Trasladação: devoção e fé que se renovam a cada ano

Procissão noturna que sai do colégio Gentil Bittencourt para a Igreja da Sé está entre as tradições do Círio de Nazaré, em Belém

qui, 11/10/2018 - 10:49

"O nosso Círio passou a ser no sábado. Nós almoçamos e aguardamos ela passar às seis horas da tarde", diz Carmen Laura, ao imaginar a família vendo a Trasladação. A administradora aposentada, de 61 anos, mora em frente à Brasílica Santuário de Nazaré, entre 14 de Março e Generalíssimo Deodoro. É do edifício onde mora, com uma vista privilegiada, que ela vê a saída da procissão. "A minha mãe dizia: 'Nós não podemos deixar de fazer isso porque nós não vamos vê-la. Ela que vem até a nossa casa'. Então isso pra mim é uma grande bênção", relata Carmen.

A Trasladação é a procissão anterior ao Círio. Sai todos os anos do Colégio Gentil Bittencourt, no sábado à tarde, depois de uma missa. A procissão tem origem em 1793, quando Dom Francisco de Souza Coutinho determinou que fosse conduzida a imagem da igreja onde estava a capela do Palácio do Governo, para sair o Círio no dia seguinte. A caminhada faz o trajeto inverso do Círio, levando a imagem de Nossa Senhora de Nazaré até à Catedral Metropolitana, de onde no outro dia sai a grande procissão.

Carmem acompanha a Trasladação da varanda do prédio. Já a estudante Jamille Amorim vive a emoção da procissão no meio do povo, e na corda. Para Jamille, o que a motivou a ir na caminhada segurando a corda foi a curiosidade. "Foi pela fé, pela devoção. Eu nunca fui na corda. E foi mais pela experiência, por ser algo novo. Até porque eu não conseguia estar lá e ver aquelas pessoas na corda e não fazer a mesma coisa", relata a estudante. "E desde o momento que consegui entrar e peguei de fato na corda, foi inexplicável", conta, emocionada.

Jamille mora longe do ponto de partida da Trasladação. Pela beleza da procissão, ela não esconde o encantamento. "O traslado tem a beleza da noite, das luzes da rua que iluminam e faz o percurso ficar mais bonito. Acho a berlinda muito mais iluminada e bonita de se ver à noite, fora os fogos que são bem emocionantes", explica. 

Há três anos Jamille não foi mais na corda, mas não deixa de ir na procissão. Em 2015 ela assistiu à Trasladação passar sem poder caminhar com a multidão. Para ela, foi um momento de tristeza por não acompanhar Nossa Senhora de Nazaré. "Nesse ano eu queria muito ter ido na corda. Foi muito triste pra mim porque eu só vi ela passar. Eu engravidei no ano seguinte e Nossa Senhora sabia por que eu estava só assistindo", relata.

Depois de ter o bebê, em 2017 Jamille voltou ansiosa para a caminhada de devoção. "Ano passado eu pude, graças a Deus, levar a minha filha. E quando Nossa Senhora passou foi a mais emocionante de todas as procissões da minha vida por ter levado a minha filha", explica.

Em 2018, perguntar se Jamille vai à Trasladação é receber um "sim" do tamanho da fé que ela tem por Maria. "Esse ano eu vou na corda pelo simples fato de agradecer por estar voltando para o meio do povo, segurar a corda pra puxar a berlinda e pra agradecer pela vida da minha filha", comenta, já se imaginando na caminhada. 

Alguns têm o privilégio de uma ampla visão da imagem de Nossa Senhora pelas ruas da capital paraense à noite. Outros querem ficar o mais perto possível dela, segurar a corda, deixar a multidão levar e ser movido pela fé. Muito mais alegria tem um guarda de Nazaré. São eles que ficam frente a frente com a berlinda. São eles que puxam a redoma florida no meio da procissão. Trabalhar no Círio e na Trasladação é algo explicável, mas tem um sentido maior quando se tem a família por perto. "Uma experiência marcante pra mim foi quando minhas filhas tiveram a iniciativa de participar da trasladação. Não só por incentivo meu, mas quando percebi que elas estavam se tornando devotas de Nossa Senhora de Nazaré", relata o guarda Alberto Neto.

A cada ano a Trasladação se renova. São novas histórias e vivências que motivam os promesseiros. Há quem  participe da procissão para pagar promessas e já cumprir a devoção, sem ir ao Círio. Para cada fiel basta a música que entoam com a alegria: "Fiéis, servir-te até morrer". Neste ano a caminhada será no dia 13 de outubro, às 17 horas, com saída do Colégio Gentil Bittencourt.

Por Caio Barreto, Gerson Rocha e Jhonata Chaves.

 

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