Mulheres em campo: como está o cenário do futebol em PE?

Diferente do masculino, o esporte quando praticado pelas mulheres geralmente fica em segundo plano, porém os clubes começam a investir na recuperação

por Renato Torres qua, 08/03/2017 - 14:54
Renato Torres/LeiaJáImagens/Arquivo Tricolores e alvirrubras já se enfrentaram em dezembro do ano passado. Porém, muita coisa mudou desde então Renato Torres/LeiaJáImagens/Arquivo

É chover no molhado dizer que o futebol feminino não tem tanto espaço quanto o masculino no Brasil. Em Pernambuco, o cenário até parece melhor quando observados os bons resultados do Vitória de Santo Antão que disputa sempre os títulos do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Mas, nos três grandes clubes do Estado, ainda falta muito para que as barreiras sejam quebradas e o esporte receba a atenção e o investimento mínimos para o desenvolvimento.

O surgimento da lei do ProFut renova as esperanças de que os clubes voltem a apostar nos times femininos, já que as agremiações que se inscrevem no programa para refinanciar dívidas com a União são obrigadas a investir nas categorias de base e em equipes de mulheres já a partir de 2018, sendo 2017 um ano de adaptação. Além da legislação, a CONMEBOL também passou a cobrar a existência da categoria para clubes que desejam disputar suas competições: a Copa Sul-Americana e a Taça Libertadores da América.

Porém, a legislação é branda e, na maioria dos casos, não muda muito a realidade das mulheres no futebol. A falta de um calendário maior, patrocinadores e receita são alguns dos pontos que os clubes alegam para não manter os times femininos. A realidade é dura e são poucas as esperanças de que o cenário possa mudar. Em Pernambuco, aos trancos e barrancos, surgem iniciativas que podem transformar o esporte, mas existe um adversário grande a ser batido; a discriminação. E esta começa dentro dos próprios times do estado.

Timbu tenta engatar

Atual vice-campeão pernambucano, o Náutico está tentando manter o time feminino em atividade, mas o calendário curto estava atrapalhando. Com a criação do Brasileiro, a diretoria alvirrubra espera que fique mais rentável para segurar a barra. Os dirigentes queriam que existisse um calendário para o ano inteiro. O Timbu não tem conseguido resultados satisfatórios a nível nacional, mas chegar a final no estadual de 2016 já mostra que, por menor que seja o investimento, existe retorno.

Neste ano, as alvirrubras confirmaram a participação na Série B do Campeonato Brasileiro e pretendem levar o projeto adiante. Em março, o Timbu irá participar, além do nacional, do Campeonato Pernambucano. Para o segundo semestre, também haverá calendário graças à Copa do Brasil.

A força do Vitória das Tabocas

O Vitória é o maior clube de Pernambuco quando o assunto é futebol feminino. O clube começou a tomar as rédeas do esporte local em 2010, quando bateu o Sport na final do Campeonato Estadual. Desde então, só deu o time da cidade de Vitória de Santo Antão. Foram sete títulos consecutivos, mais grandes atuações na Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e até Libertadores da América da categoria.

"É um projeto que surgiu com o Modesto Roma. O Santos desmanchou o time e ele viu a oportunidade de montar o nosso. Foi assim que tudo começou, em 2005", diz o gerente de futebol do Vitória das Tabocas, Alan Rocha.

Nos últimos anos, o Vitória das Tabocas é o único representante do Estado nas competições nacionais. Porém isso irá mudar com a nova fórmula do Campeonato Brasileiro Feminino a partir de 2017, com as séries A e B, tudo custeado pela Confederação Brasileira de Futebol. Para Alan, esse é o apoio que estava faltando para o esporte deslanchar.

"Esse vai ser o empurrão que estava faltando. Existia uma descriminação, mas isso é coisa do passado. No mundo todo é possível observar essa mudança, o público já abraçou o esporte. O campeonato custeado pela entidade e os clubes lançando seus times vai alavancar o futebol feminino", destacou.

O desempenho do time feminino coloca o Vitória como o segundo maior clube do Brasil. E o grupo da Mata Sul de Pernambuco puxa a Federação Pernambucana de Futebol para a terceira posição no ranking entre federações. Resultados notáveis, para um clube que não tem um terço do poder de investimento dos três grandes da capital. "Em 2017, queremos vencer o Brasileiro e garantir vaga na Libertadores. Nós somos os segundos, queremos o topo", completou o gerente de futebol.

