Ambiente ameaça acordo Mercosul-UE
A troca de farpas entre chefes de Estado de Brasil, França e Alemanha aumentou a tensão sobre as negociações dos detalhes finais do acordo entre Mercosul e União Europeia
A troca de farpas entre chefes de Estado de Brasil, França e Alemanha aumentou a tensão sobre as negociações dos detalhes finais do acordo entre Mercosul e União Europeia, discutido há duas décadas. Havia expectativa de que um consenso entre os ministros dos dois blocos pudesse ser alcançando ainda na última quinta-feira, 27, mas as conversas avançaram a noite em Bruxelas sem que um anúncio final fosse feito. A decisão sobre o futuro do tratado ficou para hoje.
Os impasses sobre alguns termos do acordo ainda não foram totalmente solucionados, mas foi o clima político que pesou. O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou na quinta, antes da reunião de cúpula do G-20 em Osaka, no Japão, que não assinaria um acordo com o Mercosul se o presidente Jair Bolsonaro levasse adiante a promessa de retirar o Brasil do acordo climático de Paris. Ele fizera ameaça similar no ano passado. Em meio a esse clima tenso, sem uma justificativa oficial, na manhã desta sexta-feira (horário de Osaka), a assessoria de Bolsonaro, que está no Japão para participar do G-20, informou o cancelamento de um encontro bilateral que o presidente teria à tarde com o líder francês.
Ainda na quinta-feira, antes de seguir para o encontro de líderes mundiais, a chanceler alemã, Angela Merkel, também já havia dito que queria ter uma "conversa clara" com Bolsonaro sobre desmatamento e que via com preocupação a posição do brasileiro. Os europeus estão sendo pressionados por ONGs a questionar o acordo entre Mercosul e União Europeia. Apesar disso, Merkel se disse favorável à conclusão do tratado.
O governo brasileiro reagiu às criticas e mirou em Merkel, justamente uma aliada no acordo. O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, disse que ninguém tem "moral" para falar sobre preservação com o Brasil e que a Alemanha deveria "procurar sua turma".
Surpresa. O embate político pegou os negociadores de surpresa. Pela manhã, representantes do governo brasileiro estavam otimistas e diziam que um anúncio poderia vir horas depois. Uma fonte do Itamaraty afirmou que o chanceler Ernesto Araújo, que está em Bruxelas para etapa decisiva de negociações, poderia fazer um anúncio ainda ontem.
Representantes do setor produtivo também haviam sido comunicados que, na manhã de hoje, um encontro poderia ocorrer na Bélgica justamente para que os principais pontos do acordo fossem explicados.
O bloco europeu entendia que a disputa climática havia sido de certa forma superada. Apesar das críticas na Europa sobre os discursos de Bolsonaro em relação ao meio ambiente, os europeus avaliavam que a decisão do Brasil de não deixar imediatamente o Acordo de Paris foi uma sinalização de que nem tudo o que o presidente brasileiro prometeu na campanha será colocado em prática.
Fontes próximas aos negociadores europeus não descartam, porém, dificuldades para a ratificação do acordo. Isso porque, após assinado, o tratado precisa passar pelo crivo do Parlamento de todos os países envolvidos, além dos parlamentares da União Europeia. Enquanto isso, pode vigorar com regras transitórias. O avanço dos "verdes" no Parlamento Europeu, porém, pode causar dificuldades nessa fase.
Decisão. Para que se chegue a essa fase, no entanto, será preciso que os ministros de Mercosul e União Europeia alcancem um acerto sobre pontos sensíveis, como o prazo para que o Mercosul zere tarifas para bens como automóveis, e quanto os europeus concordarão em aumentar as cotas de importação para produtos agrícolas.
Fontes próximas às conversas relataram ao Estado que avanços significativos já haviam sido feitos em pontos que preocupavam o Brasil. Os europeus haviam aceitado, por exemplo, incorporar ao acordo regras mais rígidas para a aplicação de barreiras sanitárias do que as que seguem atualmente. A União Europeia é conhecida por usar o argumento de risco à segurança sanitária para inibir importações, notadamente de produtos agrícolas. / COLABORARAM BEATRIZ BULLA E CÉLIA FROUFE, DE OSAKA