Maconha: quando o uso é alternativa para viver

Embora ainda seja proibido no Brasil, uso medicinal é visto por muitos como saída para várias doenças degenerativas

sex, 10/11/2017 - 17:02

Desde primórdios, falar sobre o consumo e legalização da maconha sempre foi um assunto polêmico em várias partes do mundo. No entanto, também são crescentes as novas concepções diante da planta, principalmente, quando envolve o tratamento medicinal de doenças severas. Estudos científicos recentes indicam que o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) são de extrema importância medicinal, devido ao seu poder de cura eficaz no tratamento de dores, ansiedade, podendo inclusive desacelerar o desenvolvimento de células doentes no organismo. Apesar disso, o comércio da erva não é autorizado no Brasil.

Em 2014, o canabidiol teve autorização concedida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) de uso compassivo no país, ou seja, somente para casos específicos de tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes que são refratárias às terapias convencionais. Dois anos depois, o tetrahidrocanabinol (THC) também foi autorizado, dentro dos mesmos critérios de consumo.

O problema é que, como as famílias não podem ter seu próprio plantio e cultivo, precisam pagar pela importação do medicamento, com preços elevados que podem variar de R$ 5 mil a R$ 10 mil por mês, sem ajuda financeira alguma do Estado. Fator que prejudica a maioria de pacientes que precisam fazer o uso contínuo no tratamento de doenças crônicas.

Produção Farmacêutica

Outro fator que prejudica os pacientes que dependem dessas medicações é a falta de fiscalização dos produtos que chegam no país, em relação aos quantitativos necessários dessas substâncias para o consumo dos pacientes. Em entrevista ao LeiaJa.com, a farmacêutica Larissa Rolim ressaltou que se autorizada, a produção desses fitoterápicos teria custo muito mais acessível e reduziria consideravelmente agravos de doenças degenerativas.

Dados da Anvisa, até fevereiro deste ano, revelam que o órgão recebeu 2.242 pedidos para importação do extrato de maconha, sendo que apenas 2.077 foram autorizados. “Desmistificar o uso medicinal da maconha é preciso. De modo que as pessoas entendam que ela é uma planta medicinal como qualquer outra, que produz compostos benéficos à saúde. Se fosse um abacaxi, ninguém veria tanto problema em usar o canabidiol, mas ele não vem dessa fruta. Vem da maconha, e deve haver esse entendimento como algo benéfico”, explica Rolim. “Eu não estou falando em dar um cigarro para uma criança fumar, falo em dar um xarope preparado, dentro dos padrões de qualidade”, finaliza.

Medicina

Entre os critérios para um paciente no Brasil conseguir autorização para importar o extrato da maconha, o CFM determina que médicos em apenas três especialidades prescrevam: neurologia, neurocirurgia e psiquiatria.

Para o médico Pedro Mello, esses requisitos limitam o atendimento dos pacientes que precisam, até porque nem todo especialista que atende nessas áreas da medicina se interessam pelo assunto. Acupunturista e pós-graduado em dor, com especialização em Neurociência Aplicada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele revela que, embora não se enquadre nos três tipos de especializações médicas estabelecidas pelo Conselho, faz prescrições dentro dos padrões ‘Off Label’.

O conceito é definido quando procedimentos médicos em que se utilizam materiais ou fármacos fora das indicações na bula ou protocolos são de responsabilidade exclusiva de cada médico que o prescreve ou executa.

Mello afirma que, com a procura maior que a demanda de médicos, ainda precisa se dividir no atendimento de pacientes de Pernambuco e da Paraíba. Ele acredita que o número de médicos que prescrevam para esses fins “não chega a uma dezena”.

Associação

Em meio às restrições para consumo medicinal e poucas informações acerca da terapia medicinal canábica, entidades não governamentais tem sido a alternativa das famílias que precisam ou se interessam pelo tratamento fitoterápico. As associações exercem o papel de esclarecer dúvidas relacionadas ao acesso de medicamentos por um custo mais barato.

Um exemplo é a Associação Brasileira de Cannabis Esperança (Abrace), criada em João Pessoa, na Paraíba. A fundação já atende vários estados do Brasil e trabalha ajudando famílias, com informações sobre importação o extrato da cannabis, orientação jurídica para solicitar fornecimento pelo Estado, além de médicos associados para dar assistência específica.

A Abrace sobrevive de doações voluntárias. Os pacientes associados e autorizados ao consumo, costumam fazer contribuições mensais a essa instituição para conseguir dar continuidade ao tratamento. A grande luta dos representantes, atualmente, é pela autorização do plantio e cultivo, voltado para fins medicinais e científicos.

Consumo x Preconceito

“Antes vivia na cama, sem poder realizar minhas atividades diárias. Não conseguia nem abrir ou fechar as mãos, que mais parecia que iam quebrar. Agora não sinto absolutamente mais nenhum sintoma”, conta com entusiasmo o professor e escritor João Carvalho.

Aos 63 anos, ele revela que optou pelo uso terapêutico da maconha há 6 anos, para tratar de espondilite anquilosante, doença reumática rara e genética, que afeta a coluna vertebral e articulações. Do tempo em que começou o tratamento, até agora, João explica que fez a descontinuação do uso de todos os medicamentos que lhe traziam outros efeitos colaterais e não sente mais incômodo algum, relacionado à doença.

Seu tratamento consiste no fumo contínuo da maconha natural, uma vez por dia. Mas ele lamenta o quanto é difícil ter que se esconder das pessoas e optar por um tratamento que só lhe trouxe benefícios, mas que é proibido. “Embora todos os meus familiares saibam dessa minha necessidade e consumo, é muito difícil lidar com o preconceito das pessoas, principalmente quando envolve questões profissionais”, salienta.

Tão polêmico é o assunto que, durante a entrevista, o professor pensou bastante se deveria ou não ser identificado na matéria apenas com siglas e imagem à sombra para contar sua história. Somente depois, ele se sentiu à vontade e autorizou que sua identidade fosse revelada. “Não tenho porque me esconder de um tratamento que só me faz bem, que me trouxe de volta à vida”, endossa.

Uso terapêutico infantil

O número de mães que buscam a terapia medicinal, na esperança de tratar doenças severas no país também é crescente. Em entrevista exclusiva ao LeiaJa.com, a bióloga da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Andrea Harand, revela os obstáculos que enfrenta com seu marido, Wolfgan Harand, no tratamento do pequeno Arthur, de 9 anos.

Portador de Lisencefalia, doença congênita responsável pela má formação do cérebro, Arthur luta pela sobrevivência desde que nasceu, no enfrentamento de crises epilépticas e pneumonia. Complicações da doença elevaram o caso do garoto e levaram seus pais a buscarem a esperança de reversão do quadro no uso medicinal.

Eles contam felizes que iniciaram o tratamento em maio deste ano e já obtiveram grande avanço com o tratamento. “Arthur fazia uso de quatro medicamentos anteriormente, agora, já conseguimos tirar um, e seguimos na busca do desmame do segundo”, afirma com entusiasmo Andrea.

Ela ressalta ainda que os efeitos colaterais também reduziram, principalmente, o episódios de crises epiléptica. E finaliza destacando que almeja que todos tenham direito e acesso ao plantio e consumo da planta, com mais chances à vida,, bem como grandes avanços na medicina.

Confira o vídeo da entrevista na íntegra:

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Por Rebeca Ângelis, especial para o LeiaJá

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