MTST promove educação popular em ocupação no Recife

Brigadistas, com formação em pedagogia ou licenciaturas, do setor de Educação do MTST promovem aulas para jovens, adultos e idosos na Ocupação Carolina de Jesus

por Elaine Guimarães ter, 19/09/2023 - 10:57
Júlio Gomes/LeiaJá Estudantes e professores da EJA na ocupação Carolina de Jesus Júlio Gomes/LeiaJá

Cerca de 400 famílias formam a ocupação Carolina de Jesus, localizada ao lado do Terminal Integrado do Barro, no bairro de Jardim São Paulo, na Zona Oeste do Recife. O espaço que carrega o nome da ex-catadora, mãe solo e autora do livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada é divido em G1, G2 e G3, moradias que são habitadas por pessoas vindas de diversos municípios pernambucanos e encontram apoio organizativo, social e educacional no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Há três semanas, brigadistas, com formação em pedagogia ou licenciaturas, do setor de Educação do MTST promovem aulas para jovens, adultos e idosos do assentamento. “O MTST está fazendo um papel que deveria ser garantido pelo Estado. O papel de garantir a Educação para jovens, adultos e idosos sem teto. A nossa Educação não é assistencialista. É uma Educação popular que se propõe a pensar sobre o direito à cidade, a realidade excludente da cidade do Recife, as condições de vida das pessoas sem teto e dos problemas que os afetam”, explica Fátima Dutra, coordenadora do setor de Educação do MTST-PE.

Fátima Dutra, coordenadora do setor de Educação do MTST-PE. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

As aulas são realizadas sempre aos sábados, das 14h até às 17h, no espaço do que um dia foi uma creche na Carolina de Jesus. À reportagem, Fátima conta que a ONG responsável pela iniciativa ficou sem recursos para manter a creche, por isso, foi descontinuada. A estrutura feita, em sua totalidade, de madeira foi recentemente reformada pela brigada para receber a primeira Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma ocupação no Estado. Ainda em caráter experimental, o projeto conta com uma turma reduzida e alunos de faixa etária que varia entre 20 e 67 anos de idade.

Parede da sala de aula da EJA na Ocupação Carolina de Jesus. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Ao se aproximar do horário de início das atividades na EJA, os militantes do setor de Educação do MTST realizam o chamamento porta-a-porta dos estudantes, que, aos poucos, formam uma espécie de romaria até a sala de aula. Ao LeiaJá, Fátima Dutra salienta que a Educação promovida na Carolina de Jesus é carregada de resistência, que é “alimentada pelo sonho de construir uma vida mais digna para os jovens, adultos e idosos sem teto. É o sonho de ver todos os nossos companheiros alfabetizados e contribuir com o processo de consciência política e de leitura de mundo de uma sociedade que se torna cada vez mais desigual e injusta”. 

Brigadista realizam chamamento 'porta a porta dos alunos'. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Brigadista realizam chamamento 'porta a porta' dos alunos. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Militante do MTST e professor de filosofia, Renato Libardi comenta que a EJA no assentamento é reflexo de reuniões, planejamentos e formações. “Isso tudo aqui, inclusive, a pintura, esse chão limpo e todos os conteúdos foram frutos de muitas conversas, muitas reuniões on-line e presenciais, capacitação aqui, inclusive, com os próprios alunos. Foram muitas capacitações e formações”, disse. Esta é a primeira experiência do docente com estudantes da EJA em processo de alfabetização.

“Como militante, a gente precisa pegar tarefa. Mesmo com receio, pois, não sou formado em pedagogia, minha formação é em filosofia, e após a capacitação, percebi que dava para atuar aqui. A missão é muito bonita. Meu interesse, realmente, foi esse de pegar essa tarefa porque é algo fundamental e é minha primeira experiência. Então, a gente precisava tirar isso do papel, até porque há outras ocupações com essa mesma demanda [EJA] e a gente precisava de um projeto inicial”, pontua.

Renato Libardi é professor de filosofia e militante do MTST-PE.  Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

De volta à sala de aula

As histórias dos alunos se misturam dentro e fora da sala de aula. À reportagem, muitos alegam que foram privados de estudar por questões sociais e familiares. Entre os estudantes está Valdemiro José, de 52 anos, morador da Carolina de Jesus há seis anos. Ao LeiaJá, ele, que é natural de Surubim, frequentou por pouco tempo a escola. "Eu não tenho estudo. Quando a chuva chegava, a gente ia [sic] trabalhar. Chegou um tempo que meu pai falou: "não vai estudar mais não. Vai tudinho trabalhar", relembrou.

"Não sei ler e nem escrever. Essa escola está sendo 'top' para mim. Eu e meus companheiro não vamos nunca deixar [a EJA], que é melhor aqui do que a gente pra fora. Eu vou continuar aqui, não quero ir pra outro lugar não", afirma Valdemiro à reportagem, após ser questionado sobre a continuidade no projeto. 

Valdemiro José, de 52 anos, morador da Carolina de Jesus há seis anos. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Maria Severina, de 67 anos, foi uma das primeiras moradoras do assentamento, em 2017. Ela afirma que nunca frequentou a escola. "Minha mãe trabalhava em um engenho, saia na segunda e só voltava para casa no sábado. Eu tinha sete irmãos pequenos, então eu precisava ficar em casa para cuidar deles e tomando conta da casa. Eu gostei [da EJA], estou achando ótimo. O que eu mais quero aprender é assinar o meu nome e outras coisas também né?", ressalta.

Maria Severina, de 67 anos, foi uma das primeiras moradoras do assentamento, em 2017. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Ana Lúcia da Silva, de 64 anos, também fez moradia na Carolina de Jesus desde o início. Diferente dos vizinhos e colegas de turma, ela frequentou a sala de aula até os 13 anos, período em que saiu de casa. "O marido da minha mãe tinha um jeito diferente, ficava olhando para mim e para as minhas três irmãs. Ele tinha muito ciúme de mim. Eu trabalhava carregando água para lavar roupa e, um dia, quando estava voltando para casa, vi ele com 'safadeza' com a minha irmã. Contei para a minha mãe, mas ela não acreditou. Aí, saí de casa", conta.

Ana Lúcia vê na EJA uma possiblidade de ingressar em um curso e, assim, voltar ao marcado de trabalho. Desempregada, ela pontua as coisas que mais gosta na sala de aula. "Gosto das palestras, das conversas, das brincadeiras". "Moro sozinha, eu e Deus, pronto. Quando falaram das aulas, eu aceitei na hora. Toda vez eu venho, gosto daqui...gosto mesmo daqui", reforça.

Ana Lúcia da Silva, de 64 anos. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

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