O jogo em que a educação sai vencedora
Aulas das escolas municipais contam com jogos de raciocínio lógico. Professores afirmam que o nível dos alunos melhorou após a iniciativa
Em tempo de efervescência tecnológica, em que os video games e as redes sociais ganham a atenção de crianças e jovens com muita facilidade, despertar neles o gosto por jogos de tabuleiro não é tarefa fácil. E a dificuldade pode aumentar quando o jogo vira sinônimo de recurso pedagógico. Mas, passando por cima dessas dificuldades e fortalecendo a ideia de que jogos de raciocínio lógico podem contribuir bastante para o ensino dos estudantes, há cerca de um ano o Programa MenteInovadora chegou às salas de aula das escolas municipais do Recife.
Essa iniciativa você confere nesta quinta-feira (4), na última reportagem da série “Nossa Escola”. As matérias trazem uma seleção das ações da educação municipal recifense que estão dando bons resultados e mudando a vida escolar de muitos estudantes. Leia também as quatro primeiras histórias: Em busca do letramento; A doença, várias crianças, uma classe e muitos sonhos; Os reflexos da robótica na educação municipal do Recife e O silêncio que não cala a educação.
O jogo em que a educação sai vencedora
Estimular os estudantes a pensarem de forma criativa, refletindo antes de tomar decisões. Controlar as emoções, competir lealmente e dar a volta por cima diante de conflitos. Atuar em equipe, ajudando os companheiros em determinados momentos, além de desenvolver o poder de argumentação e senso crítico. Descobrir em jogos de raciocínio lógico características que têm completa relação com disciplinas como matemática, português e ciências. Apesar de inúmeros, esses são apenas alguns dos objetivos do Programa MenteInovadora, fruto de uma parceria entre a Secretaria de Educação do Recife e a Mind Lab. Desde o ano passado, 24 mil alunos da Rede Municipal estão vivendo a experiência de utilizar jogos de raciocínio lógico nas salas de aula como ferramenta pedagógica para ajudar no aprendizado.
No geral, os jogos possuem missões que incentivam o pensar das crianças, com níveis de dificuldade que levam em consideração a idade dos estudantes. De acordo com a Secretaria de Educação, são beneficiados pelo MenteInovadora estudantes das turmas dos Grupos 4 e 5 da educação infantil e alunos das 36 escolas que possuem turmas de anos finais do ensino fundamental. “São jogos que estimulam a percepção visual. Eles refletem nas outras disciplinas, principalmente na leitura e na matemática. Mas não é só jogar por jogar! Antes de distribuir os jogos, existe um estudo de um texto que explica como o recurso deve ser utilizado nas aulas. Todas essas linguagens educativas fazem o aluno ficar mais letrado, compreendendo o mundo ao seu redor, tornando os estudantes mais participantes das aulas e interativos”, comenta a professora polivalente Bruna Vivian Martins.
Bruna atua há mais de 15 anos na Rede Municipal de Ensino. Atualmente, a professora leciona na Creche-Escola Doutor Albérico Dornelas Câmara, localizada no Centro do Recife. Sua missão, todas as semanas, é atrair a atenção das crianças de 5 e 6 anos do ensino infantil através dos jogos. Os recursos travam o olhar dos pequenos, que deixam de lado a desatenção e começam a racionar de forma lógica. O resultado, segundo a professora, são pequenos que raciocinam e interpretam mais durante as atividades das disciplinas tradicionais. Um exemplo é Cecília Maria Nascimento de Moura, 6 anos. “É muito divertido jogar com os amiguinhos e a professora. A gente aprende muito mais”, conta, aos risos.
