Nem vencido e nem roubado, carro do danone é sucesso em PE
Comerciante de berço e dono de um gogó firme, André ganhou fama nas periferias da Região Metropolitana do Recife ao se irritar com comentários dos clientes a respeito de seus produtos
Quem não se lembra da época em que o carro do ovo passava com mais frequência nas portas das casas: “Olha o ovo, vovó! Olha o ovo, vovó!”, vendendo bandejas a R$ 8. Também há o memorável slogan do sorveteiro das ruas: “Dez bolas de sorvete é um real, traga a vasilha”. No imaginário popular nordestino, algumas dessas frases, muitas vezes transmitidas por carros de som, caíram no gosto da clientela e se tornaram marcas registradas desses vendedores.
Atualmente, ainda há trabalhadores que utilizam esse método para o seu comércio, seja em bicicletas ou veículos motorizados. Mas, um comerciante em específico chama atenção pela personalidade forte, humor, respostas na ponta da língua e aptidão na hora de apresentar o produto aos clientes. Itinerante, André Cristiano Nascimento, 50, circula por muitas regiões de Pernambuco: São Lourenço da Mata, Itapissuma, Camaragibe, Carpina, Recife e até Goiana. Para ele, quanto mais longe, melhor e menos concorrência.
Comerciante de berço e dono de um gogó firme, André é conhecido em muitas periferias da Região Metropolitana do Recife. Muitos não sabem o seu nome de batismo, mas é só falar no “carro do danone” que as pessoas associam rapidamente de quem se trata. “Olha o carro do danoneeeee, temos de morango, morango e morango”, brinca o vendedor. A forma divertida dele anunciar os seus produtos e sua reação às respostas dos clientes que o irritavam viralizou. “Tá vencido e foi roubado”, dizem as pessoas a quem ele apelida de “os agitadores”. "Tentam o tirar do sério a todo momento", diz.
O rei do danone diz que em um dia bom no comércio consegue vender mais de cem caixas do produto. Foto: Ednaldo Souza/LeiaJáImagens
Em resposta aos desaforos soltados por muitas pessoas que já o aguardam na rua com o celular na mão para filmar o xingamento, André retruca: “Vencido lá, corno”, dentre outras várias respostas. Nas redes sociais, são centenas de vídeos do carro do danone, em diferentes momentos e locais. André conta que as brincadeiras começaram há três anos, quando ele decidiu vender comida em sua kombi pelos bairros da RMR. “As pertubações sempre tiveram, principalmente com o danone. Eu anunciava o que vendia e as pessoas ficavam perguntando o óbvio. As filmagens são recentes. Há oito meses percebi que estava em todo canto no YouTube”, explica, orgulhoso de sua trajetória espontânea.
Ele relembra que os insultos tiveram início na cidade de Paudalho, na Mata Norte de Pernambuco. Muitos motoqueiros ficavam em uma praça e sempre gritavam quando ele passava ou parava para vender. “As pessoas começaram a gravar o momento em que tiravam onda. Eu me irritava muito, descia do carro para bater nas pessoas e atirar danone. Achava desrespeitoso com o meu trabalho. Diziam que meu produto era vencido e roubado. Ficava magoado, mas eu me acostumei com isso e hoje dou risada e acho graça”, relembra aos risos.
André Cristiano, antes de se tornar o rei do danone, já foi locutor de porta de loja, o que explica a aptidão com o microfone e voz vibrante que atrai centenas de clientes. “Era conhecido como o rei da porta de loja. Também já fui pãozeiro e já vendi muita coisa, água e até CD evangélico. Eu venho de uma família de comerciante e peguei gosto pela coisa”, conta. A aproximação com o danone, produto que é seu carro-chefe, é recente. Teve início por causa da crise financeira no Brasil, em meados de 2015. “Estava desempregado, fui em um supermercado para procurar algo e achei danone ao preço de R$ 0,69 a bandeja. Comprei dez caixas e fui vender na parada do ônibus”, detalha. Antes do horário do almoço, André já tinha vendido tudo com facilidade ao preço de R$ 1,50. O vendedor diz que gostou do resultado e continuou no ramo dos danones, mas aumentou o valor para R$ 2.
Ao perceber que os resultados eram bons - ele lucrava cerca de R$ 0,30 por bandeja e vendia muitas diariamente -, decidiu apostar no comércio dentro de seu automóvel na época. “Comecei vendendo nas kombis, elas iam quebrando e eu ia me desfazendo”, conta. O veículo atual, a quem André apelida carinhosamente de “limpezinha”, foi adquirido há oito meses, justamente quando os seus vídeos começaram a circular nas redes sociais. “Ela me custou R$ 6 mil e a família fez uma vaquinha para me ajudar. Ela traz meu pão de cada dia e trabalha demais. Penso em adesivá-la, tapar os buracos, não está 100%, os pneus estão ruins, o motor quebra direto, mas foi com ela que a fama chegou. As vendas estão melhores”, aponta.
