Em vídeo, professor critica prova de biologia do SSA
Nas palavras de Ebenézer Lobão, historicamente a prova da Universidade de Pernambuco não valoriza o conhecimento; UPE não se pronunciou
A Universidade de Pernambuco (UPE) implementou o Sistema Seriado de Avaliação (SSA) no ano de 2008, quando passou a avaliar continuamente os estudantes ao longo dos três anos do ensino médio, deixando a decisão do curso pretendido e a concorrência pelas vagas para o terceiro ano. Desde o vestibular tradicional, a prova era temida pelos estudantes que a consideravam difícil e conteudista, característica que se mantém até os dias atuais com o fim do vestibular clássico e mudança para o SSA.
Recentemente, após a realização, no último domingo (31), das provas da 1ª e 2ª fase do SSA 2021, um vídeo em que o professor pernambucano de biologia Ebenézer Lobão Cruz, mais conhecido como Bené, aparece fazendo diversas críticas muito duras à elaboração da prova do SSA, mais especificamente ao SSA 2, começou a circular nas redes sociais e já atingiu mais de 7 mil visualizações.
Em sua postagem, o professor de 37 anos, que fez vestibular no ano de 2001 e se formou em ciências biológicas pela UPE no ano de 2005, com mestrado em Biologia Animal pela UFPE de 2007 a 2009, se queixa tanto do tamanho do conteúdo programático previsto para o segundo ano como da especificidade exigida pela prova.
Na opinião dele, a prova de biologia do SSA 2 não aborda os conteúdos que são trabalhados nas salas de aula do ensino médio e não valorizam o conhecimento dos alunos que estudaram e se prepararam bem. Confira:
O professor Ebenézer concedeu uma entrevista exclusiva ao LeiaJá contando alguns detalhes a mais a respeito de seus posicionamento acerca da elaboração das provas de vestibular da Universidade de Pernambuco (UPE). Ele conta que desde seus tempos de vestibulando, ainda no vestibular clássico, a prova da UPE já era vista como difícil entre estudantes e professores.
“A prova sempre foi bastante conteudista, com questões demasiadamente específicas. Na disciplina de química, por exemplo, isso era tão forte que a UPE era citada por professores de vários outros estados do Brasil. Cheguei a ver autores de livros conceituados dizerem que não colocariam questões da UPE no seu banco porque não refletiam o conhecimento do ensino médio. O SSA prometia ser uma mudança nesse paradigma porque deveria ser mais específico para cada ano do ensino médio, mas parece que a UPE até gosta dessa tradição. É verdade que aconteceram algumas mudanças, mas infelizmente essa característica se mantém.”
Em seu vídeo, o professor Bené, como é mais conhecido, deu uma ênfase maior à prova do 2º ano. Questionado, ele explica que “às vezes parece que a banca do SSA 2 é diferente das outras. Porém acredito que seja porque o conteúdo do segundo ano seja muito mais extenso. A carga sendo muito maior faz com que a característica que, na verdade, é de toda a prova, fique mais gritante nesta fase”. Para ilustrar sua afirmação de que a prova é ruim e não valoriza o conhecimento dos alunos, o professor usa como exemplo uma questão aplicada no último domingo.
“Caiu uma questão sobre fungos, um grupo importantíssimo, mas exigia que o aluno soubesse algo que não é o foco do estudo desses seres. Ela citava duas espécies, a Candida albicans e o Tricophyton rubrum, e pedia que o aluno soubesse qual é o Filo a que essas espécies pertencem. Eu tenho exatamente esses dois exemplos no meu slide desse conteúdo, porém estou aqui em mãos com quatro livros de ensino médio usados nas escolas do nosso Estado (e do Brasil). Sabe em quantos o fungo Tricophyton é citado como exemplo de ascomiceto? Nenhum! É um nível de especificidade que não valoriza o aluno que estudou tudo que tem no livro, porque isso nem tem no livro. A UPE faz questões que levam o aluno a errar”, disse Bené.
O professor também citou uma das bibliografias da prova, o livro Biologia de Campbell, que segundo ele trata-se de um material “realmente muito bom, mas não é usado como livro base em nenhuma escola do Estado. Sabe por quê? Porque ele é intermediário entre o nível médio e o superior. Específico demais. Nas escolas em que trabalho, às vezes, até tem alguns exemplares na biblioteca, mas até hoje só conheci três alunos (entre centenas) que tinham o livro. Afinal ele é bem caro”.
Diante disso, ele tece mais uma crítica: “Fazer uma prova difícil é colocar perguntas com alto nível de interpretação. A UPE coloca informações que muitos sequer poderão ter acesso em toda sua vida. Isso é desleal.”