Antes dos jogos serem trabalhados nas escolas municipais do Recife, mais de 60 professores passaram por formação. De início, de acordo com a professora Bruna, estimular os jogos de raciocínio lógico não foi uma tarefa fácil. “Primeiro que criança acha que jogo é apenas sinônimo de brincadeira. Então, isso gerou um pouco de desatenção. Além disso, a gente da Rede Municipal já tinha que trabalhar outros programas, como a robótica, por exemplo. Quando chegou o MenteInovadora, fiquei com receio de não dar conta, porém, depois dos jogos, nunca tive uma turma tão letrada e atenciosa como as minhas atuais”, relata a docente. Confira mais um depoimento da professora no vídeo a seguir:
Da sala para o pódio
Se engana quem pensa que os jogos de raciocínio lógico caíram apenas no gosto dos alunos mais novos. Jovens dos anos finais do ensino fundamental também estão vendo nos recursos um incentivo para melhorar o desempenho na escola. Além disso, a habilidade de alguns estudantes rendeu uma premiação mais do que especial. Quatro alunos da Escola Municipal Olindina Monteiro, localizada no bairro de Dois Unidos, Zona Norte do Recife, venceram, em abril deste ano, a fase regional da 7ª Olimpíada de Raciocínio Lógico, resultando numa classificação para a etapa nacional, em São Paulo.
Mas o feito não se resumiu a vitória regional. A Escola foi a única unidade de ensino brasileira da rede pública. E um dos responsáveis pelo bom desempenho é o professor de matemática Osman Estanislau, que dá aula para alunos do ensino fundamental.
De acordo com o professor, a vitória na competição regional foi consequência do bom trabalho que está sendo feito através do MenteInovadora, mas, a proposta inicial do programa, que é interligar os jogos com as matérias tradicionais e contribuir para o aprendizado escolar, é que deve ser mais valorizada. “A gente tenta encontrar um assunto em que podemos utilizar os jogos nas disciplinas. Hoje tenho alunos que interpretam, leem com mais facilidade e analisam suas respostas. Existe também um grande estímulo ao pensar”, explica o educador.
Wesley Lopes de Lima, de 15 anos, aluno do nono ano do ensino fundamental, foi um dos vencedores da fase regional da Olimpíada. Seu jogo, o Quoridor, tem como objetivo avançar o peão para a extremidade oposta da placa, além de criar barreiras para impedir o avanço do adversário. No game, os alunos podem aprender números positivos e negativos, além de noções de vetor, direção e sentido. “Antes, eu nunca tinha tido contato com jogos desse tipo. Depois que começaram a trabalhar eles nas salas, comecei a me interessar mais e com certeza estou aprendendo mais”, relata Wesley.
Jogando a tradicional Dama, Lucas Patrick de Melo (de camisa branca na foto abaixo), 16, aluno do nono ano e um dos vencedores regionais, afirma que melhorou não só como estudante, mas também como pessoa. “Antes eu perturbava muito na escola e em casa. Agora estou muito mais comportado e mais atencioso nas aulas. Acho que o MenteInovadora é um programa muito interessante e espero que ele possa continuar”, comenta.
Também detentor do título regional da Olimpíada de Raciocínio Lógico, Lucas Bezerra, 14, é o “cabeça pensante” do Octi. O jogo busca habilidades de planejamento e de cálculo para que o jogador seja o primeiro a ocupar a base do adversário. No vídeo a seguir, Lucas fala dos benefícios dos jogos, bem como o professor Osman descreve como acontece na prática a aplicação dos games e dos conteúdos.
De acordo com a Secretaria de Educação do Recife, o Programa MenteInovadora está presente em escolas públicas e privadas oriundas de quase 30 países. A Mind Lab, empresa responsável pelos jogos, possui reconhecimento internacional de suas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias educacionais que buscam a inovação.
E assim o LeiaJá finaliza a série de reportagens “Nossa Escola”. Desde 6 de agosto deste ano, mostramos com boas práticas educacionais, aliadas ao interesse dos estudantes em sala de aula, podem contribuir para uma educação de qualidade, apesar dos problemas administrativos que assolam as prefeituras do todo o Brasil. Nunca é demais lembrar que educação pública igualitária e de qualidade é um direito de todo brasileiro.