Vozes da Periferia: o som que floresceu na era pós-mangue

Herdeiros do movimento de Chico Science mantêm a gana de fazer música em seus bairros. Confira a segunda matéria do especial 'Vozes da Periferia'

por Paula Brasileiro ter, 25/09/2018 - 10:00
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Bandas como a Liv e a Conspiração Reptiliana são fruto do 'pós-mangue' Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

No início dos anos 1990, os caranguejos com cérebro do movimento manguebit deixaram suas malocas, nos manguezais, para mostrar ao mundo toda a diversidade cultural e o potencial que se escondia nas periferias recifenses. Quase 30 anos depois, a ideologia disseminada por Chico Science e Fred Zero Quatro (Mundo Livre S.A), segue movendo uma cena musical expressiva nas periferias da cidade. O especial 'Vozes da Periferia' encontrou alguns jovens artistas que são fruto 'dessa leva'. 

A cantora Liv, de 25 anos, é resultado direto disso. Sobrinha de músicos, Marlon e Marcel Moreira, da banda Severinos Atômicos, a jovem musicista viu os tios construírem o próprio estúdio de ensaio nos fundo da casa em que moravam no bairro do Ipsep. “O que ficou pra gente foi a mistura do manguebit e o pós-manguebit. Essa é a nossa referência forte porque Chico (Science) saiu da periferia e cresceu”.

Inspirada nesse movimento, Liv passou a criar, sozinha, em casa; hoje lidera uma banda, que leva seu nome, ao lado de Marco Melo (guitarrista), Rafael Lima (baixista) e Douglas Brito (baterista), todos moradores de diferentes bairros periféricos do Recife, com exceção de Rafael, que vive na cidade de Natal, Rio Grande do Norte.

Gabriel, 24 anos, baixista e vocalista da banda Conspiração Reptiliana, de Beberibe, também aponta o manguebit como motivação para fazer música, ao lado dos colegas Wellisson Cruz (guitarra) e Vinícius Castro (baterista). “Não tem como não citar o  Alto José do Pinho, a galera da Devotos. Aquele contexto parece que veio descendo pra cá e enraizou aqui em Beberibe, Caixa D'água, Dois Unidos”, afirma.

Nos bairros citados por Gabriel e em tantos outros, como o Ipsep e a Várzea, o aumento de festivais com bandas autorais, nos últimos anos, tem funcionado quase como única via de escoamento dessa produção cultural. Essas iniciativas precisam dividir o espaço com artistas de outros segmentos como o tecnobrega e o bregafunk, que tomaram um vulto comercial grande e acabaram dominando parte do público e dos espaços na mídia.

Mas, com tantos bons exemplos do passado e tanta gente, como a própria Liv e a Conspiração Reptiliana produzindo, por quê continua sendo tão difícil colocar essas vozes vindas da periferia para o grande público ouví-las? A resposta vem de Douglas, baterista da Liv: “A maioria das bandas que fazem esses festivais não são de estilo mais comercial. É uma coisa mais de necessidade da periferia, o pessoal critica, reclama, o teor das músicas é nesse tom”.

 O trabalho autoral também parece encontrar certa resistência por parte dos contratantes. “As grandes casas de show não veem a gente como artistas a serem respeitados, isso também dificulta um pouco”, lamenta Gabriel. Mas, na contramão de todas as dificuldades, como o pouco espaço, a concorrência com a música comercial e a violência urbana que acaba afastando o público das apresentações, a garra e vontade desses jovens músicos não os deixa desanimar. Há outro motivo forte, como aponta Liv: “A movimentação dos bairros é o que motiva a gente”.

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