Thiago Lacerda estreia nova montagem de 'Hamlet' em SP
À frente do palco, o jovem Hamlet proclama sua cólera: "Quer tirar um sarro da minha cara?", questiona. "Me acha um frouxo?" O sentido da sua revolta é o mesmo daquele eternizado no clássico de William Shakespeare. Mas as palavras que esse príncipe usa não são aquelas que costumamos associar ao bardo. Na montagem que abre temporada nesta sexta no Teatro Tuca, o herdeiro do trono da Dinamarca fala um português nada castiço. "Procura uma forma íntima, brasileira, de chegar ao ouvido da plateia", observa Thiago Lacerda, ator que encarna o personagem-título.
Uma tradução que livrasse o texto de floreios desnecessários foi uma das principais preocupações do diretor Ron Daniels. "De que servem palavras complicadas que o público não entende? O que me interessa é o pensamento do Shakespeare. Ele não estava escrevendo poesia, mas teatro, ação", diz Daniels, que traduziu a peça ao lado de Marcos Daud. "Me sinto muito confortável com Shakespeare. Não é o texto que é intocável, é o seu conteúdo que é maravilhoso."
Especialista na obra do dramaturgo inglês, o brasileiro Ronaldo Daniel transferiu-se para a Inglaterra em 1964. Lá, foi diretor da Royal Shakespeare de Stratford-upon-Avon, cidade natal do escritor. Mundo afora, também já conduziu dezenas de montagens de seus textos, entre elas cinco versões de Hamlet. "E a cada vez com uma visão completamente diferente", acredita.
Na primeira delas, durante os anos da ditadura militar no Brasil, revestiu a tragédia de sentido político. Depois, imprimiu uma aura "espiritual" à criação. Mais adiante, concebeu a imagem de um Hamlet doméstico, um menino doente que, noite e dia, vagava pela casa de pijama. "De certa forma, esse espetáculo de agora é uma redescoberta do texto, mas também uma síntese de todas as outras montagens. Uma radicalização de todas as ideias que já tinham aparecido antes", comenta o encenador, que não trabalhava com teatro no Brasil desde 2000, quando dirigiu Raul Cortez em "Rei Lear".
Ainda que seja sua primeira incursão pela dramaturgia de Shakespeare, Thiago Lacerda já estava, de certa maneira, familiarizado com as crises de consciência do mais representado personagem da dramaturgia ocidental.
Coincidentemente, o jovem atormentado que o ator vive agora guarda suas semelhanças com "Calígula", protagonista da obra de Albert Camus que ele interpretou recentemente no teatro, sob a direção de Gabriel Villela. "Tenho certeza que o Camus foi beber em Hamlet. São dois personagens existencialistas, que exercitam constantemente o livre-arbítrio, que vivem uma liberdade sem limites." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
HAMLET
Tuca (Rua Monte Alegre, 1.024, Perdizes). Tel. (011) 4003-1212. 6ª e sáb., às 21 h; dom., 19 h. De R$ 40/ R$ 50. Até 16/12.