Empreender durante a pandemia é ainda mais desafiador
Mesmo em meio à crise econômica provocada pelo novo coronavírus, trabalhadores investem em pequenos negócios e tentam, com luta, garantir renda. Saiba como evitar erros
Aos 47 anos, Lúcia Maria investe no setor de alimentação. Foto: Cortesia
Novos empreendedores e empreendedoras estão por todos os lados. Alguns desses empreendimentos podem ser encontrados, inclusive, por meio de smartphones, que geralmente estão na palma de nossas mãos. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a digitalização das empresas, sobretudo dos canais de venda, deixou de ser uma tendência e se tornou uma realidade para 66% dos pequenos negócios.
Lucia Maria de Souza, 47 anos, trabalha há mais de 18 anos como auxiliar de cozinha. Com a crise provocada pelo novo coronavírus, o restaurante em que trabalhava no Centro do Recife fechou. Após a demissão, dona Lúcia passou a receber o seguro desemprego, que durou alguns meses. Nesse momento, veio a decisão montar um negócio com aquilo que sabia fazer. Cozinhar! Ela mora na Vila União, localizada no bairro da Iputinga, Zona Oeste de Recife.
É de sua cozinha que surgiu a pequena ‘Yakisouza Iputinga’ - o nome da empresa foi pensado como uma forma de demonstrar a força da família para superar a crise -. O negócio foi lançado no Instagram no dia 12 de junho e começou com investimento de R$ 40. “Além dos meus filhos e marido, outras pessoas sempre comentavam que a minha comida era ‘muito boa e era um desejo - empreender - de muito tempo”, conta Lúcia.
Dentre as dificuldades relacionadas a investimentos e falta de experiência, o medo de empreender foi citado por Lúcia como maior deles. “Daí eu pensei muito, fiquei pensando na responsabilidade, mas hoje eu vi que não é essas coisas. Hoje faço o que gosto!”, enfatiza. Entre os incentivadores, estavam o marido Orlando Alves Barbosa, 47 anos, a Thaís de Souza Alves Barbosa, e o filho Thiago Souza Alves Barbosa, 26, que são seus auxiliares e entregadores no delivery de yakissoba. “Na minha casa tinham três desempregados e o auxílio desemprego estava terminando. A gente estava ficando muito apertado”, explica Thiago. De acordo com ele, ninguém da família recebeu o auxílio emergencial do Governo Federal. Até junho, apenas 43% dos domicílios receberam o benefício no valor de R$ 600, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Covid-19 (Pnad Covid-19), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em conversa com o LeiaJá, a família fez questão de ressaltar que tudo é feito de acordo com os protocolos de higienização conforme recomendação da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante todo o processo, a empreendedora utiliza máscara, avental, touca para cabelos, além de realizar a limpeza correta das mãos, utensílios e ingredientes necessários para a preparação dos alimentos.
Empreendedora garante que está seguindo os protocolos de combate à Covid-19. Foto: Cortesia
Após os preparativos na cozinha, os alimentos seguem para a etapa de entrega que ocorre com o mesmo cuidado quanto à higienização. “Sempre vou entregar atendendo a todas as normas de segurança sanitária orientadas pelo Governo do Estado, desde da máscara até o álcool em gel”, enfatiza Thiago. Ainda segundo o entregador, os pedidos são realizados pelo aplicativo Ifood, por mensagem no perfil do Instagram (@yakisouzaiputinga) e também por WhatsApp.
Neste período pandêmico, mais de 4.500 mil pessoas empreenderam no segmento de alimentação e, também, de alojamento. Os dados são até junho deste ano, segundo o Pnad Covid-19, do IBGE. Dona Lúcia explica que a Yakisouza vai além da necessidade de renda. “Penso futuramente abrir uma loja física, justamente nessa mesma linha do yakissoba. Quero colocar outros pratos. Faço o que gosto!”, destaca Lúcia ao LeiaJá.
O analista do Sebrae, Vitor Abreu, explica que é comum as pessoas apostarem em negócios no setor alimentício, moda ou beleza. O analista ainda enfatiza há dois motivos para que pequenas empresas, como a Yakisouza, passem a existir. “O primeiro motivo é sensação de que o pior já passou e que agora é um momento mais seguro. Já o segundo motivo consiste em pessoas foram demitidos e, em função da crise, apostam no empreendedorismo no período de pandemia”, aponta o especialista.
A “Pesquisa de Impacto da Pandemia de Coronavírus nos Pequenos Negócios”, do Sebrae, realizada em julho deste ano, mostrou que pequenos negócios do segmento de serviços de alimentação ou moda apresentaram melhoras no faturamento, respectivamente, em 51% e 50%.
