oficinas lúdicas, festas, brincadeiras, e, principalmente, a aula de música. No projeto desenvolvido pelo professor Manoel Antonio de Santana, a habilidade musical é trabalhada entre os acolhidos de uma forma em que eles toquem do jeito deles. A proposta resultou, inclusive, no nome da banda: Tocando do Meu Jeito. Assista no vídeo:

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Segundo a psicóloga Tereza Gurgel, qualquer atividade que garanta o bem estar e trabalhe as potencialidades das crianças com alto grau de deficiência mental é considerada importante. “A proposta é trazer o bem estar e qualidade de vida para os garotos, de acordo com as potencialidades deles. Por terem déficit mental grave, não significa que eles não tenham condições de propiciar outras atividades. Elas são importantes para o desenvolvimento comportamental e cognitivo dos meninos”, explica a psicóloga.


Em Pernambuco, a Craur é a principal referência para acolhimento de crianças e jovens com deficiência mental. De acordo com a supervisora técnica da Comunidade, Viviane Wanderley Cavalcanti, durante este ano, aconteceram apenas dois retornos de acolhidos para suas famílias e uma adoção. Os números podem parecer pequenos, mas, Viviane explica que, por causa da complexidade das deficiências, dificilmente aparecem pessoas dispostas a adotarem crianças. “Quando acontece um caso de adoção ou retorno para as famílias é uma grande vitória para nós, porque sabemos o quanto é difícil conseguir um vínculo familiar com os meninos”, ressalta a supervisora.

A coordenadora de supervisão da Comunidade, Lourdes de Sousa, explana que as crianças apenas voltam para suas famílias quando elas têm condições de recebê-las e continuar o tratamento que é feito na Craur. “A gente faz todo um acompanhamento e sempre dizemos para os familiares que é muito importante reinserir os meninos na sociedade como membros das famílias que eles são”, destaca. A Comunidade tem cerca de 130 funcionários, entre terapeutas, enfermeiros, cuidadores, educadores sociais e o pessoal de serviços gerais. De acordo com a Secretaria da Crianças e Juventude, o custo do Estado com a Craur gira em torno de R$ 320 mil por mês.

Volta para casa

A dona de casa Marleide de Morais, de 75 anos, é avó de Lucas da Silva, 12. O garoto possui deficiência mental e física, e está acolhido no Craur há pouco mais de um ano. O menino passa por tratamentos e teve experiência com várias atividades pedagógicas. Segundo a avó, Lucas está bem melhor e pronto para voltar para casa.

“Aqui é muito bom e ele melhorou muito. O Lucas é um menino calmo e sempre foi minha companhia, desde pequeno, quando a mãe abandonou ele. Estou muito contente porque vou levar meu neto de volta para casa e com certeza vou continuar o tratamento”, conta dona Marleide.

Para os interessados em fazer doações:

Comunidade Rodolfo Aureliano (Craur)
Rua do Bom Pastor, sem número, Engenho do Meio, Recife
Telefone: (81) 3183-0752

     

 

 

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