Um forte recomeço

Tradicional no futebol pernambucano, o Leão sempre mostra força em outras categorias, algo que aconteceu por muito tempo. Até 2015, para ser mais preciso. Curiosamente, em 2008, quando o time masculino foi campeão da Copa do Brasil, as leoas chegaram à final da versão feminina, o que mostra se tratar de uma equipe com calibre. O problema é que, por questões estruturais, o clube optou por encerrar as atividades na gestão do presidente João Humberto Martorelli.

Parte da diretoria na época, o atual executivo, Arnaldo Barros, restaurou o departamento, cumprindo promessa de campanha. Formou um elenco formado por jogadoras da seleção brasileira, ex-atletas que foram desligadas do Santa Cruz e também algumas peças que faziam parte do time vice-campeão em 2008. O Sport contratou o melhor técnico do campeonato paulista, pois irá disputar a primeira divisão do Brasileiro neste ano, vaga garantida com a permanência na Série A, pelo masculino. E a confiança para o torneio está tão alta quanto à responsabilidade de dar retorno ao investimento.

"Nossa mentalidade é vencedora. Esperamos jogar de igual para igual com todas as equipes do Brasileiro. Venho de São Paulo, conheço as equipes, os trabalhos e tenho informações para enfrentar todos os times, então nossa expectativa é a melhor possível", disse o treinador Jonas Urias ao LeiaJa.com.

O Sport é segundo o clube que mais vezes venceu o Campeonato Pernambucano de Futebol Feminino com 6 títulos (1999, 2000, 2005, 2007, 2008 e 2009) e foi quem revelou a atual goleira da seleção brasileira, Bárbara.

Recomeçou, mas terminou outra vez

Após 11 anos, o Santa Cruz reativou o futebol feminino em setembro de 2016, numa empreitada do técnico Farges Ferraz, que a direção do Departamento de Fase/Futsal abraçou à época. O problema é que foram só eles mesmo. O clube passa por uma crise financeira grave e desde que reiniciou as atividades, o departamento só recebia uma baixa ajuda de custo. Todo o resto do dinheiro necessário para a manutenção estava sendo buscado com patrocinadores, fora do Arruda. Não tinha como ser diferente, o Santa voltou a fechar a categoria.

"Existe sim um preconceito, mas não é só no Santa Cruz, é no país inteiro. Praticamente tudo que entra nos cofres vai para o futebol masculino. É algo que dificulta realizar qualquer trabalho dentro do clube nesse sentido. Nem adianta sonhar em ter times de outros esportes no Santa", destacou o diretor do Departamento de Base/Futsal do Santa Cruz, Bleno Porfírio da Cruz Júnior.

O ex-treinador do time feminino e também gestor da modalidade no Santa, Farges Ferraz, crê que a discriminação irá deixar o esporte sempre em segundo plano. O foco em manter apenas o time masculino está matando as chances de desenvolvimento de qualquer outro esporte no Arruda. "A maior parte das pessoas que estão à frente são antigas demais no poder e só pensam em investir no que dá dinheiro. O futsal do clube veio caindo, não há outro esporte amador que receba investimento, o interesse é apenas no futebol profissional", lamentou à época.

A lei do ProFut não mudou muita coisa pelas bandas do Arruda. Apesar do interesse do Tricolor em disputar a Copa Sul-Americana, o que aumenta a pressão para o investimento no futebol feminino, as legislações são brandas e não garantem o bom funcionamento da categoria. "O artigo quarto fala apenas em manter investimentos em categorias de base e feminino, não diz quanto. Ou seja, se eu dou mil reais por mês para cada, já cumpri as exigências. Essa lei não nos protege como deveria, seja feminino ou base. Se estivesse destacado um percentual em cima dos ganhos totais do clube, existiria sim um investimento real, mas esse, definitivamente, não chega nem perto do ideal", destacou Bleno.

Em fevereiro de 2017, o Santa fechou mais uma vez o departamento feminino, alegando, em nota, que nunca houve contrato com as atletas e que a responsabilidade era toda da gestão do projeto. E o clube apenas iria ceder a marca. Algo que já realiza com o Fut7. Além disso, a direção acusa os responsáveis de má gestão e que nem mesmo com um incentivo financeiro viu melhoras, por isso encerrou a parceria. Por conta do ProFut, no próximo ano o Tricolor irá ser obrigado a contar com a equipe, porém ainda não se sabe como essa questão será tratada pela diretoria. Por enquanto, as atletas seguem sem clube (exceto as que acertaram com o Sport) e o departamento permanece inativo.

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