A Corte Real de Jersey determinou que empresas offshore ligadas ao ex-prefeito Paulo Maluf devolvam aos cofres públicos US$ 22 milhões - ou R$ 46 milhões. A Justiça da ilha britânica concluiu que parte do dinheiro depositado no paraíso fiscal tinha como origem desvios da obra de construção da Avenida Água Espraiada, hoje chamada Jornalista Roberto Marinho, na zona sul de São Paulo.
"Paulo Maluf era parte da fraude à medida que, pelo menos no decorrer de janeiro e fevereiro de 1998, ele ou outras pessoas em seu nome receberam ou foram creditadas no Brasil com uma série de 15 pagamentos secretos", diz a sentença divulgada ontem.
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À época do desvio, a cidade já era administrada pelo sucessor de Maluf, seu afilhado político Celso Pitta, que morreu em 2009. Neste mesmo ano, advogados da Prefeitura solicitaram oficialmente à Justiça da ilha britânica a repatriação dos US$ 22 milhões atribuídos a Maluf, o que levou à abertura da ação.
O valor que voltará para a Prefeitura está bloqueado em Jersey, sendo que parte importante é composta por ações da Eucatex - empresa da família Maluf. Por isso, o retorno dos recursos ainda depende desses papéis. Se a venda das ações não for suficiente, a procuradoria do município deve pedir outros ativos das empresas da família para completar o valor.
Durante o julgamento envolvendo Maluf - frequentemente acusado de corrupção -, os juízes de Jersey reconheceram, curiosamente, que "nem todo político é corrupto" e que é preciso ter em perspectiva a importância de um caso que envolva um ex-prefeito. Mesmo assim, a condenação ocorreu porque as evidências são fortes, disseram. "Mesmo se partimos da premissa que é improvável que alguém da proeminência de Paulo Maluf tenha se envolvido em uma atividade fraudulenta desse tipo, o peso das evidências no caso atual é tal que o ônus da prova é mais que satisfatório", diz a decisão.
O esquema que envolve o ex-prefeito começou na zona sul de São Paulo e terminou na pequena ilha no Canal da Mancha. Por meio de duas empresas fundadas e administradas pela família - a Durant e a Kildare, Maluf e seu filho Flávio foram os beneficiados do desvio de cerca de 20% da verba destinada à construção da Avenida Água Espraiada.
Com notas fiscais frias, a prefeitura paulistana pagou US$ 10,5 milhões a mais para a construtora Mendes Júnior, que liderava as obras. Esse dinheiro foi repassado a empresas subcontratadas e, depois, transferido a Nova York. De lá, o dinheiro cruzou o Atlântico para ser depositado em nome de duas empresas offshore dos Maluf em Jersey. Offshore é uma companhia sem atividade, aberta geralmente para pagar menos impostos do que no país de origem.
"A ligação entre os pagamentos não poderia ser mais clara", diz a sentença, ao citar a sequência dos pagamentos: prefeitura - empreiteiras - conta nos EUA - offshore dos Maluf. Ao resumir o esquema em uma das principais obras da gestão do ex-prefeito, a Justiça da ilha afirmou que "entre o fim de 1997 e o início de 1998, o município de São Paulo foi vítima de uma fraude substancial".
Defesa
O deputado e o filho negam relação com as contas, motivo pelo qual não atuaram formalmente na defesa. "Os réus não fizeram, na prática, a contestação sobre os fundos em questão", cita o texto da Justiça de Jersey.
A corte demonstrou insatisfação com a estratégia dos advogados que representam as empresas offshore. Além de o juiz que a preside, Howard Page, ter mostrado contrariedade com a estratégia dos réus de tentar atrasar o andamento processo, a sentença divulgada ontem destaca o fato de que a defesa só questionou a autenticidade das evidências, sem apresentar provas para livrar a culpa das offshore do recebimento do dinheiro ilícito.
Segundo a sentença, a abordagem da defesa era "minimalista". Na maioria dos casos, cita, a estratégia consistia apenas em negar a acusação apresentada. Outra crítica repetida algumas vezes é o fato de que, em nenhum momento, Maluf e Flávio foram às sessões em Jersey para se defender. "Em certas circunstâncias, um tribunal pode ter o direito de tirar conclusões desfavoráveis pela ausência ou silêncio de uma testemunha que se esperaria ter material de evidência para oferecer na ação", cita o documento. "Na ausência, a inferência natural deve ser a de que a presença como testemunha só teria servido para fortalecer o argumento da acusação."
Recurso
Os advogados de defesa podem entrar com recurso em Jersey nos próximos 30 dias. Há, ainda, uma última possibilidade de apelação em Londres, mas, para isso, é preciso ter a aprovação da própria corte de Jersey. Entre os envolvidos, a expectativa é que, diante dos argumentos apresentados ontem, é baixa a possibilidade de mudança na decisão.
Para o procurador-geral do Município de São Paulo, Celso Coccaro, o recurso, porém, não tem efeito suspensivo. "Se houver recurso, mas não tivermos essa suspensão, trabalharemos como se não houvesse recurso algum."
Coccaro destacou que a decisão deixou em aberto como será feita a repatriação do dinheiro para a Prefeitura. O mais provável que é o processo seja feito a partir de uma ação de execução. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.