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Acidentes de escalpelamento são frequentes no Pará. Ocorrem quando o eixo do motor de uma embarcação arranca o couro cabeludo de uma pessoa, deixando sequelas para o resto da vida. De acordo com a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR), cerca de 93% dos casos acontecem com mulheres.
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As consequências para quem passa por essa situação envolvem problemas físicos, emocionais e sociais, como a discriminação e o desemprego. Visando à melhoria da qualidade de vida dessas vítimas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) firmou parceria com o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS) para instruir sobre empreendedorismo e o mercado de trabalho. O UNOPS é um braço da Organização das Nações Unidas (ONU).
A coordenadora do Grupo de Trabalho de Escalpelamento e procuradora do MPT, Tatiana Amormino, disse que um dos eixos de atuação é a melhoria das condições de vida e trabalho dessas mulheres, que em sua maioria possuem deficiências físicas como perda de audição (total ou parcial) e da visão. “O Ministério Público do Trabalho entende pelo enquadramento das vítimas de acidente com escalpelamento no conceito de pessoas com deficiência inclusive para fins de preenchimento das cotas estabelecidas em lei, para contratar ação pelas empresas, assim como para o direito de benefício de prestação continuada chamado BPC”, disse Tatiana.
“O MPT desenvolve articulações visando evitar discriminação e promover a inclusão do trabalho de vítimas de acidentes com escalpelamento, por isso esse projeto com a UNOPS. De acordo com a pesquisa realizada com mulheres vítimas de escalpelamento, 71,1% não trabalham e 73,3% possuem interesse em abrir um próprio negócio. Aí surgiu essa parceria estratégica com a UNOPS”, falou Tatiana.
A parceria promoverá capacitação gratuita sobre empreendedorismo para as mulheres vítimas de escalpelamento com um curso com 50 vagas. “Esse projeto promove a formação empreendedora dessas mulheres que sofreram acidente, visando à efetiva inserção dessas vítimas no mercado de trabalho e à possibilidade de geração de renda”, ressaltou a coordenadora.
“Destaco ainda que há uma outra frente de atuação do MPT, que busca a conscientização da sociedade sobre medidas simples que podem evitar os acidentes com escalpelamento - como a colocação da proteção do eixo do motor nas embarcações”, relatou Tatiana.
Assistência voluntária
Além dessa iniciativa do MPT, existem outras instituições que vêm ajudando essas vítimas há bastante tempo, como a ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor (Orvam). Na Orvam é oferecida assistência a essas mulheres, por meio da realização de trabalhos com o intuito de aumentar a autoestima e combater o preconceito. Também há iniciativas para a confecção de perucas e doação às mulheres que sofreram escalpelamento.
A ONG surgiu em 2010, como ideia de duas vítimas de escalpelamento que pediram a ajuda de uma assistente social para mandar uma carta para o Programa do Gugu, de uma rede de televisão, pedindo ajuda com perucas e um computador. “Acabou que a assistente social foi além. Ela fez uma carta pedindo para que ele montasse um espaço para as meninas para que elas pudessem ser apoiadas, direcionadas, trabalharem com cabelo. Então ela fez isso, e foi sorteada a carta e o Gugu veio para Belém do Pará com sua equipe e viu a necessidade que existia para se ter uma casa de apoio às meninas. A Cristina, assistente social, foi até o prefeito na época, era o prefeito Duciomar Costa, ele cedeu o terreno e o Gugu, da Record na época, fez o espaço físico e nasceu a Orvam”, relatou Darci Lima, presidente da ONG.
“É muito gratificante trabalhar com elas, olhar pra elas e ver quando elas recebem uma peruca, quando a gente faz um trabalho de autoestima, aquele sorriso no rosto delas, uma mudança extrema no rosto das meninas, é muito bom e me faz sentir uma pessoa melhor”, comentou Darci sobre sua experiência trabalhando na Orvam.
A presidente destacou que a maior dificuldade da Orvam é a falta de apoio do governo e dos empresários, pois a ONG sobrevive somente de doações, tanto financeiramente quanto de cabelo, para fazer as perucas. "A gente pede para as pessoas ajudarem a Orvam, para que não venha a fechar, porque a gente não só recebe cabelos, a gente tem despesa com luz, água, telefone, material da peruca, higienização da peruca, limpeza do prédio, e infelizmente a gente não tem quem nos apoie e ajude financeiramente”, disse.
A Orvam auxilia as vítimas com encaminhamento para os parceiros credenciados, como dentista e esteticista, e ajuda na busca de autoestima e informações para que as vítimas do escalpelamento recebam o benefício de que necessitam. “Nós temos parceria com dentista, elas têm esse atendimento, fizeram um convênio com a gente e fazem um trabalho voluntário. Temos a Kelly, que faz trabalho com as sobrancelhas, também um trabalho voluntário. Encaminhamos as meninas para que elas possam se sentir melhor, porque a maioria não tem sobrancelha”, relatou Darci.
Sobre os projetos do MPT, Darci espera um olhar especial para as mulheres, pois muitas têm dificuldade para arranjar um trabalho. “Seria ideal que eles olhassem por esse lado, que as meninas pudessem ser aposentadas, receber o benefício com todos os direitos que elas têm. São ribeirinhas e moram em municípios distantes, elas precisam ter uma renda e os municípios onde elas moram não oferecem”, finalizou a presidente da ONG.
Dor e preconceito
Naelane Moraes Barreto, de 26 anos, moradora da cidade de São Sebastião da Boa Vista, interior do Pará, sofreu escalpelamento aos 9 anos quando voltava de férias na casa de sua tia, no interior de Anajás. “No meio da viagem aconteceu o acidente comigo. Foi umas meia noite, eu não lembro direito o dia, nem o mês, nem o ano, porque eu era bem criança. Cheguei na minha cidade no outro dia eram 6 horas da manhã, me avaliaram no hospital e fizeram os primeiros atendimentos, depois me mandaram para Belém e foi quando me eu fiquei internada no Pronto-Socorro e de lá me encaminharam para a Santa Casa, onde fiz a minha primeira cirurgia de enxerto, tiraram a pele da minha coxa e colocaram na minha cabeça. Só esperei cicatrizar e me deram alta”, relatou Naelane.
“Apoio do governo nesse momento, por enquanto, nenhum. Eu tenho um benefício do BPC LOAS mas eu consegui não pelo acidente, mas sim pelo problema de visão que tenho, glaucoma”, disse a vítima sobre a assistência dada a ela.
“A maior dificuldade que eu enfrentei foi eu ter voltado pra escola e passar por bullying, assim como pelo acidente e pela falta de visão também”, disse Naelane. Hoje ela diz não sentir mais tantas dificuldades e afirma que a Orvam ajudou muito na recuperação, para trazer a sua autoestima de volta.
Por Yasmin Ismael Seraphico.