Gastronomia do Círio tem maniçoba como prato principal

O LeiaJá mostra a história de mãe e filho que cuidam do preparo da mais tradicional refeição dos paraenses. Quando outubro vem, até as ruas da cidade de Belém ficam repletas do aroma da maniva sendo cozida.

seg, 15/10/2018 - 09:39
Fernando Sette/Expedição Pará Maniçoba: prato tradicional da culinária paraense Fernando Sette/Expedição Pará

O cheiro de patchouli e das ervas aromáticas que são tão procuradas no Ver-o-Peso se espalha pelo ar de Belém, mas ninguém pode negar que o cheiro pronunciado das folhas de maniva sendo cozidas ao longo de uma semana, se tornando a espécie de feijoada paraense - que é aromatizada com os embutidos do porco e toda a sorte de temperos deliciosos - é o mais desejado por todos. Maniçoba é nome dado a essa iguaria da cozinha amazônica e especialmente do Pará, originária na folha da mandioca, a maniva, que é fervida e cozinhada por vários dias em fogo baixo com peixe, conforme a tradição indígena. 

Os portugueses e outros povos que se mesclaram ao povo paraense foram adicionando itens refogados ou fritos, como o toucinho, calabresa e outras carnes. Independente de como é feita ou o que leva, maniçoba vem a ser um símbolo do amor pelo Pará e de afeto entre os paraenses, que preparam o prato como uma forma de celebrar o domingo do Círio - quando uma das maiores procissões religiosas do mundo ocorre - em família, à mesa.

"Para mim, maniçoba tem gosto de lar e o segredo é justamente o amor. Minha mãe pega o que aprendeu com a mãe dela, dona Maria de Belém, lá na Vila de Condeixa no município de Soure, na ilha do Marajó. À receita de vó ela foi agregando um gosto próprio, que sempre faz sucesso entre os nossos parentes e amigos, independente de ser época de círio", narra o garçom Igor Oliveira Gomes, que durante a semana trabalha em um dos restaurantes do complexo da Estação das Docas servindo, para aos finais de semana prestigiar a comida da mãe. Ele apresenta Eliana Laura Oliveira Gomes e pergunta a ela qual o segredo da maniçoba: "Segredo eu não posso compartilhar, mas tem uma dica preciosa que é nunca deixar a água secar. Trocar de quando em quando e não colocar sal, pois a maniçoba salga com a linguiça, o paio, o bucho, o bacon, o toucinho e o charque que eu fervo, lavo, dessalgo e vou acrescentando pra cozinhar junto", explica a cozinheira.

Feliz por receber entre 20 e 30 pessoas para comer a sua maniçoba, Eliana conta que sempre trabalhou com alimentação e que desconhece atividade que seja mais prazerosa do que alimentar as pessoas e vê-las satisfeitas com sua comida. "Eu comecei vendendo salgados lá na frente do Tribunal do Trabalho, com o passar dos anos abri uma banca de comida pois a procura era grande, inclusive tem juiz, desembargador e outros servidores de lá que já provaram e costumam encomendar minha maniçoba", acrescenta a matriarca, que além de faturar um dinheiro extra vendendo maniçoba congelada também comercializa patos, ingrediente indispensável de outro prato bem procurado durante o círio - o pato no tucupi.

Na cozinha, mexendo as panelas com maniçoba que já passou por oito dias de preparo, ela recebe o carinho do esposo Francisco, também marajoara, que prepara uma salva, típica cachaça feita a base de raízes. Ele conta que Igor chora por causa da maniçoba e que Eliana volta e meia faz especialmente para ele, em qualquer época do ano. Quando perguntada se já gastou mais de um botijão de gás preparando os 6 quilos de maniçoba para o Círio, Eliana sorri e faz um gesto apontando para o fogão. "Ah, já estou no segundo, mas não gastei o primeiro cozinhando ela não, já estava na metade. Para cozinhar os seis, sete quilos de maniçoba que faço em todo o Círio eu deixo em fogo baixo, acrescento um bocadinho de água toda a noite e quando vou dormir, desligo e ligo bem cedo o fogão", ensina. 

Igor observa Eliana avisar que a maniçoba está pronta e se apressa em colocar os pratos na mesa, preparar a farofa, colocar o arroz em travessas e separar o caranguejo society, outra especialidade culinária da mãe - sendo a massa do caranguejo com farofa e vinagrete - para a refeição. "Todo mundo fica na expectativa grande para comer a maniçoba dela, então quando o dia chega é uma alegria, realmente um momento de confraternização", acrescenta o garçom, rindo e abraçando a mãe enquanto ela traz a primeira panela para a mesa. Para quem ficou com água na boca, Eliana avisa que sempre tem um prato de maniçoba sobrando e que ainda oferece uma 'quentinha' para cada convidado levar para casa e continuar saboreando seu presente culinário, feito com todo o amor e carinho.

Por Lorenna Montenegro.

 

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