A ONU advertiu nesta sexta-feira (14) que no Brasil existe um "alto nível de impunidade" na hora de se investigar casos de tortura no sistema penitenciário, uma prática "estrutural" que identificou ao visitar vários estabelecimentos carcerários do país.
"Recebemos múltiplos e críveis testemunhos de pessoas que foram interrogadas sob algum método coercitivo e inclusive de tortura nas etapas iniciais de sua detenção e interrogatório", afirmou o relator especial da ONU sobre a tortura, Juan Méndez, em uma coletiva de imprensa em Brasília.
Méndez viajou quase duas semanas por cinco estados brasileiros e realizou inspeções sem aviso em prisões, delegacias, centros de detenção juvenil e instituições de saúde mental. Nos depoimentos, os detidos relataram "golpes, às vezes com cassetetes, em alguns casos choques elétricos com pistolas Taser e até asfixia, seja com água ou sacos na cabeça", detalhou.
O especialista advertiu em suas descobertas preliminares - que serão aprofundadas em um relatório diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU - que não há evidências de que os casos de tortura sejam devidamente investigados.
"Quando você se depara com vários casos críveis e muitas vezes pouco investigados - e muito menos ainda se apresentam acusações ou se castigam -, se conclui um alto nível de impunidade", disse Méndez.
A quantidade de depoimentos recolhidos o levam a pensar que não é um fenômeno isolado, mas que "ocorre estruturalmente e é deixado impune por falta de ação para investigar".
Com mais de 600.000 prisioneiros, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, composta em sua maioria por jovens e afrodescendentes.
O Congresso brasileiro estuda atualmente uma proposta para reduzir de 18 para 16 anos a idade da maioridade penal, iniciativa a qual se opõem o governo, a Igreja católica e também o relator Méndez.
Além de violar padrões internacionais, julgar os adolescentes como adultos "seria um erro desde sua perspectiva prática, porque só aumentaria a superpopulação das prisões", afirmou o relator.
Méndez visitou também centros de detenção de adolescentes em São Paulo, e constatou que nem sempre reúnem as condições necessárias para cumprir com sua função socioeducativa, mas muito pelo contrário, "parecem com uma prisão".