A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal revela "preocupação" com propostas de alteração na Lei de Repatriação de Recursos (Lei 13.254/2016), "especialmente com a possibilidade de serem criadas janelas de impunidade para crimes graves".
Em nota divulgada nessa quinta-feira (6), os procuradores da República no Paraná, base da Lava Jato, alertam para a proposta de "alterações bastante preocupantes" no texto, decorridos quase dez meses da promulgação da lei. A força-tarefa diz reafirmar "sua confiança de que o Congresso não permitirá a inserção de mudanças na lei que incentivem a corrupção e a impunidade".
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A nota é um alerta "à sociedade sobre os riscos das propostas que têm sido divulgadas, com o objetivo de contribuir para o debate e a transparência e preservar as investigações do caso Lava Jato".
Uma das alterações no texto da Lei da Repatriação que incomoda os procuradores prevê o fim da vedação dos benefícios da lei a servidores públicos, políticos e seus parentes, "o que pode ser um instrumento para diminuir as penas aplicáveis na própria Lava Jato".
Os procuradores anotam que a lei, de janeiro, instituiu um programa de repatriação "com o objetivo explícito de promover a arrecadação de tributos e de multa, mediante a regularização de valores mantidos no exterior de origem lícita e que não foram declarados".
"Para incentivar a regularização, a lei estabeleceu que crimes de falsidade, sonegação e evasão de divisas relacionados aos recursos, assim como a lavagem de dinheiro oriunda desses crimes específicos, não serão objeto de punição", diz a nota pública.
Outros crimes continuariam a ser passíveis de punição, incluindo corrupção e lavagem de ativos provenientes dela.
"Um dos problemas da lei, em sua redação vigente, é que não exigiu qualquer prova da fonte lícita dos recursos", afirma a força-tarefa. "Isso possibilita que valores mantidos na conta de um testa-de-ferro de um agente corrupto possam ser repatriados, sem indagação quanto à origem dos recursos."
Os procuradores sugerem que "a título de aprimoramento, seria pertinente exigir alguma indicação concreta, passível de conferência, para a origem do dinheiro, bem como informar o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) sobre todos os casos de repatriação, a fim de que o órgão possa identificar eventuais indicativos da prática de crimes mais graves".
Na avaliação dos procuradores que desmantelaram o complexo esquema de cartel, corrupção e distribuição de propinas instalado na Petrobras e em outras estatais, o fim da vedação dos benefícios da lei a servidores públicos, políticos e seus parentes "vai ao revés das normas internacionais que demandam a criminalização do enriquecimento ilícito de servidores públicos".
"Tratando-se de servidores públicos e políticos, pessoas de quem se espera um comprometimento mais significativo com a lei do que se espera do cidadão comum, o correto é tornar crime a existência de patrimônio cuja origem lícita não possa ser comprovada, em vez de anistiar os crimes fiscais decorrentes da existência de patrimônio não declarado", prega a força-tarefa.
"Outra sugestão muito perturbadora, veiculada na imprensa, é a possibilidade de anistia inclusive para aqueles que já foram condenados por crimes relacionados aos recursos a serem repatriados, desde que o processo não tenha transitado em julgado", assinalam os procuradores.
Eles apontam para o caso Banestado, escândalo de evasão de US$ 30 bilhões nos anos 1990. "Se aprovada, tal medida impactaria profundamente situações de lavagem praticadas por centenas de doleiros há décadas, inclusive no caso Banestado, já que processos de réus de colarinho branco se arrastam na Justiça por décadas."
"Doleiros são operadores profissionais da lavagem de dinheiro que, na maior parte dos casos, quando não decidem colaborar com a justiça, são processados por crimes financeiros e tributários, ainda que tenham lavado recursos oriundos de corrupção e tráfico de drogas, o que é, em geral, difícil de descobrir e comprovar."
"Outra mudança noticiada pela imprensa é o pagamento dos tributos e da multa sobre o saldo dos recursos na data de 31 de dezembro, independentemente do montante global dos valores aportados no decorrer do tempo", diz a nota. "Caso o objeto da lei fossem crimes de furto e o ladrão tivesse subtraído R$ 1 mil por semana, ao longo de cem semanas, totalizando R$ 100 mil, mas tivesse gasto R$ 99 mil, mantendo saldo de R$ 1 mil ao fim do ano, ele seria cobrado como se tivesse furtado apenas R$ 1 mil, e não sobre o total que ele desviou", compara a força-tarefa.
"A analogia expressa a injustiça da proposta em desfavor da sociedade, que foi vítima dos crimes. Além disso, pela lei, os crimes relacionados a todos os valores serão extintos, e não apenas os crimes relacionados ao saldo. Essa proposta de alteração vai ainda contra o próprio propósito da lei, que é a arrecadação tributária, pois sacramenta a sonegação de todos os valores recebidos que não compõem o saldo existente ao final do ano."
Também inquieta os procuradores "a extensão do prazo para participação no programa, pois, em vez de simplesmente ampliar a arrecadação, a realização de prorrogações pode caracterizar um incentivo à permanente ilegalidade".