Quando vai estacionar em um local, as pessoas já o agurdam com os celulares nas mãos para gravar a brincadeira. Foto: Ednaldo Souza/LeiaJáImagens
Seu veículo parece mais um mercadinho compacto ambulante. Tem um pouco de tudo. Ele vende salgadinhos, biscoitos, ovos, bolachas, pipocas, banana, danones e muitos outros produtos, dependendo do dia e de seu estoque. Com o aumento da renda, contratou Branco, seu ajudante, para ser o responsável pelas vendas enquanto ele dirige o automóvel e responde aos insultos em seu microfone. “Eu poderia ganhar mais, só que a minha kombi quebra muito e o dinheiro vai todo para ajeitá-la. Consigo manter minha casa, mas tenho muitos sonhos ainda”, declara.
Enquanto a equipe de reportagem do LeiaJá acompanhava André na sua rotina de vendas em São Lourenço da Mata, o telefone não parou de tocar. “Alô, qual a proposta que você tem hoje?”, indagava o comerciante, que está sempre alerta às queimas de estoque e promoções nas redes de supermercado mais próximas. Do outro lado da linha, um representante comercial oferecia bandejas de danone pelo preço de R$ 0,99, com o vencimento próximo. “Eu quero tudo, todas essas 600 caixas. A gente faz uma promoção, vende a R$ 1,50 e queima tudo no mesmo dia”, confirmou o rei do danone, que marcou de buscar a mercadoria no fim do expediente.
Ele esclarece que é preciso aproveitar essas promoções porque com o reajuste do mercado, o danone encareceu e pesou no bolso. “Estava tendo lucro de um centavo e por isso tive que diminuir”. Atualmente, a prioridade das vendas são as palmas de banana e ovos. “Mas o danone é minha marca, então apesar de pouco, sempre vou ter estoque”, afirma
André Cristiano, antes de se tornar o rei do danone, já foi locutor de porta de loja, o que explica a aptidão com o microfone e voz vibrante que atrai centenas de clientes. Foto: Ednaldo Souza/LeiaJáImagens
André recebe diariamente ligações e propostas como essa. Redes de supermercado já inclusive disseram que ele tem a capacidade de venda muito superior e em um dia na kombi comercializa mais do que o estabelecimento no varejo. “Minha vontade mesmo era ter uma geladeira industrial ou uma câmara fria para comprar os produtos em grande quantidade ou diretamente na fábrica. Seria mais barato, mas enquanto não consigo, saio para as compras a cada fim do expediente”, conta.
Diariamente, o vendedor acorda às 5h, tira o danone do freezer e vai comprar os produtos no Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa). São cerca de sete mil bananas para vender num dia bom e movimentado e mais de cem caixas de danone. Com o estoque cheio, ele dá início à jornada de trabalho às 8h30 e retorna à Camaragibe, cidade onde mora, por volta das 21h. “Eu não me considero um empreendedor, no momento eu sou um trabalhador que luta para conseguir alimentar a família e colocar as contas em dia. Quando eu tiver minha câmara fria e um carro melhor, certamente eu vou me tornar um”, pontua o comerciante.
Com o turbilhão de vídeos nas redes sociais, os filhos do vendedor mais insultado da Região Metropolitana do Recife tiveram a ideia de criar um canal no YouTube para mostrar a rotina de André e animar as pessoas. “O nome da página é carro do danone e o número de inscritos aumenta a cada dia, as mensagens não param de chegar e as visualizações só crescem. Eu gravo a minha rotina ou desabafos e eles postam na internet. Eu nem entendia o que era isso de canal”, destaca.
Apesar de apreciar e entender as brincadeiras que aprendeu a conviver, a fama ainda não é garantia de retorno financeiro. “Pelo contrário, pode até me prejudicar nas vendas. Quem fica filmando e me xingando pelos becos e ruas não me compra nada. É só a turma da agitação, mas o bom é que as pessoas escutam as brincadeiras e saem de suas casas sorrindo. Então, muitas vezes elas compram”.
Querido e comparado a Seu Lunga, personagem bastante presente na cultura nordestina conhecido pelo mau humor e respostas sem muita paciência, André agora tenta aprender mais sobre o mundo virtual para incrementar o seu negócio e aumentar sua renda. “As pessoas me diziam que eu ia virar meme, mas eu lá sabia o que era isso. Nem imaginava que essa fama fosse acontecer. Me sinto querido, mas prefiro ser conhecido mesmo é dentro de casa. Mas está ficando legal, estou gostando”.