Costurando uma nova marca
“Meu papel no empreendimento como mulher preta é mostrar para outras mulheres pretas que elas também podem conseguir começando do zero”. As palavras são de Sabrina Felix, 26 anos, que junto a sua companheira Dandara, 21 anos, criaram a marca e loja virtual ‘Mão Afetiva’ (@maoafetiva). Moradoras da comunidade do Coque, localizada no bairro de São José, no Recife, ambas estavam em busca de emprego desde o ano passado. No entanto, com a chegada da Covid-19, a procura se tornou ainda mais difícil.
Sem emprego, as empreendedoras viram no dom da costura a saída para abrir um negócio. “Vimos na máquina de costura que tínhamos em casa uma ponte para ser essa fonte de renda que estávamos precisando. As ecobags foram sendo feitas, depois as artes nas ecobags foram dando vida aos tecidos e assim foi acontecendo”, diz Sabrina ao LeiaJá. Além de ecobags, as empreendedoras explicam que outros acessórios foram pensados e confeccionados, como colares de miçangas. “Decidimos criar um Instagram para mostrar o que sabemos fazer”, revela Sabrina.
O perfil foi criado no dia 4 de março deste ano. Os investimentos na marca foram feitos a partir do recebimento do auxílio emergencial, que beneficiou 56,9% dos pernambucanos, de acordo com a Pnad Covid-19.
“Este é o ano de levantar nosso próprio negócio, é o que este contexto pandêmico nos deixa, reinventar novos modos de resistência”, completa a empreendedora, sobre criação e investimentos na marca. Para elas o maior desafio tem sido a questão da renda, que não é fixa. Isso, de fato, é um desafio comum entre os negócios na fase inicial. Nesse sentido, o analista de negócios Vitor Abreu alerta para empreendimentos que surgem da necessidade. “As pessoas, geralmente, empreendem por necessidade e é comum que aconteça em momento de crise. A orientação é que elas elaborem etapas de planejamento do negócio para verificar se traz o retorno ou não”, explica o especialista.
Perguntada sobre o planejamento da marca, Sabrina nos contou quais objetivos são traçados para um cenário pós-pandemia. “Planejamos, mais para frente, abrir um espaço físico próximo ao Marco Zero, ponto histórico e turístico do Recife. Pensamos nesse espaço como sendo casa para clientes, amigos e familiares prestigiarem nosso trabalho e ao mesmo tempo estarmos perto para que a vida se torne mais leve e cheia de arte em vida”, conta.
Por enquanto, a loja tem funcionado pelo Instagram e por aplicativo de mensagem. “Nós mesmas tomamos conta de tudo. Desde produção [das peças], conteúdos [para o perfil] e até as fotografias, que são tiradas em ambientes que combinam com as peças que queremos mostrar, respeitando a limitação deste contexto pandêmico”, enfatizoa a empreendedora.
Dandara, assim como sua namorada, exalta os objetivos do negócio. “Meu papel no empreendimento é levar produtos de qualidade com preços acessíveis para as pessoas e com isso alcançar objetivos pessoais, como a estabilidade financeira, crescendo ainda mais no ramo da arte e produção independente”, relata a artesã.
Há também um cuidado com relação às produções dos peças. “Antes de confeccionar as peças, lavamos as mãos e passamos o álcool em gel, esperando secar para não danificar. Higienizamos todo o espaço de produção, todos os dias, para que tudo flua como desejado. Ao sair para as entregas, usamos sempre máscaras e álcool em gel para usar durante o percurso e oferecer aos clientes”, explica Sabrina.
Orientações para pequenos negócios
Segundo Vitor Abre, analista de negócios do Sebrae, mesmo diante do cenário de pandemia global, ocasionado pelo novo coronavírus, nos últimos dois meses do primeiro semestre de ano foi percebida uma mudança no comportamento dos empreendedores. Para vender mais, os pequenos empresários apostam na comunicação como condutor do negócio.
"Os consumidores estão mais preparados para comprar e também para não comprar. E as empresas têm que estar ainda mais preparadas para saber como se comunicar e quais produtos vão vender", aponta o analista. Dentre as orientações, o especialista ainda diz que “empresas que buscam uma comunicação mais autêntica e verdadeira no processo de produção e venda” têm mais sucesso, em relação ao período de retomada.
O analista ainda indica que os empreendedores acessem consultoria especializada gratuitamente através do Sebrae. A entidade atua em três frentes, sendo elas atendimento individual para orientação de fundação de negócio, modelagem de negócios já existentes, e capacitações para modelos de empreendimentos pensados digitalmente. Mais informações podem ser obtidas por meio do site da instituição ou pelo telefone 0800-570-0800.