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Ainda era domingo, 3 de novembro de 2019, primeiro dia de aplicação das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, admitiu publicamente que uma foto da proposta de redação tinha vazado. Como a divulgação nas redes sociais só foi feita quando os participantes já estavam fazendo as provas, o posicionamento do ministério foi manter o Enem. “Tudo segue normal”, disse o ministro no evento que se configurou como o primeiro em uma sequência de erros e polêmicas. 

Meses depois, em 17 de janeiro de 2020, com os vazamentos sendo investigados pela polícia e pouco antes de divulgar as notas dos participantes, Weintraub afirmou que em 2019 o primeiro exame da gestão Bolsonaro foi “o melhor Enem de todos os tempos” e tentou justificar sua satisfação: “Não teve polêmica, foi tudo muito aceito. A gente não teve problema operacional nenhum a cargo do MEC. A única coisa que houve, pontualmente, foi uma tentativa de sabotagem, uma pessoal que já está com a Polícia Federal. Então não prejudicou nada", disse o ministro. 

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A divulgação dos resultados dos participantes, que começaram a questionar as notas baixas demais para o número de acertos, forçou o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a admitir a inconsistência nas notas de cerca de seis mil estudantes que fizeram as provas do Exame

Em meio a batalhas judiciais contra as notas do Enem, o calendário do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e outros programas do Governo Federal que chegaram a ser suspensos por liminares, os participantes do Enem passam a desconfiar cada vez mais da segurança da prova, enquanto na visão de Alexandre Lopes, presidente do Inep, o erro nas notas “não foi significativo”. Diante disso, cabe o questionamento: Afinal foi mesmo o melhor Enem de todos os tempos, como avalia o ministro da Educação? 

Paulo Uchôa/LeiJáImagens/Arquivo

Estado de letargia

Ao avaliar os resultados do Enem 2019, o ministro Abraham Weintraub afirmou que esta edição do exame “fecha uma grande era”, além de afirmar que não houve polêmica nem “ideologia”. Questionada sobre como analisa o posicionamento do governo, a professora de português, redação e literatura Fernanda Pessoa lembra que as controvérsias começaram muito antes dos erros nas notas, quando, por exemplo, temas como a Ditadura Militar não aparecem na prova. Ela também apontou outras contradições. 

“Quando o tema da redação foi democratização do acesso ao cinema no Brasil, o país passando por uma fase de retirada de investimento do cinema, da Ancine, da cultura. Primeiro ponto completamente controverso é discutir democratização de acesso ao cinema em um momento em que não se tem investido em arte. Principalmente dentro da análise do preconceito ideológico, do que já aconteceu de censura”, explicou a professora.

Comparando o caso de 2019 com erros do Enem de outros anos, Fernanda explica que “já tinha tido um vazamento no Enem há muito tempo só que na época reconheceram o erro e cancelaram o exame. Este ano a sensação que eu tenho, se eu tivesse que resumir tudo numa palavra seria letargia”.

Ela continua, explicando que “existem empresas no Brasil que são especialistas em calibragem da TRI, na minha opinião é a única forma de tornar o processo transparente. (...) Eu acho que todos os erros deste ano não se comparam. Na minha opinião, erro de retirada de conteúdo importante, o erro da nota, vazamento de resultado antes da hora e o não reconhecimento. Eu acho que o mais complicado é você não aparecer para explicar o que está acontecendo e não haver nenhum tipo de investigação”. 

Para a professora, o abalo emocional sofrido pelos estudantes é, com certeza, a maior consequência de todos os problemas constatados no Enem 2019. “Eu recebi aluno que o sonho foi medicina a vida toda, foi para agronomia. Outra o sonho era medicina, mas passou em direito, foi para direito na federal. Tanto a gente vai ter mais um profissional frustrado porque tá indo para uma área porque a nota deu como tem chance de esse menino entrar na faculdade, começar a cursar, depois abandonar a vaga, volta pro cursinho e a vaga fica ociosa”, disse Fernanda. 

Antônio Cruz/Agência Brasil

“O ministro, aparentemente, está despreparado”

Para o professor de redação e linguagens Isaac Melo, a avaliação que o ministro da Educação faz a respeito do Enem 2019 “não é verdade”. “Imagina a seguinte situação: eu faço um concurso envolvendo milhões de pessoas em todo o Brasil, que para a sua execução gasta milhões de reais, e ter a clareza de seu resultado questionado. Como assim? Como é que eu corrijo uma prova de uma cor, tendo o sistema entendido que é outra? Isso é um problema gravíssimo!”, criticou ele. 

O professor Isaac afirma que é difícil pensar em perfeição ao organizar uma prova do tamanho do Enem, mas que se faz necessário buscar minimizar as falhas e responder melhor a problemas e tentativas de fraude.

“Já houve uma edição do Enem em que a prova foi vazada. Quando a gente tem uma prova de redação, uma fotografia que sai antes, significa que por trás existe um crime de determinada pessoa e fica-se questionando se a prova vai ou não ser aplicada, se a pessoa acertou ou não aquele tema. Mas, dessa vez, dois problemas me pareceram completo despreparo, falta de qualidade de um planejamento mais sério, falta de conhecimento e domínio do que seria a aplicação de uma prova da magnitude do Enem”, disse o professor. 

Ainda de acordo com Isaac, o descrédito dos estudantes em relação à segurança do Enem aumenta com o fato de que os erros cometidos na edição de 2019 não têm origem em fatores externos, mas no próprio esquema de logística do exame. “O erro que aconteceu foi da gráfica, o sistema de dentro da coisa errou, então isso significa dizer que existe um problema que não foi percebido a tempo. É um problema de dentro da própria ideia de estratégia logística de correção da prova, então é culpa do governo. O ministro, aparentemente, está despreparado para lidar com a pauta para a qual ele foi contratado, convocado e posto na condição de ministro da Educação”, disse o professor.

Entre os erros cometidos pelo governo em busca de uma solução para o problema, Isaac cita a demora para agir. “O governo quando não responde a todos os e-mails direcionados na tentativa de revisar a nota que foi tirada, então isso já vai descredibilizar e ao mesmo tempo aterrorizar [o estudante]. O que é sonho vira pesadelo”, declarou Isaac. 

Para devolver clareza e credibilidade ao Enem, e também ao Sisu, o professor Isaac Melo aponta a divulgação de quais questões são fáceis médias ou difíceis e suas respectivas pontuações conforme a Teoria da Resposta ao Item (TRI). Além disso, o professor também defende um aumento da transparência da concorrência do Sisu durante o período de inscrição. 

“Supondo que um aluno está na posição 30 de um curso de medicina com 120 vagas, a gente tem que saber quem são essas 120 pessoas com nome completo, número de inscrição, nota e pesos. Este ano o sistema permitiu, por uma falha, que o aluno colocasse como primeira e segunda opção, a mesma faculdade e mesmo curso. Ele aparecia mais de uma vez, isso já deixava muito claro que havia um grave problema nesse processo de listão”, disse.

O LeiaJá procurou a assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC), responsável pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma vez que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao MEC, em busca de uma posição sobre o debate levantado pela reportagem. No entanto, até o momento da publicação não obtivemos nenhum retorno.

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