Está em discussão na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) um projeto para que os egressos do sistema prisional do Estado paguem pela utilização de suas tornozeleiras eletrônicas. A proposta já foi tema de audiência pública, tendo causado divergências entre parlamentares e posicionamentos contrários do Ministério Público estadual, defensorias públicas e Governo do Estado.
Os deputados estaduais Gustavo Gouveia (DEM) e delegado Erick Lessa (PP) apresentaram os projetos de lei 394/2019 e 439/2019, respectivamente, que versavam sobre o mesmo tema do ressarcimento do custo das tornozeleiras pelos presos. Por causa disso, um substitutivo que une os dois projeto foi constituído e tem tramitado na casa legislativa. O documento havia sido aprovado pela Comissão de Justiça, mas sofreu alterações na Comissão de Administração Pública na última terça-feira (19).
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“O projeto visa melhorar o ambiente do sistema penitenciário’, resume o delegado Lessa, ‘as pessoas envolvidas com corrupção, lavagem de dinheiro e crimes de natureza grave, e que tenham condições para arcar com essas despesas, de acordo com a análise do poder judiciário, que ela cumpra o papel de arcar com essa despesa e esse valor possa ser investido, inclusive, na aquisição de novas tornozeleiras eletrônicas, para disponibilizar aos presos que não têm esse recurso”, completa o deputado. Detentos sem condições financeiras estariam de fora das exigências dessa lei.
Um dos primeiros problemas enfrentados pelo substitutivo é quanto a sua constitucionalidade, que vem sendo questionada. “O projeto de lei é inconstitucional porque só quem pode legislar sobre direito penal e processo penal é a União, ou seja, o Congresso Nacional. A assembleia legislativa não pode legislar sobre isso”, argumenta o promotor Fernando Falcão, da promotoria de Justiça de Execuções Penais do MPPE.
Para a defensora pública de Pernambuco Natalia Lupo, além de tratar de matéria penal e processual, de competência privativa da União, há vícios no que diz respeito às garantias fundamentais de qualquer cidadão. “A gente entende que é inconstitucional pelo conteúdo mesmo. Eles [os presos] ficam condicionados ao pagamento para gozar da liberdade”, diz. Lupo se refere ao trecho do projeto que diz “O Estado providenciará, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a instalação, do equipamento de monitoramento após o recolhimento do valor fixado”.
O deputado Erick Lessa rebate as acusações. Segundo ele, o projeto não condiciona a liberação do preso a partir do pagamento. “Apenas há uma análise e aquele que tem condição de pagar vai ser cobrado para que arque com essa despesa”. Lessa também reuniu um parecer com posicionamentos de quatro promotores e três professores universitários que defendem a constitucionalidade da medida. “Esse projeto de lei não aplica novas regras, não adiciona penas, nem atenuantes, nem agravantes. É um procedimento administrativo penitenciário”, diz, destacando ser ele também professor universitário de direito penal.
De acordo com o defensor regional de Direitos Humanos em Pernambuco, André Carneiro Leão, o projeto não parece ser capaz de mudar a realidade das unidades prisionais do Estado por não proporcionar redução efetiva de custos. “Embora a intenção seja boa, não leva a uma solução. O projeto, no final das contas, atingiria algo em torno de apenas 10% da população prisional, que é composta, sobretudo, por pessoas pobres, potencialmente assistidas pela defensoria pública.”
O promotor Fernando Falcão acredita que a lei teria uma função mais simbólica, do discurso, do que trazer dinheiro para o caixa do poder público. “Os presos que efetivamente teriam condições de pagar por isso seriam pouquíssimos. Não vejo muita mudança com esses tipos de criminosos que a gente lida. Se fossem criminosos de colarinho branco, de Lava-Jato, tudo bem. Mas esse cara que vai furtar, se ele tivesse dinheiro para pagar tornozeleira ele não iria roubar um celular, não é?”.
O deputado Lessa diz que não é possível precisar quantos detentos poderiam pagar pelo equipamento, visto que a decisão de cada caso seria judicial. “Mas todos os réus que pagam advogado particular, a princípio, eles têm recursos para arcar com a tornozeleira”, defende. O parlamentar também afirma que mesmo que apenas 10% sejam capazes de pagar, isso já significaria uma economia aos cofres públicos.
Para a defensora pública Natalia Lupo, o argumento de que quem contrata advogado tem condições financeiras é arriscado. “Muitas vezes a vulnerabilidade do preso é no sentido de informação. Muitos não conhecem o trabalho das defensorias. Por falta de conhecimento, as pessoas acabam vendendo suas casas, seus pertences, fazendo de tudo para conseguir um advogado. A gente não consegue aferir a hipossuficiência com base nisso.”
A nova redação do substitutivo retirou a hipótese de inscrever o não pagador na Dívida Ativa do Estado. Por conta da mudança, o texto passará novamente por análise da Comissão de Justiça (CCLJ)
A discussão do ressarcimento das tornozeleiras não é exclusiva em Pernambuco e projetos do tipo surgiram em vários estados, levantando discussões semelhantes. No Paraná, o governador Ratinho Jr (PSD) assinou um decreto em abril para que os egressos sejam obrigados a pagar o equipamento. Em maio, foi sancionada lei semelhante no Ceará. No Senado, uma proposta do tipo foi apresentada pelo Major Olímpio (PSL). A PL 2392/2019 ainda está em tramitação.
Pernambuco tem uma média de custo anual com tornozeleira de R$ 6 milhões, recursos dos Governos Estadual e Federal. O custo individual mensal é de cerca de R$ 250. Quase cinco mil presos usam o dispositivo em Pernambuco no regime semiaberto, medidas cautelares, protetivas e prisão domiciliar. Não há falta de tornozeleiras no Estado.