Gastronomia do Círio tem maniçoba como prato principal
O LeiaJá mostra a história de mãe e filho que cuidam do preparo da mais tradicional refeição dos paraenses. Quando outubro vem, até as ruas da cidade de Belém ficam repletas do aroma da maniva sendo cozida.
O cheiro de patchouli e das ervas aromáticas que são tão procuradas no Ver-o-Peso se espalha pelo ar de Belém, mas ninguém pode negar que o cheiro pronunciado das folhas de maniva sendo cozidas ao longo de uma semana, se tornando a espécie de feijoada paraense - que é aromatizada com os embutidos do porco e toda a sorte de temperos deliciosos - é o mais desejado por todos. Maniçoba é nome dado a essa iguaria da cozinha amazônica e especialmente do Pará, originária na folha da mandioca, a maniva, que é fervida e cozinhada por vários dias em fogo baixo com peixe, conforme a tradição indígena.
Os portugueses e outros povos que se mesclaram ao povo paraense foram adicionando itens refogados ou fritos, como o toucinho, calabresa e outras carnes. Independente de como é feita ou o que leva, maniçoba vem a ser um símbolo do amor pelo Pará e de afeto entre os paraenses, que preparam o prato como uma forma de celebrar o domingo do Círio - quando uma das maiores procissões religiosas do mundo ocorre - em família, à mesa.
"Para mim, maniçoba tem gosto de lar e o segredo é justamente o amor. Minha mãe pega o que aprendeu com a mãe dela, dona Maria de Belém, lá na Vila de Condeixa no município de Soure, na ilha do Marajó. À receita de vó ela foi agregando um gosto próprio, que sempre faz sucesso entre os nossos parentes e amigos, independente de ser época de círio", narra o garçom Igor Oliveira Gomes, que durante a semana trabalha em um dos restaurantes do complexo da Estação das Docas servindo, para aos finais de semana prestigiar a comida da mãe. Ele apresenta Eliana Laura Oliveira Gomes e pergunta a ela qual o segredo da maniçoba: "Segredo eu não posso compartilhar, mas tem uma dica preciosa que é nunca deixar a água secar. Trocar de quando em quando e não colocar sal, pois a maniçoba salga com a linguiça, o paio, o bucho, o bacon, o toucinho e o charque que eu fervo, lavo, dessalgo e vou acrescentando pra cozinhar junto", explica a cozinheira.
Feliz por receber entre 20 e 30 pessoas para comer a sua maniçoba, Eliana conta que sempre trabalhou com alimentação e que desconhece atividade que seja mais prazerosa do que alimentar as pessoas e vê-las satisfeitas com sua comida. "Eu comecei vendendo salgados lá na frente do Tribunal do Trabalho, com o passar dos anos abri uma banca de comida pois a procura era grande, inclusive tem juiz, desembargador e outros servidores de lá que já provaram e costumam encomendar minha maniçoba", acrescenta a matriarca, que além de faturar um dinheiro extra vendendo maniçoba congelada também comercializa patos, ingrediente indispensável de outro prato bem procurado durante o círio - o pato no tucupi.
Na cozinha, mexendo as panelas com maniçoba que já passou por oito dias de preparo, ela recebe o carinho do esposo Francisco, também marajoara, que prepara uma salva, típica cachaça feita a base de raízes. Ele conta que Igor chora por causa da maniçoba e que Eliana volta e meia faz especialmente para ele, em qualquer época do ano. Quando perguntada se já gastou mais de um botijão de gás preparando os 6 quilos de maniçoba para o Círio, Eliana sorri e faz um gesto apontando para o fogão. "Ah, já estou no segundo, mas não gastei o primeiro cozinhando ela não, já estava na metade. Para cozinhar os seis, sete quilos de maniçoba que faço em todo o Círio eu deixo em fogo baixo, acrescento um bocadinho de água toda a noite e quando vou dormir, desligo e ligo bem cedo o fogão", ensina.
Igor observa Eliana avisar que a maniçoba está pronta e se apressa em colocar os pratos na mesa, preparar a farofa, colocar o arroz em travessas e separar o caranguejo society, outra especialidade culinária da mãe - sendo a massa do caranguejo com farofa e vinagrete - para a refeição. "Todo mundo fica na expectativa grande para comer a maniçoba dela, então quando o dia chega é uma alegria, realmente um momento de confraternização", acrescenta o garçom, rindo e abraçando a mãe enquanto ela traz a primeira panela para a mesa. Para quem ficou com água na boca, Eliana avisa que sempre tem um prato de maniçoba sobrando e que ainda oferece uma 'quentinha' para cada convidado levar para casa e continuar saboreando seu presente culinário, feito com todo o amor e carinho.
Por Lorenna Montenegro.