Premiado em Berlim, 'Vic + Flo' chega aos cinemas
Após o Urso de Ouro, talvez seja o mais prestigiado prêmio do Festival de Berlim. O Alfred Bauer Preiss tem status de Urso de Prata e recompensa um filme ou autor que contribui para o desenvolvimento da arte e da linguagem do cinema. Em 2012, o vitorioso foi o português Miguel Gomes, de "Tabu". Este ano, o Alain Resnais de "Amar, Beber, Cantar". Em 2013, foi o canadense Denis Coté, de "Vic + Flo Viram Um Urso". O filme que estreou nesta quinta-feira, 19, é outro bom exemplo da originalidade e criatividade do cinema de língua francesa do Canadá.
"Vic + Flo" conta a história de duas mulheres que se conheceram na penitenciária. Vic foi solta primeiro e veio se instalar nesse chalé no campo. Logo em seguida chega Flo. Ambas ainda estão em liberdade vigiada e há um oficial que controla se andam na linha. Só que vem também o passado de ambas e as coisas se complicam. A história toma outro rumo, leva a um desenlace brutal. Em Berlim, o diretor Coté contou que a trama de lesbianismo terminou por se impor. "Comecei a pensar na história como de dois homens. Afinal, os personagens se conhecem da cadeia. Fazendo pesquisas, descobri que o número de mulheres heteros que desenvolvem vínculos homossexuais na cadeia e depois não querem voltar aos parceiros masculinos supera o de homens que permanecem no vínculo homossexual. Mas sabia que o assunto seria polêmico. Em toda parte, tem sempre uma lésbica que me questiona sobre a abordagem do meu filme."
Para Coté, tanto faz que sejam mulheres, ou homens. "Os nomes são neutros. Vic e Flo servem para homens e mulheres. E o urso? É só para criar estranhamento. É um filme infantil, sobre animais? É sobre pessoas que se amam." E ele faz uma revelação que parecerá estranha ao espectador que talvez se desconcerte com o desfecho. "Desde a escritura do roteiro, pensava sempre na forma como elas poderiam permanecer juntas. Talvez não seja a melhor ideia de um happy end para a maioria do público, mas, para mim, é."
É curioso que "Vic + Flo" esteja entrando simultaneamente com "O Homem Duplicado", que Denis Villeneuve adaptou do livro de José Saramago. Quem tem o mínimo de informação sobre a produção do Canadá sabe que existe um cinema canadense francês, de Quebec, e outro de língua inglesa, de Ontario (capital: Toronto). O cinema canadense francês produz cerca de 40 filmes por ano e já tem seus autores consagrados - Xavier Dolan, Denis Coté. O de língua inglesa flerta com Hollywood. Villeneuve é quebecois, mas migrou para o cinema de língua inglesa. O cinema de Quebec é mais original, mas o que é isso, em 2014? Na coletiva após a premiação em Berlim, Coté desabafou: "Tentei ler as críticas, mas quando li que Vic + Flo tenta ser original a qualquer preço, desisti".
Coté foi crítico - por acaso, como explica. "Já fazia curtas quando me convidaram para falar no rádio sobre os filmes de que gostava. Quando vi, estava editando uma revista de cinema. Foi um período muito interessante. Podia dar uma página sobre Abbas Kiarostami e uma nota sobre o blockbuster da vez. Isso me valeu não poucos inimigos." Para Coté, sua originalidade não está na história, até porque não é o que mais lhe interessa. "O que me move são esses personagens fora de esquadro, que se envolvem em situações que escapam ao controle. Como seria a história padrão de Vic + Flo? Elas se encontrariam na floresta, talvez iniciassem uma vida de superação ou se matassem, mas tanto num caso como noutro o desenvolvimento seria previsível. Quando digo que meu final é romântico, as pessoas se surpreendem. Romantismo não precisa ser meloso, com violinos de fundo."
Pierrette Robitaille, que faz Vic, é comediante. Na TV e no teatro, tem fama de palhaça. Coté escreveu para ela e para Romane Bohringer. "Queria uma atriz francesa. Romane tem currículo no cinema de arte. Era perfeita." Flo continua atraída por homens, o oficial da condicional é gay. "Isso torna as coisas mais complexas, e é bom para a ficção", diz o diretor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
VIC + FLO VIRAM UM URSO
Título original: Vic+Flo Ont Vu un Ours. Direção: Denis Côté. Gênero: Drama (Canadá/2013, 95 min.). Classificação: 16 anos.