Perguntado sobre como a prova poderia ser modificada para atender melhor ao que é trabalhado pelos professores nas salas de aula do ensino médio, o professor Bené sugere tanto a retirada de questões “impossíveis” e específicas demais, quanto uma melhor distribuição.
“Eu sugeriria conter uma questão muito fácil, três questões fáceis e três médias. Que fossem questões elaboradas com o intuito de fazer o bom aluno acertar. Assim, todos os que se esforçaram mais chegariam pelo menos a tirar a nota 7,0. As outras três questões seriam mais difíceis e isso seria o diferencial na classificação dos alunos realmente mais bem preparados. Mas que a banca não colocasse mais questões que os alunos consideram ‘impossíveis’. No SSA 3, normalmente aparecem algumas assim também. No mais, a banca deveria ser formada por professores que lecionam no ensino médio, até para que possam saber exatamente o que deve ser cobrado. As questões precisam ser mais contextualizadas, preocupadas com o dia a dia dos estudantes, considerando sempre o fator social.”
Contraponto
Por sua vez, o professor de biologia André Luiz tem um posicionamento distinto sobre o tema. Para ele, “a prova do SSA tem muito da prova antiga da UPE, uma prova que tem um certo nível de dificuldade” na qual “às vezes, a forma de abordar o assunto não é muito o que muitos professores abordam em sala de aula. Daí vem muita reclamação”.
André entende a razão pela qual as queixas são feitas, apesar de não estar completamente de acordo. “Das três, a prova do SSA2 tem mais reclamação porque sempre privilegia mais uns assuntos em detrimento de outros. Eu não concordo muito com todas as reclamações do vídeo. Ao meu ver, tem muito na reclamação como a forma que os professores estão abordando os temas em sala de aula e a forma que a UPE está perguntando. Porque a UPE sempre perguntou daquele jeito. Às vezes as questões são bem diretas, bem fáceis, e às vezes são de grande dificuldade. A forma de abordar, às vezes, é única da UPE. Ela usa assuntos de outras coisas, meio que ‘viaja’ no quesito”, disse o professor.
Falando mais diretamente da prova aplicada no último domingo (31), o professor conta que não a considerou difícil, mas “uma prova da UPE”, com “questões fáceis, questões medianas e algumas com um certo grau de dificuldade. "Uma prova que tem uma certa viagem no conteúdo, viagem na questão de pegar outros conteúdos, mas nada demais. Uma prova que um bom aluno, um aluno de boa leitura poderia conseguir, como deve ter conseguido, fazer uma boa prova”.
Pelo Brasil, há outras instituições de ensino que, além de aderir ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para selecionar alunos, também mantêm seus vestibulares próprios para preencher parte das vagas. Questionado se o SSA é muito diferente de provas realizadas por outras universidades, a resposta de André Luiz foi positiva.
“Ela se diferencia da Fuvest, USP, Unicamp. Ela se parece muito, hoje, no SSA, com a prova do Enem, mas com um grau de profundidade maior. O SSA é contextualizado como a prova do Enem, com um grau de informações científicas maior. Ela tem uma cara própria. Ela é muito conteudista porque o conteúdo é muito vasto. Cabe a nós, professores, vermos todo o conteúdo para que o aluno tenha condição, naquele momento, de executar bem a prova”, argumentou o docente.
Em um debate como este, a pergunta mais importante sempre é “a prova pode ser melhor do que a que temos hoje?”. Na visão de André, sim. “Não acho que o de hoje é bom, também não acho que é péssimo. Tudo precisa melhorar porque tudo se encontra em franca evolução. Inclusive a forma de elaborar as questões sempre pode ser melhor. Sempre!”.
O professor continuou sua resposta, explicando que não é ruim ter uma prova conteudista, desde que todo o conteúdo seja trabalhado em sala. “Reclamar porque ela é muito conteudista, eu não reclamo não, eu acho bom. Isso destaca o trabalho do professor. É obrigado a comissão da prova abordar todos os conteúdos? Não. Mas a gente tem, como professor e professora, que fazer com que o aluno veja todo o conteúdo. Poderia ser melhor elaborada, tem algumas questões que ainda são anuladas, mas isso é do ser humano. A gente não pode esperar provas perfeitas. A gente pode procurar, ao longo do tempo, ir aperfeiçoando as prova”, finalizou o professor.
O LeiaJá procurou a Universidade de Pernambuco (UPE), por meio de sua assessoria de comunicação, em busca de uma entrevista com o Pró-Reitor de Graduação, Professor Ernani Martins dos Santos, para falar sobre as críticas feitas à elaboração das provas do vestibular da universidade ao longo dos anos.
Contudo, fomos informados que a universidade e o Pró-Reitor não desejam se pronunciar sobre o tema, pois todo tipo de queixa em relação às provas deve ser feita durante o prazo determinado para recursos.
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