Em plena pandemia, vendedora de lanches passa em concurso

Conheça a trajetória da servidora Maiara Rocha Moreira, que fugiu do Sertão, contornou o analfabetismo e o trabalho precoce para mudar o destino da família como técnica do TRE-PE

por Victor Gouveia qua, 31/03/2021 - 16:22
Arquivo Pessoal Nem a gravidez, nem a dificuldade com a Língua Portuguesa foram suficientes para lhe impedir de correr atrás da aprovação Arquivo Pessoal

De vendedora de lanches à técnica judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), Maiara Rocha Moreira atravessou as barreiras do acesso à Educação no Brasil em uma trajetória coroada em plena pandemia. Após decepções e sacrifícios, ela se orgulha dos quatro anos de estudo que garantiram a estabilidade financeira da família.

“Eu era semianalfabeta. Eu nem fiz o Ensino Médio, meu Ensino Médio foi pelo Enem, e eu resolvi estudar e mudar”, reforça a servidora empossada no dia 22 de janeiro deste ano. “Ano passado, nesse mesmo período, eu tava no meio da rua vendendo lanche e hoje estou aqui escolhendo uma cidade para dar o meu melhor. Então, eu agradeço a Deus”, disse no dia em que escolheu ser remanejada de São José do Egito para Trindade, municípios do Sertão de Pernambuco.

Revisão no banco do shopping

Surpreendida com a ligação do TRE-PE enquanto produzia doces para vender no dia seguinte, Maiara lembra que viajou de ônibus de Fortaleza ao Recife e estudou nos bancos do Shopping RioMar, na Zona Sul, para revisar a matéria antes da prova. “Quando a gente tá estudando, a gente não acha que é tão satisfatório, mas é muito. Minha família não imaginava que seria tanta benção”, celebra.

Nascida em Areião, no Interior da Bahia, foi criada até os cinco anos ao lado da irmã, pelos avós. Após a morte do avô, ela foi mandada para a casa onde a mãe era doméstica, em Fortaleza, como única opção para fugir da escassez no Sertão. “Eu sempre estudei em escola pública e me alimentava com a merenda porque não tinha dinheiro para comprar outros lanches. Apesar disso, soube aproveitar o que tinha à minha disposição”, aponta.

Maiara chegou a trabalhar de babá no Rio de Janeiro com apenas 12 anos e, durante sua batalha em busca de oportunidades, pediu para participar de uma seleção de menor aprendiz, mesmo sem os R$ 10 da inscrição. “Sempre fui muito pidona porque não tinha condições mesmo. Cheguei no local e disse que não tinha o dinheiro para pagar, mas que eu precisava fazer aquela prova porque eu iria passar”, disse confiante.

A apostila do passageiro

Ela foi aprovada no curso técnico e, por anos, sustentou a família com o salário que recebia na confecção. Dentro de um ônibus, em 2012, observou um homem que lia uma apostila, que lhe respondeu, “se você estudar e passar em uma prova, você fica rico. Ganha dinheiro e estabilidade”. Nesse momento, a costureira traçou uma meta que mudaria completamente sua vida.

Decidida a prestar Concurso Público, a rotina na confecção não permitia que ela reservasse um tempo para estudar. “Eu sentava na máquina, ia trabalhando e assistindo a vídeo-aula. Quando largava meia-noite é que eu parava um pouco e lia as apostilas durante a madrugada [...] como eu não sabia de nada, optei em começar por vídeo porque eu tinha facilidade de aprender escutando”, comenta.

Após dois anos, realizou sua primeira prova, a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas não passou. Nesse momento, Maiara confessa que se sentiu incapaz. Contudo, ao invés de desistir, se inscreveu para o concurso do TRE e largou o trabalho para intensificar sua busca pelo sonho.

Por elas e para elas

Além de estudar grávida, a servidora comenta que perdeu etapas da infância das filhas, hoje com 12 e 5 anos, para continuar com o plano de melhoria para toda a família. “Eu passava o dia inteiro trancada no quarto. No final do dia, brincava com elas um pouco e logo voltava para o quarto e ia estudar novamente”, recorda.

Nomeada em meio à desconfiança, Maiara superou a matéria que tinha mais tinha dificuldade, a Língua Portuguesa, e hoje pode escrever capítulos mais agradáveis da sua história ao lado da família.

COMENTÁRIOS dos leitores