Sob ameaça da aprovação de um referendo revogatório que pode abreviar seu mandato, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tem dito a interlocutores que o caminho para se manter no poder, caso a ameaça se concretize, é a "resistência cívica-militar".
Com autorização do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a oposição já coletou assinaturas para a primeira etapa da convocação da votação, uma espécie de recall eleitoral previsto na Constituição de 1999. Segundo jornais venezuelanos, algumas pessoas enfrentaram até duas horas de fila para assinar o documento e, assim, tentar desalojar o chavismo do Palácio Miraflores. A oposição afirma ter o triplo das quase 200 mil firmas necessárias. O CNE ainda está na fase de aferição das planilhas onde estão as assinaturas.
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A opção de Maduro pela "resistência cívico-militar" significa uma guinada de rumo do presidente e uma vitória da ala radical do chavismo, encabeçada pelo líder do governo na Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, na disputa interna pela condução do governo.
Mudança
Até pouco tempo atrás, Maduro pendia para a estratégia de tentar reconquistar, pela via das urnas, a parcela do eleitorado chavista que votou em candidatos da oposição na eleição legislativa de dezembro do ano passado.
A saída pela política é defendida pela ala moderada do chavismo com base em informações de que a maior parte dos eleitores que optaram pela oposição ainda se declara chavista, mas está insatisfeita com os escândalos de corrupção e com a grave crise econômica.
Segundo pessoas com acesso à cúpula chavista, a estratégia de tentar reconquistar o eleitorado passaria pela admissão de culpa do governo na crise econômica e punição de envolvidos em casos de corrupção, entre eles responsáveis pelos "coletivos", milícias em muitos casos armadas que se autointitulam responsáveis pela defesa dos princípios da chamada Revolução Bolivariana iniciada por Hugo Chávez.
Espécie de casta privilegiada do regime, os "coletivos" se fortaleceram durante o governo de Maduro. Enquanto a maioria da população enfrenta necessidades básicas e filas, seus integrantes gozam de privilégios materiais e imunidade legal para agir com truculência.
Apesar da profunda crise econômica que provocou cortes em quase todos setores do orçamento, os repasses para os "coletivos" continuam intocados. Em 2014, os grupos forçaram o governo a um recuo na política de desarmamento que pretendia reduzir os índices de violência em Caracas, considerada hoje a cidade mais violenta do planeta.
Além disso, os integrantes dos "coletivos" são alvo frequentemente de acusações de corrupção e de se valerem da truculência armada para se impor diante do restante da população. Eles seriam a base da "resistência cívico-militar" ao revogatório da qual tem falado Maduro.
Manobras
Embora ainda conte com a possibilidade de barrar o referendo na Justiça, Maduro e seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) trabalham com a possibilidade de serem obrigados a enfrentar uma eleição revogatória desde a confirmação da vitória esmagadora da oposição na eleição legislativa de dezembro.
Ações nas áreas de comunicação foram reforçadas a partir de janeiro na tentativa de melhorar a imagem do governo já que, em Miraflores, existe a convicção de que a crise é mais de Maduro do que do chavismo.
No início do ano, o governo tentou emplacar um plano econômico de salvação nacional e, mais uma vez, fracassou. Diante da dificuldade de encontrar saídas para a economia e da inviabilidade política de enquadrar muitos dos responsáveis pelos casos de corrupção, Maduro teria sido convencido a abandonar a tese da reação pelas urnas e adotar o caminho da resistência "cívica e popular". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.